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Homenagear António Eduardo Borges Coutinho 6/ 6

A constitucionalização
e implantação da Autonomia

  1. Não referindo a atribuição de uma modesta medalha pela Assembleia Legislativa Regional – e a anterior condecoração pelo Presidente da República, Jorge Sampaio -, a sua ‘reabilitação’ pelos adversários já começara com uma proposta de Carlos Melo Bento – salvo erro -, que acabou na atribuição do nome de António Borges Coutinho a uma rua de Ponta Delgada No mês de Outubro de 2024, a Família e os comunistas organizam uma sessão na Biblioteca Pública da cidade – numa auspiciosa aliança estalinista -trotskista, cuja repetição é ardorosa mente desejada (parece que anda medalha por aqui) ; o autor – junto com Pedro Leite Pacheco e com a colaboração do homem de teatro e declamador Mário Sousa – havia organizado uma outra, em Maio do ano corrente, no Museu dirigido por João Paulo Constância (sessão repetida em Julho na Biblioteca da Madalena, Pico, chefiada por Fernanda Medeiros, mas tão-somente com a presença do autor).
    (É claro que a adesão de António Borges Coutinho ao PC, depois do 6 de Junho, não é sem consequências – mas, como foi salientado na homenagem em sua memória, a sua riqueza interior vai muito além disso).
    Agora, no entanto, é o maior responsável pela Nova Autonomia, João Mota Amaral, que participa numa homenagem a António Borges Coutinho – a cereja em cima do bolo, nesse caminho de integração da esquerda na Autonomia.
    Tendo-se tornado um infatigável paladino da causa autonómica, será caso para citar a conhecida passagem autobiográfica de São Paulo (1.ª Carta Aos Coríntios, 9, 19-23) : «Pois sendo eu livre em relação a todos, fiz-me escravo de todos, para os ganhar em maior número. (…) aos que estão sob a lei apresentei-me como sob a lei, não estando eu próprio sob a lei, para ganhar os que estão sob a lei. Aos que não têm lei apresentei-me como sem lei (…) para ganhar os que não têm lei. Tornei-me fraco perante os fracos, para ganhar os fracos. Tornei-me todas as coisas para todas as pessoas, para salvar alguns a qualquer custo. (…).».
    De resto, nos últimos tempos, nas suas presenças semanais na imprensa, havia uma tentativa de sondar as sensibilidades para uma incursão maior em direcção à esquerda. Por isso mesmo, num seu artigo, o autor apontou as duas reticências que ele levantava a essa esquerda : a tomada de posição em 1973, recandidatando-se pelo regime; o seu silêncio, enquanto presidente do I Governo Regional – mesmo depois da Autonomia ter recebido consagração constitucional –, relativamente à continuada violência.
    Na altura, porém, nada referiu do 6 de Junho – constituindo o grupo parlamentar açoreano um evidente beneficiário político da movimentação aparecida na sua sequência, pela exponenciação do seu poder contratual na negociação do Título VII (benefício que contemplou a própria Autonomia, claro); tratando-se de um assunto que não é de somenos, ele faz parte do debate público – que poderá contar com o eventual envolvimento do presidente do PSD-A da altura, em assim o desejando (se o autor refere tão-somente um artigo próprio, é apenas porque não tem conhecimento que alguém mais tenha abordado o assunto; infelizmente para ele, João Mota Amaral goza de um estatuto que silencia (quase) todos e cada um).
    (O mais interessante dos revolucionários bolcheviques de 1917 foi Trotski ; para quem, em querendo os fins teria de se aceitar os meios – único modo de acabar com o reinado da burguesia. Sabe-se como a coisa acabou : no seu exílio mexicano foi assassinado com uma picareta na cabeça – Ramón Mercader, um agente de Estaline, não o fez por menos ; depois de 70 anos de negrume, a URSS afundava-se, descobrindo-se que afinal a burguesia se escondera numa despensa – mesmo ao lado do caixote de lixo da História que Trotski lhe destinara).
  2. O gesto de João Mota Amaral pode ainda ser pensado em várias outras vertentes, para além das motivações anteriormente aludidas.
  3. l. A memória. Em outra ocasião, já o autor discorreu sobre a importância da modelização da memória histórica na vida dos políticos – porque se envolvem em problemas comunitários, porque dispõem frequentemente de uma panóplia de meios para a movimentar.
    Um exemplo é o de Mário Soares, com a criação de uma fundação onde se reúne material relativo à oposição ao regime anterior e se guarda a memória do soarismo. Se alguém, em Portugal, teve a possibilidade de trabalhar para aquela modelização, foi ele, Mário Soares – desde logo, na versão do anti-gonçalvismo que impôs a (quase) todos. Um outro exemplo : um político que arranja um cargo a outrem – sem passado ou capacidade para o desempenhar decentemente – mas a decência não entra aqui, de modo algum -, a fim de conseguir um relato em conformidade, das façanhas políticas próprias e dos seus, ao arrepio da verdade mais elementar. É um caso bem conhecido, onde pontifica uma apagada e vil tristeza. Mas, isso não acontece com todos os políticos – felizmente.
    Alberto João Jardim e João Mota Amaral também navegam pelas águas da modelização da memória ; nomeadamente, jamais perdendo a oportunidade de se demarcarem da direita e de se chegarem à esquerda – eles que criaram as Autonomias a partir da direita e com o seu apoio (ironicamente, o autor já escreveu que o segundo acordava sempre à esquerda de si próprio).
    7.2. A contrição. Porque não optar por uma outra forma de homenagear António Borges Coutinho ? De facto, há quem ache que em vez de comparecer como orador na homenagem, João Mota Amaral poderia tê-lo feito através de um artigo na imprensa – mais a mais, tratando-se de uma iniciativa comunista – para alguns, aliás, tanto melhor que assim seja -, evitando o que pode aparecer como um verdadeiro acto de contrição.
    Para um Católico não é uma dimensão despicienda – ao contrário, ela assume-se como incontornável centro de toda a vida espiritual do crente : a assumpção do erro e a concessão do perdão são paragens obrigatórias da caminhada dos que se apoiam na Fé.
    7.3. O autor escreveu acima «que foi no fogo da Liberdade exigida pela Oposição Democrática que a tocha da Autonomia se incendiou». Aqui, a Autonomia – o processo histórico autonómico – é encarada numa abordagem algo hegeliana : é o fogo que vai sendo recolhido por diferentes intervenientes – os que se sentiram fadados para essa missão -, fogo transmitido ao destinatário seguinte, mesmo que cada um se possa revelar o oposto (dialéctico) de quem recolhera a chama sagrada. Um posicionamento onde cada vencedor se transformará inelutavelmente em vencido – destinos que em um e no outro se cumprem em circunstâncias variegadas.
    7.4. Finalmente, a homenagem, tal como João Mota Amaral a viveu – através de uma comunicação presencial ao colóquio consagrador -, pode ser lida como o tributo prestado a um nobre vencido por um nobre vencedor – atitude de venerável tradição histórica pagã (e cristã), acrescente-se.

Nota final. Este ensaio foi redigido e entregue, antes da sessão de homenagem a António Borges Coutinho ser realizado em Ponta Delgada, no dia 26 de Outubro de 2024.
No entanto, cumpre reconhecer que o conhecimento da intervenção de João Mota Amaral assume relevância na interpretação do significado do seu gesto – embora disso não dependa exclusivamente.

Por: Godofredo de Vera Cruz

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