As recentes comemorações do 25 de Novembro acenderam novo debate sobre a importância relativa deste dia, em analogia a outras datas marcantes da constituição do país, da democracia, da república e da sua restauração. O maior conclave trouxe à colação a estafada pertinência de se querer comparar aquele, com o dia 25 de abril de 1974, dia maior do nosso regime democrático, que ditou o fim de uma ditadura conotada com o fascismo. Tema diverso é saber se o dia deve ser esquecido, obliterado, apagado da memória coletiva, ou se, pelo contrário, tem importância suficiente para figurar como uma data a assinalar no calendário político do país. E se tem, tanto os que saíram derrotados como os que saíram vencedores, devem sabê-lo e aceitá-lo. No fim, sairá vencedor o povo português, e teremos uma comunidade mais forte e coesa.
A verdade é que os portugueses não ligaram nenhuma à comemoração do dia que o parlamento nacional promoveu. Admito até que na maior parte dos casos nem se tenham apercebido de tal celebração. Foi profundamente divisiva do espetro partidário português, e com ele dividiu os portugueses que perderam tempo com o assunto. Para as televisões, ficou o espetáculo cansativo da direita radical, que consegue sempre encontrar paralelos e vasos comunicantes entre qualquer tema e a criminalidade, a imigração, os bandidos e mais algumas alarvidades ditas assim, sem contexto e sem noção.
Ventura apresentou-se como o grande vencedor da cruzada que se realizou após os acontecimentos do 11 de Março e do Verão quente que se lhe seguiu, culminando no regresso de militares aos quartéis, e do regresso a alguma moderação, que o 25 de Novembro terá trazido. Do lado dos eventuais derrotados do dia, estarão as forças políticas e militares ligadas à esquerda radical, que quereriam a implementação de um regime revolucionário, popular e democrático na aceção soviética, ou venezuelana, da palavra.
Por discordância, os comunistas não se fizeram representar no hemiciclo, e os bloquistas, com a presença de uma deputada, terão querido manter o sentido institucional da cerimónia, quando tantas vezes são acusados de falta de maturidade. Com estas ausências, terá passado a ideia de que não concordando com a celebração, ela foi usada apenas para os afastar do consenso que este tipo de datas deveria conseguir granjear. A não ser, evidentemente, que os objetivos da altura fossem assimétricos. Entre uns e outros, posicionaram-se os partidos do centro democrático e moderado.
Socialistas, um pouco envergonhados, sociais-democratas e centristas referiram a data como sendo o culminar de um processo que teve altos e baixos, excessos e demasiado determinismo, e que terá funcionado como o regresso à ideia original do povo, no 25 de Abril, de construção de uma sociedade livre, assente em pressupostos democráticos e instituições dependentes do poder político, legislativo e judicial, e não a conceção distópica de um déspota que tudo poderia, tal como aconteceu nos 48 anos anteriores.
Passado meio século da revolução, com a Constituição da República aprovada a ser o garante dos direitos e deveres do povo, com liberdade económica, cultural e social, uma democracia imperfeita, mas ainda assim liberal, multipartidária e assente na vontade livre do povo a cada eleição, parece pouco a discussão que temos tido.
O que me leva a dizer que talvez ela tenha vindo demasiado tarde, e por isso acabou por ficar nas mãos de quem tudo diz e nada constrói. Esta deveria ser há muito uma data consensual, pacífica, com uma ou outra franja a questionar a sua utilidade. E para isso não precisaria de uma celebração formal, com honras como a que teve.
Bastaria aos políticos moderados, que construíram o regime, que não tivessem tido medo de a pôr em cima da mesa, de a dar a conhecer aos portugueses, de sobre ela falar, do que significou. Aguiar Branco, na sua intervenção, disse tudo. Há o 25 de Abril e tudo o resto vem depois. Mas para vir depois, é preciso que saibamos com quem estamos e o que fazer com aquilo que temos.
Por: Fernando Marta