Correio dos Açores - Afirma que se está a falhar nos contratos públicos e que o Estado, na Região, não pode incumprir de uma forma sistemática. O que é que quer dizer? Isto tem acontecido?
Pedro Marques (empresário) – Sim. Desde há muitos anos para cá – isto não é de agora – que nos contratos públicos, nomeadamente em termos de pagamentos, nem sempre foram fáceis as relações das empresas com o governo e as autarquias.
A lei dos compromissos, em termos das autarquias, veio trazer muita ordem a isso e, felizmente, as coisas melhoraram. Do dia para a noite, passámos de uma situação em que não havia garantias de nada, para uma situação em que havia garantias totais, e isso é importante.
Em relação ao Governo dos Açores, a sensação que tenho é que começou por haver atrasos significativos de pagamentos, depois foi feito um caminho de recuperação desses pagamentos, antes da Covid. No período da Covid as coisas correram muito bem, estiveram excelentes. E, no período pós-Covid, pioraram significativamente e agora tendem a melhorar novamente.
O que eu quero dizer é que as empresas não têm margens ao contrário do que as pessoas julgam, para se financiarem constantemente porque não recebem a tempo e horas. Isto não pode acontecer, isto não deve acontecer, não de uma forma sistemática. Pode acontecer pontualmente…
O que eu peço é que haja um compromisso político para o futuro em que quer PS, quer PSD, quer CDS, quer Iniciativa Liberal, quer Chega, quer Bloco de Esquerda, todas as forças políticas entendam, de uma vez por todas, que não podem pedir empreendedorismo quando o cumprimento dos prazos de pagamento não funcionam. Não podem fazer contratos e depois as coisas não são cumpridas, nomeadamente em termos de pagamentos.
E, nas empresas, há atrasos de pagamento de ordenados?
As empresas ficam fragilizadas e atrasam-se com fornecedores, atrasam-se com ordenados e, depois, é uma bola de neve. Neste contexto, mesmo que as empresas concorram e obtenham linhas de apoio, tudo se torna complicado. Há dias dizia-me alguém assim: “Eu tenho muitos milhões de factoring e mesmo assim não chega”. Não pode, o factoring é suposto ser uma linha de curto prazo, pontual. Não é uma coisa para ser utilizada e ficar parada no balanço de uma empresa, não pode. É, por definição, uma linha de curto prazo, é uma linha que tem que aumentar e diminuir no período em que deve existir. Serve para um problema pontual, um crescimento de volume de negócios que é preciso acautelar.
Os apoios à tesouraria não são suficientes para aguentar essas empresas?
Se, sistematicamente, os contratos públicos não são cumpridos em tempo útil, como é que pode uma linha de apoio à tesouraria funcionar? O facto de as empresas terem financiamento não as escuda de não receberem. Vai correr mal, mais tarde ou mais cedo.
O que eu faço é um apelo para que as forças políticas e o poder regional e autárquico, de uma vez por todas, entendam que não podem fazer investimentos se não tiverem garantidas as fontes de financiamento. Isto não pode acontecer para o bem de todos.
Não vale a pena andarem com bandeiras de empreendedorismo e de empreendedores e de novas empresas, porque vai correr mal. Especialmente naquelas que dependerem dos contratos públicos.
O que é que considera política 2.0?
Eu chamei-lhe 2.0 para que as gerações mais novas entendam. Espero que os novos políticos venham com vontade de fazer as coisas de uma maneira diferente, porque a sociedade evoluiu, as coisas evoluíram, o mundo hoje está diferente, as necessidades das populações e da sociedade são diferentes. Quando eu apelo a um 2.0 é para haver uma mudança na forma de fazer as coisas. Quando eu falo 2.0, estou a apelar para se deixar de pensar sistematicamente nas reeleições. Quando é que vamos começar a pensar no país e na região? Quando? Vamos perder mais tempo?
É um erro ceder ao populismo na tomada de decisões para ser reeleito e depois não haver dinheiro para o essencial? É o que está a dizer?
Exactamente. E, depois, o que sucede é que os contratos que já estão assumidos não conseguem ser cumpridos.
Ora, erros todos cometemos, mas não pode ser de uma forma sistemática, ao ponto de endividar tudo e todos.
As câmaras devem investir mais em obra e menos em festas?
(…)Se eu atirar dinheiro para cima das pessoas, ou das festas, ou o que se chama cultura, este é um dinheiro muito curto que não resolve os problemas de ninguém, cria absentismo e cria a falsa sensação na cabeça das pessoas de que o ócio é uma forma de vida, quando o sofrimento faz parte das nossas vidas.
Defende menos ócio, menos desperdício e mais trabalho.
Eu acho triste que, hoje em dia, não se fale de trabalho. Valores como o trabalho, a honra, a palavra, saíram do vocabulário. Não são ensinados, não são passados entre gerações, não fazem parte do nosso léxico do dia-a-dia. A única coisa que as pessoas fazem é: Têm uma desavença no trabalho, põem uma baixa médica; chateiam-se, o trabalho é cansativo e não aparecem no dia seguinte. É assim que vamos aumentar a nossa produtividade?
Baixas médicas não necessárias, absentismo e pouca exigência no trabalho…
Isto é muito perigoso.
Se nós vamos passar os alunos e transitá-los de anos só porque os pais vão gritar para os professores ou para os delegados de turma, ou para o conselho directivo porque os seus filhos têm que ter notas só e perder-se a exigência, e perder-se a meritocracia, como é que nós vamos ser um povo melhor?
Nós estamos a regredir socialmente em termos de valores, ou estamos a evoluir? Eu acho que estamos a regredir. Isso é perigoso, porque isso tira a produtividade de uma economia. Nós estamos a passar os valores errados às gerações seguintes.
A determinada altura publicitavam que era o bem-estar, o ócio, as férias, o viajar é que é bom, o estar descansado em casa é que é bom. Quando não é. A vida é feita, maioritariamente, do trabalho. Parece que, agora, o trabalho é só nos tempos livres, e o ócio é que é a principal forma de viver. Isto está errado e as empresas sofrem muito com isso.
Não está a generalizar?
Estou a generalizar, claro, mas isto está cada vez mais grave nas empresas. Vamos fazer aqui um exercício: O ócio passa a ser a forma de viver e não o trabalho, logo as empresas passam dificuldades, algumas ficam logo pelo caminho e não se conseguem adaptar. As que se adaptam, estando aflitas, o que é que vão fazer? Olham para todo o lado e a solução é a imigração, vamos trazer imigrantes, não é? As pessoas não têm a noção dos resultados desta opção.
Na minha opinião, a imigração é boa, necessária e útil. A população açoriana fica cada vez mais formada e faltam pessoas para outro tipo de profissões. A construção civil beneficia disso, a hotelaria beneficia disso, a restauração beneficia disso, as pescas e a agricultura também beneficiam disso.
Tudo bem, mas até que limite? É que, depois, vai haver um ponto a partir do qual estes imigrantes que vêm com uma capacidade de trabalhar e com uma necessidade de trabalhar e de fazer horas extras e de se empenharem no trabalho, vão passar aos filhos os valores correctos, e nas gerações seguintes o que vai acontecer? Quando tiver uma geração de açorianos em que não foram incutidos os valores correctos, e uma geração seguinte de imigrantes formada, licenciada, com vontade de trabalhar, as empresas vão empregar quem?
Questiono se temos consciência para onde é que estamos a caminhar neste estado social ou não? Continuamos a entender que alguém vai resolver os nossos problemas e nós, nos Açores, vamos todos viajar, vamos todos ficar de férias. Quando temos uma discussão no trabalho pomos uma baixa, temos uma discussão no trabalho e não apareço no dia a seguir. O que é que acha que vai acontecer a um povo que trabalha assim quando houver imigrantes disponíveis para trabalhar e com formação?
As colectividades da Região (associações empresariais, movimentos associativos, movimentos sindicais…) não têm que estar em lados opostos. E eu não vejo vontade de ambos os lados se juntarem para resolver problemas sérios. O que eu vejo é que, de um lado só se fala em aumento de salários…
Digo isto mesmo para chocar: Eu aconselho hoje em dia a quem quer ser empresário para que não o faça, fuja de ser empresário, faça outra coisa na vida. Ou se quiser ser empresário, que a sua empresa só dependa de computadores e de máquinas, porque no dia em que depender de pessoas, você está agarrado a um código de trabalho que, neste momento, é horrível.
Eu sei que nos Estados Unidos estamos no oposto e eu não defendo isso. Mas não podemos estar no estado em que o nosso país se encontra. O nosso Código de Trabalho precisa urgentemente de ser revisto. Não podemos pôr o mesmo Código de Trabalho a proteger um bom trabalhador e proteger um mau trabalhador. Isto que não é justo. Aqui é que está o grande problema. O código de trabalho põe bons trabalhadores e maus trabalhadores todos no mesmo saco.
O Código de Trabalho onde é que defende as empresas, onde é que protege as empresas? Onde é que protege os postos de trabalho? É que os postos de trabalho supõem proteger o empregador e proteger o trabalhador.
Eu quando falo nisto estou a falar sempre de empresas e pessoas sérias e honestas.
O turismo continua a crescer nos Açores?
Ainda, porque a nossa base é baixa. E ainda bem. Temos que ter um driver no nosso crescimento económico. Seja o turismo a agricultura, a indústria, o comércio, os serviços, o que seja, tem que haver alguém que puxe a carroça a determinada altura.
Olhemos para o modelo económico dos Açores. Pode estar assente apenas num pilar, ou dois, ou três? Quais são os principais pilares da economia açoriana? Para mim, o primeiro é a tesouraria pública, é o maior empregador da Região. Emprega muita gente e é ele que alimenta, através de subsídios, uma série de outros quantos e é ele que, através do orçamento da Região, gera muita economia.
O segundo são as empresas e a economia real. Quais são os sectores? Eu vou-lhe dizer:
Temos o Governo, depois, no sector empresarial, temos o turismo, temos o comércio, temos a agricultura e pescas.
Põe o comércio à frente da agricultura e pescas?
Eu ponho o comércio à frente, porque, se reparar, os maiores empregadores desta Região são as grandes superfícies. Quando nós temos uma economia apoiada, em que a maior parte dos sectores importa para depois vender, nós não estamos a criar riqueza. Temos que criar sectores que exportem. O turismo exporta e traz dinheiro para a Região.
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Nós temos que caminhar para onde? Temos que caminhar para sectores que, essencialmente, exportem. Temos que reactivar a nossa indústria regional, temos que incentivar indústrias que trabalhem para o exterior, para que possamos equilibrar o nosso fluxo e a nossa balança comercial. Porque se nós tivermos só uma baixa capacidade de incorporação, se nós só incorporarmos mão-de-obra e incorporarmos poucos produtos locais, nós estamos a empobrecer e não a enriquecer.
Se a maior parte das coisas que nós incorporamos – como é o caso da constituição civil – vem de fora… qual é a riqueza que existe? A construção civil só está bem, só deve estar bem se, economicamente, o país ou a Região estiverem bem. E como é que nós podemos sair desta armadilha desta espiral do“pouco valor”.
Não é fácil, eu também não tenho as respostas todas. O que eu não vejo é ninguém preocupado com isso. Eu vejo todos preocupados é com os programas das festas de Verão e nas reeleições. E isto assusta-me como cidadão e, como empresário, preocupa-me imenso. Isto implica que a Região vai empobrecer mais tarde ou mais cedo. E isso não garante futuro.
Agora temos esta lufada de ar fresco do turismo, podemos aproveitá-la para fazer investimentos estratégicos, que não vão ter retorno no curto prazo, vão ter retorno no longo prazo, e temos que investir aí.
E temos que alterar a forma como a Universidade e como a área da investigação e desenvolvimento da Universidade evolui. Temos que mudar esse paradigma radicalmente. Não pode haver apenas investigação. Haver investigação é meritório, mas o mérito tem que ser “investigou-se e agora aplicou-se na prática.” Tem que haver uma componente para a investigação e uma componente maior, na minha opinião, para o sucesso desta investigação na prática.
É a criação de start-ups?
Pode ser um caminho, mas o Governo tem que cumprir, depois, com os contratos, porque se não cumpre, as pessoas lançam-se atiram-se e a seguir, como é que é? Como é que se paga ordenados, como é que se paga compromissos, fornecedores, como é que se paga investimentos, como é se paga a renda do sítio onde se está.
E ficamos num círculo vicioso que nos leva ao empobrecimento e não conseguimos sair dele.
Há um limite para o turismo…
Um sector não pode crescer infinitamente. E qual é o plano pós turismo? É no momento em que a Região e que o país crescem que devemos ter tempo para se organizar, para se reestruturar, para se reinventar. Não é quando já estivermos numa situação difícil.
Está a explicar-me porque os grandes talentos saem dos Açores…
Onde é que estão as oportunidades? Este não é só um problema dos Açores, é do país. Nós, neste momento, temos o maior número de pessoas licenciadas no nosso país, e a economia adaptou-se? Continuamos nos sectores tradicionais, e são os sectores tradicionais que vão absorver estes talentos? Estas pessoas formadas em Biologia, em Físico-química, em engenharias (…). Nós temos empresas e cargos para essas pessoas? Não temos. Portanto a economia ficou para trás. O nosso país, primeiro, desenvolveu-se e infra-estruturou-se. Verdade. Mas, nessa altura em que Cavaco Silva era Primeiro-Ministro, devíamos ter parado da quantidade, devíamos ter feito um switch mais à frente e ter passado da quantidade para a qualidade. Foi quando começámos a investir nas universidades, na formação, mas o sector económico não acompanhou. Continuou formatado, apoiado no Orçamento de Estado.
Os nossos empresários não podem estar sempre à espera de subsídios para resolver os seus problemas. Não podem estar sempre à espera que seja o Governo que vá resolver os seus problemas.
Dá ênfase ao transporte público rodoviário de passageiros e a novas exigências a este nível…
Eu continuo a arrepiar-me quando passo nas estradas apertadas das nossas ilhas e continuo a ver aqueles autocarros enormes a passar vazios de passageiros, enquanto nós, por exemplo, na empresa ‘Marques’, temos uma frota imensa que, às oito da manhã, transporta mais de 150 pessoas todos os dias para lá e para cá.
Porquê? Porque eu não tenho transportes públicos capazes de meter trabalhadores em vários pontos da ilha onde eu preciso que eles estejam. Mas eu isso até dou de barato porque a construção civil tem pontos móveis. Mas, e a restauração, os bares, a hotelaria, todos os negócios que estão à volta do turismo, que têm turnos que trabalham quase 24 horas por dia, as padarias, uma série de negócios que estão apoiados no turismo e nós continuamos com os transportes das 8h às 17h da tarde? Isto faz sentido? Acordem autarcas, acordem, o é que vocês estão a fazer para alterar isto?
Menos festa, mais resolver problemas. Faz sentido ter uma zona industrial com acesso a vias rápidas, esburacada, só porque os autarcas não se entendem e lavam as mãos como Pilatos.
E os empresários também têm culpa. Porque têm medo, vivem amordaçados. Eu quero acreditar que o nosso país evoluiu, que a nossa sociedade evoluiu e que nós não vivemos num estado autocrático.
Não vivemos num Estado autocrático, felizmente a democracia existe e eu posso falar livremente, posso não estar certo, posso não ter razão em tudo. Mas, ai de mim, se deixo de falar sobre os temas que precisam ser falados. Nesse dia não me perdoo a mim próprio.
Qual é a situação actual de execução do PRR. Há razões para estar preocuado?
Vamos ver o PRR do ponto de vista de um construtor civil. Eu vejo que, nos últimos dois anos e meio, foram lançados cerca de 800 a 900 milhões de euros de trabalho, de concursos públicos e ajustes directos. Estes são dados da AICOPA. Normalmente, só para as pessoas terem uma noção, eram lançados por ano 100 a 150 milhões de euros e, nos anos melhores, às vezes, chegava-se aos 200 milhões de euros. O que aqui está chama-se PRR. Nós passamos de uma realidade de 300 a 400 milhões em dois anos e meio, para 800 a 900 milhões de euros.
Estou convicto que o PRR se vai cumprir, na sua grande maioria, em termos de valor. Só que as obras, para serem executadas, precisam ser lançadas. E foi isso que se andou a fazer e eu tiro o meu chapéu aos políticos porque eles perceberam a urgência de arrancar com o PRR e puseram o país e a Região à frente.
Fico preocupado quando vejo já falar, por exemplo, no Programa Operacional 2030. As pessoas têm que pensar no que é que estão a dizer. Porquê? Vamos olhar para um empresário de construção civil. Eu estou perante duas obras, uma do PRR e uma outra qualquer. Qual é a decisão que eu vou tomar? A que for economicamente mais vantajosa para mim. É lógico. Nem se pode exigir aos empresários que pensem de maneira diferente.
Por isso, é um erro lançar já o Programa Operacional 2030. Porquê? Porque vai atropelar o PRR e vai-se perder estes quadros, vai-se perder estes fundos. Até agora, o governo e as autarquias estão a portar-se bem, porque estão a dar prioridade ao PRR.
Eu sei que o PO 2030 é importante e é urgente, eu sei que é, mas temos que compreender a realidade que existe. Não se pode olhar para a realidade e ver o que está à nossa frente, ou pode ignorá-la e fazer de conta que não é ela que está à nossa frente e tomamos decisões erradas. Quando eu tomo decisões com base numa intuição ou com base numa parte da informação, sem ver o todo, uma parte do populismo é isto…
O apelo que faço, enquanto empresário de construção, é para não haver atropelos. Eu acho que é lógico, faz sentido, aguardemos mais antes de lançar o PO 2030. Uma obra leva um ano, um ano e meio, vai lá, dois anos. As que não saírem até o Verão deste ano, não podem ser concluídas até final de 2026. Então, se isso é assim, tem que se dar prioridade ao lançamento de tudo o que é possível do PRR porque, senão, não vai haver tempo para se executar. E se lançarmos o PO 2030 agora atropelam-se.
João Paz
