Onda. Matéria-prima essencial à prática do surfing, nasce da relação entre (a direcção do) vento e os fundos (de areia ou de pedra) da praia (ou calhau). É poderosa mas frágil. Efémera. Conhecem-se alguns dos seus ‘descobridores: uns, vindos de fora da Ilha – continentais ou estrangeiros -, outros, naturais ou moradores da ilha. Após a descoberta, ou mantiveram-na secreta ou partilharam-na com quem a quisesse ‘surfar.’ O primeiro caso (manter a localização secreta) deu azo a várias descobertas. A Ribeira Grande (dito por quem sabe) é reconhecida por oferecer (de nascente a poente do seu concelho) um (único) diversificado (e coerente) ‘naipe’ de ‘boas’ ondas. A que se deve juntar (como num todo) as da Fajã do Araújo (Nordeste), Mosteiros e as do Berço (do Surf) (Ponta Delgada). Vamos remar pr’á onda? Em 2004, no programa da RTP/Açores Alta Rotação, que, após interrupção, continuaria em 2007, Luís Melo, Joana Cadete e outros, divulgam spots de surf de todas (ou de quase todas) as Ilhas dos Açores. O objectivo era a sua divulgação. Em 2009, o caso muda de figura. Nessa altura, a USBA (União de Surfistas e Bodyboarders dos Açores) apresenta um projecto (coerente e sistemático) de levantamento (que – por falta de apoio -, não se concretizaria). Vale a pena reparar no que (já então) se pretendia: cobertura exaustiva dos Açores que ia muito além da simples identificação dos locais de surfing. Numa primeira etapa, ia-se: ‘identificar e caracterizar todos os locais próprios ou com potencial para a prática dos desportos de ondas nos Açores.’ Numa segunda, a partir da recolha realizada na primeira, elaborar-se-ia ‘um relatório, com uma base de dados geográfica associada.’ Afim de que ‘distribuído pelas entidades com competência na gestão da orla costeira, constitua um dos elementos base de apoio ao exercício do Ordenamento do Território, sendo esta actividade por exemplo identificada nos POOC´s.’ Sendo tarefa que (pela dimensão e complexidade) exigiria cooperação, propõe-se (aí) ‘estabelecer parcerias com entidades que validem cientificamente a informação recolhida.’ Disso tudo, resultaria o quê? ‘Elaborar uma proposta de diploma legislativo que garanta um estatuto e medidas de salvaguarda para a protecção e conservação destes locais.’ Visão magnífica de futuro. Quinze anos depois, neste ano de 2024, é ainda o que se pretende.
De 2014 a 2017, mas talvez só a partir 2015, Luís Melo, a trabalhar, entretanto para a ATA (Associação de Turismo dos Açores), da qual fazia parte Pedro Arruda, portanto, um organismo ligado à governação regional, no site VIZITAZORES, coloca (como ainda hoje pode ser consultado) todos os locais e áreas de surfing (vários tipos) nas nove Ilhas dos Açores. Ainda que seja um levantamento abrangente, resultante da experiência de Luís Melo, é uma mera (mas preciosa) indicação informativa (apenas e tão só) para fins turísticos. Logo, longe dos objectivos traçados para o projecto (pioneiro) não concretizado da USBA em 2009. Em 2015, indo (em certos aspectos) além do âmbito proposto em 2009 pela USBA, a Surfrider Foundation Europe, Capítulo Açores, associação não governamental fundada na Califórnia na década de oitenta, dá um passo (mais) em frente. Paulo Ramos Melo, seu representante nos Açores desde 2011, que pertencera à ASSM, entrega a Fausto Brito Abreu, Secretário Regional um levantamento (de outro tipo). A iniciativa fora prontamente acolhida por Fausto Brito e Abreu. O objectivo era claro: salvar a orla marítima e as ondas. Prevenir futuros Rabo de Peixe. Definir diversas áreas de ocupação. Evitar conflitos de ocupação no litoral. O levantamento, oferecido à Região, teve a colaboração de voluntários. ‘O Governo Regional [afirmava então Fausto Brito e Abreu] entende que a qualidade das nossas ondas para a prática de surf é um recurso marinho com potencial económico e uma mais-valia ambiental.’ Prometia-se (doravante) ter as ondas em consideração: ‘O objectivo é também, diz [diz, por seu turno, Paulo Melo], permitir avaliar o impacto ambiental de futuras obras na orla costeira e gerir conflitos entre diferentes actividades na utilização das áreas marinhas.’ Acima de tudo, destaca (ainda) Paulo Melo, ‘é (…) uma ferramenta que permite uma melhor tomada de decisão” quando o Governo regional pretender construir um porto, um molhe ou outra qualquer infra-estrutura na costa de uma das ilhas.’ No final, quando a informação estivesse trabalhada (acrescenta), seria ‘introduzida na plataforma online do SIGMAR e poderá ser consultada por todos os interessados.’ Paulo, onde foste tirar a ideia? ‘À Marine Spatial Planning. Esse trabalho de planeamento marítimo acaba por ser pioneiro tanto a nível regional como nacional ou mesmo internacional. Mapa interactivo onde se pudessem conhecer os usos do espaço marítimo, onde se incluísse o Surf. O que havia até então eram simples mapas em que se copiava sites turísticos.’ A que metodologia recorreste? ‘Algumas ilhas, eu conhecia bem, outras pedi colaboração a gente local.’ Resultado? ‘Um pouco desigual. Nalguns casos está muito rudimentar, noutros, porém, está mais conforme a intenção inicial. No fundo, é um trabalho em aberto. Aberto a aperfeiçoamentos.’ Mais: ‘Quando tiver o levantamento [de actividades diversas] feito, a Surfrider Foundation pretende consultar todas as associações de surf do arquipélago para, em conjunto, decidirem quais os pontos que se manterão secretos para o público geral. O Governo Regional e os cientistas terão acesso à informação mas não os surfistas, “pois faz parte da cultura do surf existirem ‘secret spots,’ já que algum segredo apela à descoberta.’ O Secretário Regional do Mar, Ciência e Tecnologia concordou, na Ribeira Grande, com Paulo Ramos Melo. Realçou (até) o carácter ‘pioneiro’ desta medida, que também servirá para ‘sensibilizar’ a população para a importância socio-económica que a modalidade (no caso o surfing) pode representar para a Região, estimulando novos fluxos turísticos. Relembrou (ainda) que ‘há cada vez mais surfistas a procurar as ondas dos Açores.’
Fausto (porém) iria permanecer apenas mais um ano no Governo da Região. Sairia para o Governo Nacional em Novembro de 2016. E agora? ‘Quando saí, deixei isso delineado. Mas sei que demorou porque havia que conciliar o espaço regional com o espaço nacional. No tempo de Passos Coelho, com a Ministra Assunção Cristas [de Junho de 2011 a Novembro de 2015], não se conseguiu. Sei que agora está avançando.’ Quanto a Paulo Ramos Melo, diz: ‘Fui perguntando como ia correndo o processo, quer no tempo do sucessor do Fausto (ainda no tempo do PS) como no seguinte (coligação PSD e parceiros). Iam-me informando de que o processo ia avançando (mas devido a burocracias) a passo mais lento do que seria de desejar.’ Entretanto, entra em jogo um novo (e decisivo) agente: a Blue Azores. O programa, tendo como responsável Luís Bernardo Brito e Abreu, irmão de Fausto, principia em 2019, ainda no tempo do XII Governo do PS. De que consta esse programa? Fui falar com Luís Bernardo (o responsável). É ‘uma parceria entre o Governo Regional dos Açores, a Fundação Oceano Azul e o Instituto Waitt, que se uniram em torno de uma visão comum – proteger, promover e valorizar o capital natural marinho dos Açores – que suporta uma ambição de garantir um oceano saudável como base de uma economia azul próspera e sustentável (…).’ E quanto ao mapeamento? ‘Demorou alguns anos. Teve de incluir, uma Comissão de acompanhamento. E incluída no plano nacional de ordenamento. É uma espécie de PDM para o mar.’ Até que, garante-me Luís Ramos Melo, já neste governo, Luís Bernardo (lhe dera a palavra de já estar pronto: ‘O levantamento, devidamente mapeado, serve para orientar o Ordenamento da Orla Costeira.’ Será que estava a falar do levantamento feito pela Surfrider? Segundo Adriano Quintela (fonte do Blue Azores): ‘Creio que [o trabalho da Surfrider Foundation] foi aproveitado para o Plano de Ordenamento do Espaço Marítimo dos Açores (SOEMA). Nela se ordena toda a actividade marítima dos Açores (entre as quais, o Surfing, zonas de aproveitamento económico, etc..).’ Pouco ou muito do levantamento inicial, alguma coisa terá sido aproveitada. Suponho.
Como é que aparece nessa história a Save The Waves Coalition? Paulo Melo: ‘Atenção a Save The Waves tem a ver com Reservas Mundiais de Surf não com o levantamento de spots. Pelo menos deste dos Açores. Depois [de entregar em 2015 o levantamento], não sei ao certo mas seguramente um ou mais anos depois disso, sabendo que fizera um levantamento e entregara uma cópia ao Governo Regional, um americano cujo nome não me recordo nesse momento, pediu para falar comigo. Era da Save the Waves. Estava presente o João Macedo. Percebi que queria uma cópia. Recusei.’ Vou ver se consigo encaixar as peças deste pequeno (ou será grande) quebra-cabeças. Em 2018 ou em 2019 ou mesmo ainda em 2017, por alturas do registo da Marca Ribeira Grande – Capital do Surf, sucedem dois ou três acontecimentos que importam a esta narrativa. A Câmara da Ribeira Grande publica cinco mapas descritivos de cinco Surf Spots do Concelho (e um mapa com os da Ilha). É fundada a Associação de Nadadores-Salvadores da Costa Norte. E João Macedo (confirmei-o) sugere ao Presidente uma candidatura a Reserva Mundial de Surf. Por que o fez? A Ribeira Grande (com a notoriedade alcançada pelos êxitos dos campeonatos de Surf ali realizados) andava pelas bocas do mundo do Surf. A bem dizer, na crista da onda. Alem disso, era já capital do Surf. Seria (pois, por todas essas razões) uma excelente ocasião (e local ideal) para (começar a) implantar a Save The Waves Coalition nos Açores. Vinha também a calhar a Alexandre Gaudêncio que se concentrava (agora) no Concelho. Porém, por mais entusiasmo que a ideia pudesse ter gerado, o Covid – 19 viria a impor um (súbito) adiamento. Foi assim que aconteceu? Fosse assim ou de outro modo, a intenção de candidatura a Reserva Mundial de Surf, voltaria (desta vez a público) em Abril de 2022. E nessa altura, já com a AASB e André Avelar (simultaneamente Presidente da Assembleia-Geral da AASB e representante da Save The Waves Coalition. O faro de António Benjamim, então Presidente da AASB (mais o da sua equipa directiva) [Direcção de 2019 a 2022], como já se disse no trabalho anterior, convenceu-o (caso tivesse – entretanto -, hesitado desde a proposta de João Macedo) que lhe traria benefícios acrescidos em surfar a onda (Alexandre confirma-o): ‘Surgiu a hipótese de criar a Save Azores Waves, como filial da Save the Waves, que é o organismo que classifica os locais de RMS. Vimos nisso uma excelente oportunidade e falamos com o Presidente.’
É a Save the Waves Coalition – uma organização não-governamental, fundada em 2008 na Califórnia -, que atribui o galardão de Reserva Mundial de Surf. Está em Portugal antes de 2012, altura em que o galardão é atribuído à Ericeira. E nos Açores? 2017? Depois? Antes? Como explicar que o enorme entusiasmo (inicial) da Candidatura a Reserva Mundial de Surf na Ribeira Grande se tenha esfumado em apenas meio ano (se tanto)? Com novas imposições comunitárias, em relação ao litoral e seus usos, foi (é?) preciso estudar os spots (e ecossistemas costeiros) dos Açores de uma outra maneira? É o que oiço e li. A Waves (como parceira interessada) segue atentamente o desenrolar do processo e aconselha Alexandre Gaudêncio a aguardar. ‘Neste momento,’ segundo informação da Blue Azores,’ seguir-se-á o mapeamento de áreas naturais, habitats, espécies, ecossistemas. Parte do ambiente. Área marítima a conservar. E depois com a opinião de todas as partes interessadas [entre as quais também mas não só a Save Waves, Surfrider, etc].’ A nova Direcção (eleita) da AASB (pelo seu lado, com membros naturais da Ribeira Grande ou a ela muito ligados, boa conhecedora da realidade local) acha que a Câmara deve aproveitar a ocasião para corrigir os graves problemas ambientais do Monte Verde. Alexandre jurou corrigi-las com a ETAR (e o ordenamento do Plano de Execução do Monte Verde). E se o motivo fosse (também) outro? Partindo (sobretudo) do Grupo Central (surfistas, bem entendido), ouve-se isso (com alguma frequência): ‘Que acha a Ribeira Grande que é para merecer isso [Reserva Mundial de Surf] e a Fajã da lagoa do Santo Cristo, que é bem melhor, não?’ E isso é o quê? Açorianidade?
Lugar dos Mingachos, Vila de Rabo de Peixe (Concelho da Ribeira Grande)
Por: Mário Moura