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“É fundamental promover uma mudança nos hábitos e estilos de vida, focada na prevenção e saúde activa”, afirma a médica Filipa Rebelo

Depois de se tornar mestre em Medicina na Universidade do Minho e apercebendo-se da importância que as escolhas têm na saúde física e mental, Filipa Rebelo tornou-se especialista de Medicina Geral e Familiar em 2019. Actualmente a médica está a tratar da sua certificação em Medicina de Estilo de Vida e considera que este ramo da medicina representa o futuro da área. Focada no impacto que os princípios da MEV pode ter no melhoramento da vida no quotidiano das pessoas, Filipa Rebelo através do seu novo projecto pretende “promover literacia em saúde na nossa região”

Correio dos Açores – Como tem sido o seu percurso até ao dia de hoje?
Filipa Rebelo (Médica Especialista de Medicina Geral e Familiar) – Iniciei o meu percurso académico na Universidade do Minho em Braga, onde concluí o mestrado integrado em Medicina em 2013, tendo realizado o ano comum no nosso Hospital do Divino Espírito Santo (HDES).
Desde cedo percebi a importância das nossas escolhas e do impacto que estas têm na nossa saúde física e mental e, em 2014, decidi escolher a especialidade de Medicina Geral e Familiar, tornando-me especialista em 2019. Esta é uma medicina que me fascina porque me permite prestar cuidados abrangentes e continuados a toda a família e de acompanhar os utentes na saúde e na doença. Contudo, a minha vocação são os cuidados médicos preventivos e slow-aging. Uma década depois de ter iniciado a minha carreira profissional, surge a Medicina do Estilo de Vida (MEV), onde me estou a certificar pela British Society of lifestyle Medicine.
Tenho realizado também outros cursos e formações na área da medicina do envelhecimento, na área da suplementação e na área da genética e vias metabólicas.

O que é a Medicina do Estilo de Vida?
Muitos consideram a Medicina do Estilo de Vida (MEV), uma especialidade relativamente nova, contudo Hipócrates, o “Pai da Medicina”, já defendia a importância de uma alimentação equilibrada e do exercício físico. Foi na década 1980/90 que se começou por formalizar como uma disciplina médica, com rápido crescimento e desenvolvimento na sociedade científica. As escolhas feitas ao longo da vida têm um impacto direto na saúde e na forma como envelhecemos. Baseada na evidência científica, a MEV, recorre a intervenções terapêuticas dirigidas aos hábitos de vida das pessoas, para prevenir, tratar e reverter doenças crónicas não-transmissíveis (como a diabetes, colesterol, tensão alta, obesidade…) A MEV tem seis pilares de atuação: bem-estar mental e gestão de stress, importância de relações sociais saudáveis, atividade física, nutrição e alimentação saudável, boa higiene do sono e evicção à exposição de substâncias nocivas e/ou comportamentos aditivos.

Porque decidiu optar por este ramo?
Acredito que a Medicina do Estilo de Vida (MEV) representa o futuro da saúde. A medicina como a conhecemos, tem-se focado predominantemente no tratamento da doença, e não na raiz do problema. A longo prazo esta abordagem torna-se insustentável, tanto do ponto de vista económico como de recursos humanos e isto leva a custos elevados para a nossa saúde e sociedade. É fundamental promover uma mudança nos hábitos e estilos vida, focada na prevenção e saúde ativa. O meu propósito é contribuir para um futuro com mais saúde, menos doença e uma maior qualidade de vida.

Considera que os açorianos têm um estilo de vida saudável?
Segundo os dados do Plano Regional de Saúde 2030, o perfil de saúde dos açorianos tem um potencial para melhoria! Somos a Região com maior prevalência de consumo de tabaco, o consumo diário de álcool é frequente e a prevalência da embriaguez severa é das mais elevadas no país. Na Região, a prevalência de consumo de qualquer droga entre os 15-74 anos registou um aumento nos últimos meses, sendo das mais altas a nível nacional!
Em relação às escolhas alimentares, 70% não atende às recomendações da Organização Mundial de Saúde para consumo de frutas e hortaliças, ficando muito aquém das mesmas. Somos a Região do país com a maior percentagem de consumo de carnes vermelhas processadas, de refrigerantes e sumos. Somos a Região onde se bebe menos água e se come menos peixe! Para além disso, apenas 34,8% dos açorianos refere praticar exercício físico 1x na semana!
Tendo em conta estas escolhas, as doenças crónicas mais prevalentes na Região são as doenças cardiovasculares, as metabólicas e as osteoarticulares. Em 2022, a proporção de crianças entre os 6-8 anos com obesidade era de 22,8% e excesso de peso 43%! Estima-se que a proporção de adultos entre os 25-74 anos com excesso de peso e obesidade seja de 70,4%. Valor superior ao nacional.
A principal causa de morte na nossa região são os tumores malignos (27,9%) e a segunda causa mais prevalente são as doenças cardiovasculares (27,3%). Contudo, repare que a percentagem já se começa a igualar entre elas, e a meu ver, dentro de poucos anos, as doenças crónicas relacionadas com o estilo de vida irão ultrapassar as mortes por causas oncológicas! É urgente mudar!
A esperança média de vida na Região para as mulheres situa-se nos 81 anos e para os homens 74 anos. Em Portugal, a estimativa de anos saudáveis à nascença é de 58 anos. Isto quer dizer que: depois dos 60 anos, a probabilidade de viver com doença pelo menos até aos 80 anos, é alta! Na sua maioria com comorbilidades causadas por doenças como diabetes, tensão alta, bronquite, colesterol, stress crónico e obesidade. Apesar de vivermos mais tempo, não estamos a viver com mais saúde, pelo contrário! E é importante ter essa noção.

Como se pode implementar um melhor estilo de vida?
Costumo dizer em consulta que fazer o básico bem feito, funciona! Isto é, focar nos seis pilares da Medicina do Estilo de Vida, trabalhar individualmente em cada um deles, definir prioridades, ser consistente nas escolhas e ações, traz de facto resultados e ganhos em saúde. Aqui é também importante a abordagem multidisciplinar com outros profissionais de saúde e, na minha opinião, é uma mais-valia para o alcance dos bons resultados a discussão dos casos com outros profissionais e colegas!

Quais são os princípios da MEV?
Para mim, os princípios da MEV são cinco: é centrada no utente (este tem um papel ativo na decisão, seja ela farmacológica ou não), é baseada em evidência científica robusta, é um modelo médico preventivo, individualizado e personalizado com vista a adoção de hábitos e estilo de vida sustentáveis. Fornece apoio ao envelhecimento saudável (porque as escolhas diárias determinam o modo como envelhecemos) e por fim a colaboração com outros profissionais.

Cada vez mais o tema da ‘saúde mental’ é abordado na sociedade. Na sua opinião como se pode ter uma boa saúde mental?
Vivemos numa sociedade que privilegia o ritmo acelerado, onde a procura constante por produtividade e sucesso, gera altos níveis de stress. As exigências do trabalho, a constante atualização e formações, as pressões sociais e familiares, somadas à falta de tempo e autocuidado, criam um ambiente em que a fadiga cognitiva e o equilíbrio mental se tornam cada vez mais difíceis de atingir. Quando falo de stress, não se limita apenas ao emocional, envolve também: a alimentação desequilibrada, os maus hábitos (tabaco, álcool, fraca higiene do sono, sedentarismo…), ambiente poluído, relações sociais desgastantes- tudo ao redor que pode agredir o nosso bem-estar. Estar em constante stress crónico é ligar no nosso corpo o modo “de fuga ou luta” que a curto, médio e a longo prazo poderá trazer consequências nefastas na saúde, como o aumento do cortisol (hormona do stress) e aumentar o risco de doenças cardiovasculares, metabólicas e até oncológicas. O desafio atual é ajudar a encontrar o equilíbrio, com vista a arranjar e otimizar maneiras de desacelerar, cultivar o bem-estar e reconectar-se com o que realmente importa e o satisfaz. Se é inevitável todos vivenciarmos o stress, podemos é alterar a forma como lidamos com os fatores que o causam. Um passo essencial para o fazer é aumentar a autoconsciência sobre a forma como o stress o afeta e como reage perante o mesmo, e claro, trabalhando no pilar da gestão do stress e saúde mental. A meu ver é fundamental porque impacta diretamente os restantes!
A esperança média de vida tem aumentado. É possível que este facto se deva, também, à MEV?
Considero que a esperança média de vida tem aumentado, em grande parte, devido aos avanços da medicina, como: melhores tratamentos, vacinações, antibióticos e cirúrgicas mais eficazes. No entanto a MEV tem um papel cada vez mais relevante nesse cenário, focando-se na prevenção das doenças e na promoção da saúde que atua diretamente em fatores que são determinantes para uma longevidade mais saudável.

Que conselhos daria aos açorianos nesta época natalícia?
Em épocas de festa é natural celebrarmos com momentos de convívio e partilha à volta da mesa, mas é importante fazê-lo de forma equilibrada e consciente. Aos açorianos sugiro aproveitar esta altura para valorizar produtos locais de qualidade, como o peixe fresco, legumes, fruta da época e a moderação no consumo de álcool e do açúcar, que podem fazer a diferença. Além do mais, a quadra natalícia é uma boa oportunidade para reforçar os laços familiares e dos amigos, de praticar a gratidão, o autocuidado e de aproveitar os trilhos magníficos que temos na ilha.

Tem um novo projeto em andamento. Quer falar um pouco dele?
Sim, tenho um novo projeto que estou a desenvolver com grande entusiasmo. Trata-se de uma iniciativa focada em promover literacia em saúde na nossa Região e em sensibilizar os açorianos para o impacto positivo que pequenas mudanças no estilo de vida podem ter na sua qualidade devida e longevidade. Através da minha página, pretendo aproximar a MEV das pessoas abordando os seis pilares e partilhar sugestões para implementar no dia-a-dia. O foco é educar, capacitar e inspirar para uma maior consciência sobre a saúde, mas situações específicas ou de acompanhamento devem ser abordadas em contexto de consulta médica para melhor avaliação. Estou também a trabalhar com uma vasta equipa de profissionais de referência no projeto COME (Centro de Obesidade Metabolismo e Estética). Um projeto inovador nos Açores, onde farei parte da equipa médica na área da otimização metabólica, smartaging e bem-estar.

Que mensagem quer deixar aos leitores?
Lembrem-se que o mais importante é celebrar a saúde, o bem-estar e as boas relações, não apenas nesta época, mas durante todo o ano!!
Para mais dicas e conteúdos sobre a MEV convido-vos a seguir a minha página no instagram: @dra.filipaprebelo

Frederico Figueiredo

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