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HDES: Do plano funcional à obra

No contexto do plano de recuperação e reabilitação do Hospital HDES de Ponta Delgada, após o incêndio ocorrido em 4 de Maio passado, a Senhora Secretária Regional da Saúde fez as seguintes declarações à Antena-1 Açores, em 20 de Dezembro último:
“A nossa perspectiva foi adquirir os planos funcionais, ter duas visões e duas perspectivas diferentes de entidades diferentes e, naturalmente, conjugar aquilo que será o melhor de ambos os planos funcionais. Portanto, são documentos que estão e serão analisados pelos respectivos directores de serviço, não só da área clínica, mas também de áreas não clínicas. E, claro que, aqui, a nossa intenção é, claramente, ter as melhores opções, as melhores escolhas para, naturalmente, dar a dignidade e a requalificação exigente que o HDES, o futuro HDES, merecerá. Um dos planos funcionais à data de hoje tem cerca de mil páginas, que, naturalmente, terão de ser todas analisadas e, portanto, logo que possível, queremos que esses planos sejam compatibilizados e que haja aqui já uma decisão definitiva. Que, naturalmente, é célebre e é com essa celeridade que queremos também dar uma resposta adequada.”
Dessa forma, o Governo Regional dos Açores anunciou a contratação de dois planos funcionais, desenvolvidos por empresas externas distintas, com o objectivo de elaborar um terceiro plano que combine o melhor de cada um.
Essas decisões suscitam perplexidade e crítica. Elaborar dois planos para o mesmo objectivo já constitui um desperdício de recursos. Pior ainda é a tentativa de fundir ambos os planos num único documento, o que provavelmente resultará num plano funcional incoerente e pouco consistente. Nessa eventual fusão, será impossível atribuir responsabilidade às equipas projectistas dos planos funcionais originais, que terão os seus direitos de autor comprometidos.
As falhas ou soluções menos conseguidas de cada plano funcional podem certamente ser atribuídas à falta de acompanhamento técnico próximo do Governo Regional e ao reduzido tempo para elaboração dos documentos. A criação de um terceiro plano não apenas herda esses problemas, como também corre o risco de se tornar numa “manta de retalhos” — uma junção de elementos que, isoladamente, podem parecer adequados, mas que, no conjunto, carecem de coesão.
Levanta-se ainda a questão: quem terá a responsabilidade e o conhecimento técnico para realizar a tarefa de combinar dois planos distintos num terceiro? Será contratada outra empresa projectista? Será uma equipa do Governo Regional? Ou a mesma equipa responsável pelo Hospital Modular?
Entretanto, no dia 15 deste mês, em conferência de imprensa, o Conselho de Administração do HDES anunciou que irá seleccionar “apenas um dos dois planos funcionais”. Isso contraria a posição da Secretaria Regional da Saúde, que havia afirmado que seria realizada uma fusão entre os planos funcionais. Assim, fica evidente mais um desalinhamento estratégico entre a tutela e a actual Administração do HDES.
Durante a mesma conferência de imprensa, foi revelado que, embora os planos funcionais ainda não estejam concluídos, o Conselho de Administração do HDES planeia reduzir a capacidade do Hospital em 12%, ou seja, menos 56 camas, passando das actuais 449 (e não 437, como indicado na conferência) para 393 camas. Num contexto de crescente procura pelos cuidados de saúde, sem apresentar qualquer justificação, o actual Governo Regional parece estar a preparar-se para reduzir a capacidade do Hospital HDES de Ponta Delgada, comprometendo ainda mais o atendimento à população.
As decisões do Governo Regional têm sido equivocadas e inconsistentes. Relativamente ao plano funcional, a abordagem mais racional teria sido contratar apenas um plano, com base num caderno de encargos bem estruturado, à partida, definindo estrategicamente a visão, a missão com os objectivos para o futuro Hospital HDES. Além disso, deveria ter sido formada uma equipa técnica interna para acompanhar de perto a elaboração do plano funcional, colaborando intensamente com a respectiva equipa projectista em diferentes versões até se alcançar um documento final sólido.
Aquela definição estratégica é essencial, pois o plano funcional deve reflectir se o futuro HDES será ou não o Hospital Central dos Açores, respondendo às pretendidas valências médicas, capacidades desejadas e aos recursos financeiros disponíveis. Um plano funcional não pode ser um documento desarticulado, muito menos uma colagem de soluções mais ou menos aleatórias. Um plano funcional é uma peça técnica estratégica, concebida para orientar e estruturar áreas e fluxos da organização, optimizando os recursos disponíveis e atendendo às necessidades de todos os utilizadores — desde utentes e doentes até profissionais de saúde e fornecedores, de entre muitos outros profissionais que trabalham num Hospital.
Além disso, o plano funcional deve considerar os regulamentos em vigor, normas técnicas e especificidades das actividades hospitalares, bem como restrições como prazos e orçamento disponível obrigatoriamente especificados à partida pelo Governo Regional.
Um plano funcional é a base para as fases subsequentes de um projecto de arquitectura e engenharia. Ele orienta a elaboração do anteprojecto, permitindo ao Governo Regional conhecer as soluções preliminares que serão implementadas. Esse anteprojecto evolui para as etapas de licenciamento e execução de obra:

  1. Projecto de Licenciamento: documento formal para obter aprovações junto das autoridades licenciadoras, constituído por um conjunto de projectos de arquitectura e engenharia (estruturas, instalações, segurança, etc.), considerando as respectivas normas e regulamentos técnicos.
  2. Projecto de Execução: elabora o detalhe técnico das soluções, permitindo a realização da obra, com coordenação intensiva entre especialidades técnicas (usos clínicos, instalações eléctricas, águas e esgotos, ar – condicionado, etc) de modo a compatibilizar as utilizações funcionais e evitar incompatibilidades. O projecto de execução inclui memórias descritivas, mapa de medições e um caderno de encargos técnico-administrativo, essenciais para lançar o concurso público da empreitada, garantindo que apenas empresas qualificadas sejam contratadas.
    Um plano funcional bem elaborado é fundamental para o sucesso das etapas seguintes. A elaboração de um plano funcional deve ser conduzida com rigor técnico e estratégico. Ao contrário de afirmações recentes da Senhora Secretária Regional da Saúde e do Conselho de Administração do HDES, é altamente improvável que as obras tenham início ainda em 2025. Se tiverem começo em 2026 ou mesmo 2027, já será bom, a não ser que o Governo Regional salte etapas ou adopte soluções improvisadas, como a fusão de dois planos distintos, o que irá comprometer a eficiência e a qualidade da requalificação do Hospital HDES.
    Um plano funcional deficiente poderá resultar num projecto de arquitectura esteticamente atraente, mas operacionalmente inadequado para os utilizadores, com maiores custos de obra (trabalhos a mais) e com custos acrescidos de exploração e manutenção em toda a vida útil do Hospital, numa utilização ineficiente dos depauperados recursos públicos.
  3. Por: João Quental Mota Vieira
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