O espectáculo “Diz-me que luz vêem os teus olhos”, dirigido por Milagres Paz, reúne cinco linguagens artísticas: dança, pintura digital, poesia ao vivo, música original e ao vivo, e escultura. A produção explora o desenvolvimento interior do ser humano, com emoções representadas por cores e movimentos. Em entrevista ao Correio dos Açores, Milagre Paz afirma que o formato em arena no Coliseu Micaelense traz desafios técnicos, como a iluminação e a adaptação do espaço. A artista destaca ainda o processo colaborativo entre artistas e bailarinos, com todos criando simultaneamente para um objectivo comum.
Correio dos Açores – Pode começar por nos falar sobre o espectáculo “Diz-me que luz vêem os teus olhos”? O que podem antecipar para o público?
Milagres Paz (Direcção Artística do espectáculo “Diz-me que luz vêem os teus olhos”) – Isto é um espectáculo que incorpora vários artistas e cinco linguagens diferentes. A dança une tudo, mas temos pintura digital, poesia ao vivo, música original e ao vivo, dança e escultura.
Foi um projecto que a Dr.ª Ângela Almeida fez tirar o meu juízo e a minha calma (risos). Este projecto começou comigo, ela e o Paulo Andrade. Sempre quis trabalhar com linguagens diferentes, mas antes procurava textos já escritos e adereços. Desta vez, foi muito diferente, porque todos os artistas estão a criar ao mesmo tempo para o mesmo fim.
Isto torna o processo muito mais bonito e rico. Os bailarinos também estão a criar, porque são maduros, como todos os artistas envolvidos, e têm muito para dar. Gosto de trabalhar dando liberdade às pessoas, ajudando-as a dar o seu melhor e tirando delas o que têm de mais valioso.
Na direcção artística, tive de unir tudo, o que não foi fácil. Dou muita importância à ligação entre elementos e ao fio condutor. Com tantas linguagens, era preciso manter tudo limpo e claro para o público.
O tema do espectáculo é o desenvolvimento interior do ser humano. Trata-se de alguém que se sente preso e enfrenta obstáculos, que são como emoções. Acho que todos nós nos identificamos. Nem sempre há luz, paz ou ódio.
A peça desenvolve-se em torno da agonia, simbolizada pelo vermelho; a luta, simbolizada pelo preto; a luz, simbolizada pelo amarelo; e, finalmente, a paz e a tranquilidade. Sem revelar muito, terminamos com um vídeo que retrata o percurso da água, em harmonia com a poesia. Se o público ouvir as palavras, observar as imagens e os bailarinos, tudo condiz.
Tem sido um período muito feliz, porque o grupo é fantástico. É maravilhoso trabalhar com pessoas que respeitamos, com quem há amor e admiração mútua. Isso cria uma maneira muito bonita de trabalhar. Sem conflitos, tudo corre bem, e todos se sentem felizes por fazer parte deste projecto, acreditando verdadeiramente nele.
Qual foi o motivo para criar uma produção tão multidisciplinar, que mistura dança, música, poesia, escultura e design gráfico?
A Ângela Almeida é poeta e, como adoro a maneira como ela escreve, comecei logo com a poesia. O Paulo Andrade já trabalhou comigo há muitos anos e compôs muitas músicas para mim, portanto, tínhamos a música. Eu tenho a parte da dança. Gosto muito do trabalho da Sofia de Medeiros em escultura, então pensei: se gosto de trabalhar com adereços no palco, por que não incluir outra linguagem? Convidei a Sofia para contribuir nessa área.
O meu filho Miguel é designer, mas faz pinturas digitais e vídeos artísticos, que vão além do design convencional. A Ângela e o Paulo já conheciam o trabalho dele e sugeriram que ele participasse no espectáculo, em vez de termos de buscar imagens externas.
Temos estas cinco linguagens e, depois, convidei bailarinos que achava que tinham algo a acrescentar. Por isso, busquei pessoas maduras: Filipe Valla, Joana Ledo, Pedro Paz e Tiago Correia. O Tiago e o Pedro estavam em Lisboa, mas vieram para cá fazer este trabalho. A Joana e o Filipe já estavam cá.
Entretanto, o Paulo e a Sofia também interpretam. O Paulo já trabalhou várias vezes comigo em movimentos, e a Sofia, que foi minha aluna, também já dançou. Sendo um projecto maduro, sabia que fazia sentido estarmos todos juntos.
Quais são as emoções e reflexões que querem despertar do público com este espectáculo?
Eu quero despertar no público que todos nós somos feitos de muitas coisas, como medos, ânsias e felicidade. Mas o que é que o ser humano, no fim de tudo, quer? Quer encontrar paz interior e luz na vida.
Por isso, acabei com um vídeo de luz, de um percurso lindíssimo. No fim, tem uma música pela qual me apaixonei. O que eu quero é que o público veja as suas emoções reflectidas nas imagens, palavras e esculturas, e perceba que isto é um percurso humano que devemos trilhar. No final, quero que o público sinta e saia com vontade de atingir a luz.
Quais foram os maiores desafios nesta produção?
Os maiores desafios, para mim, foram unir todos estes elementos. Além disso, o local onde vamos actuar é diferente. Estou muito habituada a fazer no Teatro Micaelense.
A primeira vez que fiz um espectáculo nos Açores foi no Coliseu, e agora vamos voltar ao Coliseu, mas será em arena e com o auditório montado. Será também a primeira vez que eles fazem desta forma, porque eu queria algo mais intimista e gosto que o público tenha uma boa visão do que acontece. Como começa com um bailarino numa estrutura e os outros em semicírculo, a arena é fantástica para isso.
Outro desafio é o espaço, completamente diferente, e as luzes, porque não temos teia – a teia está no palco. Uma das esculturas é suspensa, então teremos que arranjar um fio para a suspender. Vamos começar a trabalhar nas luzes a partir de Segunda-feira, e vou ver o que consigo fazer, porque a luz é muito importante.
A luz completa o que vejo na minha cabeça. As imagens estão todas reflectidas em luz – mais escura, mais clara, mais íntima. Gosto muito quando consigo implementar isso.
A partir de Segunda-feira, vamos começar a ensaiar na arena. Até agora, estivemos a ensaiar aqui [Sala Santos Figueira] e, antes, no Judo Clube, pelo qual tenho um enorme agradecimento. Já não tenho a minha escola nem o meu próprio espaço. Como já tinha dado aulas no Judo e fui judoca, eles cederam um espaço para os bailarinos que estavam cá. Quando chegaram os bailarinos de fora, o Coliseu cedeu amavelmente as tardes para ensaiarmos. Foi fantástico.
Existe alguma possibilidade de levar este espectáculo para outras ilhas ou mesmo fora dos Açores?
Nada é impossível até ser feito, mas tenho dois bailarinos que não estão cá e têm as suas vidas. O Pedro Paz, que é meu filho, é cantor, actor e bailarino, e está cheio de espectáculos. Tive a sorte de ele, por acaso, ter terminado uma das épocas em que estava a trabalhar agora em Janeiro.
Quando se trabalha com pessoas que não são do elenco fixo, é sempre mais complicado, especialmente vivendo numa ilha. Está feito e vale a pena ser visto, porque são artistas de cá, e todos temos muito para dar.
Acredita que a Cultura está a crescer nos Açores?
A Cultura é sempre uma luta contínua: cresce e decresce consoante o orçamento, os apoios e as políticas. Não podemos esquecer que estamos numa ilha, e ser autónomo e independente é difícil.
Em toda a minha vida, lutei por profissionalizar as artes nos Açores. No entanto, levar de cá para fora é sempre complicado. Parece que é muito mais fácil trazer para cá do que levar para fora.
Acho que, hoje em dia, isso continua. Nessa parte, não houve evolução nos últimos 30 anos. Já tive em vários países, como no Brasil e nos Estados Unidos, sendo que estudei nos Estados Unidos. Não acho que as nossas artes sejam aproveitadas a nível extra-regional.
Filipe Torres
