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“Que a nossa solidariedade seja também ajudar os malandros a trabalhar e apoiara reconciliação de famílias desavindas…”

Assinala-se hoje o Dia Internacional da Solidariedade Humana mas a solidariedade deve ser todos os dias. O Natal é tempo de grande solidariedade mas a dimensão solidária da sociedade não se deve cingir apenas a estes dias de festa. O Padre Norberto Brum, Pároco da Igreja de Nossa Senhora de Fátima, que reabre amanhã ao público após um investimento de 300 mil euros, fez para o ‘Correio dos Açores’ uma reflexão sobre a solidariedade, a família e as novas tecnologias. A solidariedade deve começar no lar e deve estender-se à família e à comunidade. Não se deve cingir apenas a um dia ou a uma determinada época. Tem de se prolongar no tempo. Este é um excerto de uma longa conversa com o padre Norberto Brum que merece uma reflexão: “A solidariedade não é só coisas. A solidariedade deve ser, sobretudo eu. Eu é que sou a grande oferta,” afirma o padre.

Correio dos Açores – A propósito do Dia Internacional da Solidariedade Humana que hoje se assinala, nota-se que na sociedade açoriana há menos o sentido do outro e mais o culto do eu…
Padre Norberto Brum (Pároco da Igreja de Nossa Senhora de Fátima) – Pois é, o meu presente, a minha casa, as minhas coisas. E o sentido do outro que estamos a ter é um sentido muito redutivo.
É verdade que no Natal, toda a gente se lembra que há pobres, toda a gente se lembra que há crianças em instituições e que há doentes no hospital. No entanto, no dia 26 de Dezembro parece que isso tudo acabou porque no Natal entulharam as pessoas com tudo: é cabazes para toda a gente, é roupa para toda a gente, é comida para toda a gente.
As instituições ficam a barrotar de coisas, e algumas, graças a Deus, vão vivendo ao longo do ano com isto. Há pobres no Natal, mas no dia 26 já não há. Esta gente come todo o ano, esta gente usa roupa todo o ano. Há uma necessidade de transformar toda esta solidariedade que é fantástica para um ano inteiro. O Natal é todos os dias, ou até quando o homem quiser, é verdade, mas os pobres também são todos os dias.
E no Natal acusa-se o sentido da solidariedade, que é excelente, mas a solidariedade tem que ser contínua, o sentido do outro tem de ser contínuo. Mais do que dar coisas, é estarmos a dar presença, a dar afecto, a dar atenção, é acompanhar esta gente. Não é só dar coisas às crianças. Mas, também, se calhar, acompanhar a família daquela criança, se calhar, preocuparmos com aquela pessoa que não tem uma habitação condigna, se calhar, preocuparmos-nos com aquilo que…
“Ah, mas eles não querem!”. Tudo bem, temos todas as justificações para não ajudar: ou porque são malandros, que são isso, aquilo e aquele outro. Então, que a nossa solidariedade seja ajudar nesta linha. “É malandro?”, vamos ajudar a deixar de ser malandro. “Ah, ele é preguiçoso”, vamos ajudar. “Ah, porque ele está mal com a família”, então vamos tentar a reconciliação.
Quer dizer, há um grande processo, porque a solidariedade não é só coisas. A solidariedade deve ser, sobretudo eu. Eu é que sou a grande oferta.

Temos uma sociedade mais egoísta?
Temos uma sociedade cada vez mais fechada sobre si mesma. Eu julgava que a COVID-19 iria abrir outros horizontes, mas ela demorou tempo demais, por isso as pessoas mantiveram-se fechadas, e uma das razões, para mim, são as tecnologias. Muita gente começou a dispensar ir à missa porque a missa dá na televisão ou no Facebook, e então a gente vê lá.

Mas não é a mesma coisa…
Lógico. E outra coisa é os telemóveis. Eu estive num jantar com figuras de relevo da praça pública e toda a gente estava à mesa com o telemóvel na mão. Eu na brincadeira questionei se o telemóvel se colocava à direita ou à esquerda do prato…Quer dizer, o telemóvel já faz parte da mesa e a gente chega aos restaurantes…

E teve resposta à sua pergunta?
Tive: arrumaram os telemóveis. Mas, como dizia, à chegada aos restaurantes, vemos, por exemplo, quando se espera a comida, está toda a gente com o telemóvel na mão e eu pergunto: “O que é que estão a fazer ali?”. Estão a comer, mas estão sempre com o telemóvel lá, estão a comer, mas estão sempre com o olho para a televisão. Tudo passa pela tecnologia, tudo passa pelas redes sociais, tudo passa pelo telemóvel. O telemóvel a tem tudo agora, temos a rádio, temos a televisão, temos os jornais…

Passamos a ter a uma sociedade mais
desumana?
Completamente, mais fria nas relações. “Tenho 1.500 amigos no telemóvel”, mas depois onde é que eles estão?. “Tenho 500 amigos virtuais”, agora é tudo muito virtual, e cada vez mais as amizades se resumem a amizades de Facebook, de Instagram e pouco mais.
A tecnologia não pode deixar de nos ajudar a aproximar, certo, mas estão-nos a tornar muito frios uns com os outros… Os abraços são cada vez menos e cada vez mais frios, as pessoas são cada vez mais tecnológicas, as pessoas cada vez teclam mais do que conversam, é tudo muito virtual.
Põe-se um gosto, põe-se um coração, mas depois, vira-se a cara para o lado quando as pessoas passam no meio da rua. E depois as pessoas não lêem os textos, mas lêem os títulos…
Falta, sobretudo, o encontro familiar, a presença…

Está a perder-se o sentido de família?
Cada vez mais as nossas casas são residenciais. Eu sinto isso. A nossa casa é lugar onde se vai comer e dormir e pouco mais, porque, de resto, é tudo telemóvel. Passa-se o dia todo fora de casa, vai-se para o trabalho, os rapazes vão para a escola, almoçam ali, chega-se a casa, a maior parte dos rapazes já fez os trabalhos. Depois eles vão para as actividades extracurriculares, vão para conservatórios, para as natações, para as equitações, que é algo óptimo, muito bom, mas as crianças hoje e os jovens estão entulhadas…

E não têm tempo para a família?
Não têm tempo para estar em casa com a família. Têm o fim-de-semana. Chega-se o fim-de- semana, vai-se para as compras, vai-se para aquele outro, a mãe limpa a casa, o pai está não sei onde; o pai está a fazer não sei o quê, traz trabalho para casa.
Há cada vez mais pouco convivência familiar, pouco convivência, tudo muito telemóveis, fala-se pouco, dialoga-se pouco e depois os miúdos crescem quase que sem os pais darem por eles Está-se a perder muito o sentido da família, do estar juntos, do querer estar juntos, do diálogo, e o diálogo franco entre o marido e a mulher, entre pais e filhos entre filhos e pais.
Eu penso que hoje a família passa por um grave problema, que não são só os afectos, é da pertença, do estar juntos, do diálogo, da compreensão da aceitação mútua. E isso reflecte-se na sociedade, crianças frias – quando eu digo frias, crianças que quase não sabem abraçar, têm medo de um abraço, têm medo de fugir, e depois não se pode tocar, não se pode dizer nada, as crianças não sabem ouvir um não….

As crianças estão a crescer em casa e os pais nem sequer se apercebem disso?
Em alguns casos é. Têm boas notas, dizem como é que está a escola. E ainda bem que perguntam, e se perguntam. Este acompanhamento como é que está a escola, como é que está isso, os estágios. Está-nos a faltar muito. Há agora os filhos acompanhados nas escolas, há isso, mais aquilo, mais aquilo e aquele outro…
Isto tudo é muito importante, mas é a família o mais importante.

João Paz
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