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‘O uso indevido de medicamentos opioides é uma preocupação crescente nos Açores’, afirma Pedro Fins

Pedro Fins, director regional de Prevenção e Combate às Dependências, alerta para as graves consequências do uso indevido de medicamentos psicotrópicos e estupefacientes, especialmente entre as populações vulneráveis, como jovens e pessoas com problemas de saúde mental. Em entrevista ao Correio dos Açores, o director regional de Prevenção e Combate às Dependências destaca que o consumo precoce e a automedicação elevam os riscos de isolamento social, conflitos familiares e comportamentos de risco. A crescente prescrição de opioides na região também é preocupante. A legislação visa garantir o controle rigoroso dessas substâncias, com monitorização detalhada das prescrições para evitar abusos e desvios. Além disso, a Direcção Regional de Saúde tem intensificado acções de sensibilização e formação dos profissionais de saúde e farmácias, promovendo a literacia em saúde e garantindo que os utentes compreendam os riscos.

Correio dos Açores – Que impacto o uso indevido de medicamentos psicotrópicos e estupefacientes pode ter nas populações vulneráveis nos Açores, como jovens ou pessoas com problemas de saúde mental?
Pedro Fins (Director Regional de Prevenção e Combate às Dependência) – É sabido que o uso e abuso indevido de medicamentos psicotrópicos e estupefacientes pode ter consequências graves na população em geral e muito mais em pessoas vulneráveis. Entre os principais problemas, o uso prolongado ou inadequado desses medicamentos pode causar alterações no sistema nervoso central, agravando quadros de ansiedade, depressão e outros transtornos mentais conhecidos. Em jovens, o uso precoce pode interferir no desenvolvimento cerebral, potencializando riscos de dependência química e prejudicando o seu desenvolvimento emocional e cognitivo.
A automedicação ou mesmo o uso recreativo de psicotrópicos e estupefacientes eleva significativamente a um risco de dependência, dificultando também futuras intervenções terapêuticas resultantes desses consumos. Nas pessoas com problemas de saúde mental, a dependência pode exacerbar sintomas que já existam, dificultando a recuperação e os tratamentos disponíveis
O uso indevido também pode levar ao isolamento social, dificultando a integração do indivíduo na comunidade e aumentando a vulnerabilidade social. Esta estigmatização associada ao uso de substâncias sabemos que inibe por parte do jovem a procura de ajuda, contribuindo para aumentar o problema.
Observa-se também que os jovens em situações de uso indevido frequentemente enfrentam conflitos familiares, abandono escolar e aumento da exposição a comportamentos de risco, como comportamentos desviantes e agressividade.
Por último a consequência deste uso indevido também resulta numa maior procura dos utentes aos serviços hospitalares, programas de saúde e apoio social.

Tem havido um aumento na prescrição de medicamentos opióides na Região. Existe alguma preocupação específica da direcção Regional de Prevenção e Combate às Dependências quanto ao uso, abuso ou desvio desses medicamentos? Que mecanismos existem actualmente para monitorizar e prevenir desvios ou vendas ilegais?
*Sim, há uma preocupação crescente em relação ao uso, abuso e desvio de medicamentos opioides na região, dada a sua natureza aditiva e os potenciais riscos associados ao consumo inadequado. A Portaria n.º 128/2015 estabelece um quadro legal rigoroso para a prescrição e dispensa de medicamentos estupefacientes e psicotrópicos, visando garantir uma utilização controlada e rastreável destes fármacos. Quanto aos mecanismos de monotorização, a legislação prevê a obrigatoriedade do registo informatizado de dados detalhados no acto da dispensa, incluindo:

  • Identificação do utente ou representante legal;
  • Número e detalhes da prescrição;
  • Identificação da farmácia e do medicamento, incluindo quantidade dispensada;
  • Data da dispensa.
    As farmácias também devem manter em arquivo as receitas manuais e electrónicas durante três anos, assegurando rastreabilidade e facilitando auditorias futuras. A Direcção Regional da Saúde (DRS) desempenha aqui um papel crucial na análise de consumos individuais anormais, recorrendo a dados fornecidos pelo Centro de Conferência do Medicamento (SPMS), uma vez que dispõe de informações limitadas a receitas manuais. A partir desta análise, situações suspeitas podem ser encaminhadas para as Ordens Profissionais, ou para as autoridades policiais, (no caso de desvios ou vendas ilegais), também na aplicação de processos de contra-ordenação às farmácias, em situações de irregularidades.
    Embora ainda não existam dados concretos que permitam comparar aumentos significativos no consumo de opioides na região, a DRS mantém uma vigilância activa sobre o tema. A colaboração com entidades como farmácias, profissionais de saúde e órgãos reguladores é essencial para implementar medidas preventivas e assegurar o uso adequado destes medicamentos.
    Além disso, é uma preocupação da Direcção Regional de Prevenção e Combate às Dependências (DRPCD) trabalhar em articulação com outras entidades para promover a literacia em saúde e conscientizar a população sobre os riscos do uso inadequado de opioides. A sensibilização junto de profissionais de saúde também é uma prioridade, com o objectivo de garantir prescrições responsáveis, minimizando os riscos de dependência e abuso. Para enfrentar o problema de forma eficaz, é fundamental fortalecer os sistemas de monitorização, melhorar o acesso a dados em tempo real e ampliar programas educativos e de prevenção dirigidos a profissionais e à população em geral.

Acredita que se justifica uma intensificação das medidas de controlo ou a necessidade de reorganizar a distribuição destes medicamentos, considerando os desafios locais?
A necessidade de afinar procedimentos atendendo a idiossincrasias locais é comum a muitos aspectos da administração pública. O desafio é não perder a vantagem que a homogeneização desses mesmos procedimentos traz. A verdade é que podemos, neste caso, partir das condicionantes identificadas localmente, criar mecanismos de adaptação dos procedimentos e intervir directamente nos fenómenos indesejados e usar essa intervenção para definir modelos de gestão para todo o território regional e nacional. Importa atentar na eficiência das adaptações e evitar ceder ao imediatismo alarmista.

Têm sido detectadas situações de excesso de prescrição de medicamentos para os utentes?
Confirmamos que têm sido detectadas situações de excesso de prescrição de medicamentos para os utentes. Estas situações foram devidamente sinalizadas e encaminhadas para a Direcção Regional da Saúde, que, enquanto órgão executivo responsável, que exerce o controlo e acompanhamento de toda a actividade relacionada com o medicamento na Região Autónoma dos Açores.

O acompanhamento e o esclarecimento dos doentes são cruciais para o sucesso do tratamento com psicotrópicos e estupefacientes. Como podem os serviços de saúde dos Açores melhorar o acompanhamento dos doentes e garantir que compreendem a importância do uso responsável desses medicamentos?
As regras estão claramente definidas e todos os profissionais de saúde do Sistema Regional de Saúde possuem uma formação de base e contínua de excelência, que lhes confere o conhecimento aprofundado sobre os medicamentos utilizados. Embora os utentes desempenhem um papel importante no uso responsável dos medicamentos que lhes são prescritos, é importante reconhecer que nem todos têm o mesmo nível de literacia em saúde, nem a capacidade de compreender totalmente os riscos associados ao uso inadequado de certos medicamentos.
Dessa forma, é essencial que os profissionais de saúde forneçam informações claras e acessíveis no momento da prescrição, e que as farmácias reforcem estas orientações durante a dispensa. Além disso, é fundamental promover um esforço contínuo de educação e sensibilização, para garantir que os utentes possam identificar potenciais riscos e utilizem os medicamentos de forma segura.
Nesse sentido, pode-se entender que as farmácias têm uma responsabilidade fundamental, logo após o utente, para garantir que os medicamentos sejam utilizados correctamente. Embora as farmácias já adoptem práticas de cuidado, há sempre espaço para melhorias que possam assegurar um processo mais homogéneo, diminuindo a possibilidade de mau uso. Este é um trabalho contínuo e colaborativo entre a Direcção Regional da Saúde e a Comissão Regional de Farmácias, com o objectivo de melhorar os resultados para a saúde e minimizar os riscos.

Quais são as principais estratégias que a Direcção Regional de Prevenção e Combate às Dependências poderia adoptar para melhorar a gestão da prescrição e o uso desses medicamentos na região?
É essencial implementar programas educativos voltados para os jovens e famílias, que abordem os riscos associados ao uso inadequado de medicamentos. A promoção da literacia em saúde desempenha um papel crucial, capacitando a população para compreender os perigos relacionados ao uso e abuso desses medicamentos.
Paralelamente, é fundamental garantir que as pessoas com doenças mentais tenham acesso facilitado a tratamentos integrados, que não apenas promovam a sua recuperação, mas também previnam o uso indevido de medicamentos.
Além disso, o trabalho com a comunidade é indispensável no combate ao estigma associado à dependência farmacológica, que muitas vezes emerge já numa fase avançada com comportamentos desajustados. Como sociedade, não podemos ignorar estas situações, frequentemente caracterizadas como doenças que estão presentes ao nosso redor. Um comportamento de exclusão e preconceito só reforça as barreiras ao acesso a direitos e oportunidades, agravando ainda mais as condições de vulnerabilidade desses indivíduos. Devemos promover uma abordagem de inclusão e apoio para facilitar a reintegração e recuperação dessas pessoas.

        Filipe Torres
  • – Resposta baseada com dados fornecidos pela Direcção Regional da Saúde.
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