Desde pequena, Nélia Sousa já era apaixonada pela costura, uma habilidade que aprendeu enquanto observava a mãe transformar tecidos em roupas para a família e para os vizinhos. Essa paixão acompanhou-a ao longo da vida, mesmo enquanto trabalhava na tabacaria familiar, onde já realizava pequenos serviços de costura para conhecidos. Em 2006, decidiu transformar o hobby em profissão ao abrir o seu próprio ateliê, e desde então, dedica-se a um trabalho que considera feito com amor e paixão. Agora, o seu ateliê encontra-se na rua Dr. Aristides Moreira da Mota, em Ponta Delgada. Entre bainhas, ajustes, cortinados e até criações de última hora, Nélia atende uma carteira fiel de clientes locais e internacionais, mantendo a tradição e enfrenta os desafios com dedicação quase 24 horas por dia.
Correio dos Açores – Como surgiu o gosto pela costura?
Nélia Sousa (Costureira) – Desde nova, gostava de costura. A minha mãe fazia trabalhos de costura para nós, os filhos, e algumas pessoas pediam, e ela fazia. Como estava sempre junto dela, mais eu gostava.
Mesmo quando trabalhava na tabacaria que tínhamos, o ‘Quiosque Paulinho’, as pessoas sabiam que eu costurava e, então, fazia em casa. Quando fechei a tabacaria, abri o ateliê de costura em 2006, há quase 20 anos. O espaço tornou-se pequeno, e fui para a Rua João Melo Abreu. A situação repetiu-se e, há seis anos, mudei-me para aqui [Rua Dr. Aristides Moreira da Mota].
Em 2007, convidaram-me para fazer as marchas. A Junta de Freguesia de São Pedro, nas verbenas, não tinha marchas. Aceitei, fiz as roupas e ainda participei nas marchas – cantei, dancei, pulava. Gosto daquilo que faço, gosto muito.
Os primeiros clientes foram da Romaria de São Pedro. A partir daí, fiz uma promessa: “Todos os anos que houvesse Romarias e que precisassem de qualquer coisa, fosse para levar na Romaria, eu não cobrava”.
Todos os anos acontece isso. Eles vêm ter comigo: os de São Pedro, da Fajã de Baixo, de São Roque, de São José, de São Sebastião. E trazem-me os xantins com as orações e com os terços.
Tem alguma especialização, por exemplo, alta-costura ou roupas do dia-a-dia?
As roupas do dia-a-dia e confecção de cortinados, mas não faço confecção de roupa. Faço bainhas, colocação de fechos, arranjos, apertar, alargar e transformar o velho em novo.
Tem algum trabalho mais complicado que se lembre? Por exemplo, coser uma peça de roupa do dia para a noite…
Isso acontece muitas vezes, claro que nunca digo que não, principalmente quando é para crianças na escola. Nas festas de Carnaval e de Natal, surgem sempre trabalhos de última hora.
Muitas vezes, faço de um dia para o outro. Não tenho hora de entrada nem de saída no trabalho. Quando vou para casa, levo o trabalho comigo (TPC), seja para desmanchar roupas, tirar fechos ou desmanchar bainhas… São quase 24 horas por dia a trabalhar.
Tem alguma época alta do ano?
As festas de Natal, mas não só nessa altura. Graças a Deus, tenho sempre trabalho. O Natal é complicado, com directas atrás de directas, especialmente de 23 para 24, para deixar tudo pronto a tempo da época natalícia.
Em Dezembro, trabalho sempre aos Sábados e Domingos. Depois, regresso no dia 2 de Janeiro e, na primeira semana, já começo os vestidos para o Carnaval. Gosto muito daquilo que faço.
Quais são as peças que mais costuma trabalhar, por exemplo, calças?
Faço muitas bainhas de calças e a colocação de fechos em casacos e calças. No Natal, há muitos cortinados. Depois da época natalícia, há muita roupa. Porquê? Porque há os saldos, e as pessoas aproveitam. E, depois, há as peças de roupa que foram prendas de Natal e vêm cá para arranjar bainhas, apertar ou alargar. Há sempre uma solução. É essa parte que eu gosto: imaginar algo, fazer isso, aqui ou acolá. E costumo até dizer que fica uma peça desigual.
Qual é a parte mais desafiadora deste trabalho?
O desafio, para mim, é quando faço maratonas de um dia para o outro, quando a pessoa precisa disso. Passei muitas vezes por essas situações, com os meninos dos infantários, para fazer as peças para as festas de Natal. Isso sim é desafiante, e sinto-me de alma cheia.
Costura tanto à mão como nas máquinas? Qual prefere?
Costurar à mão, como as bainhas invisíveis, pode também ser feito na máquina, mas não fica tão perfeito como feito à mão. A peça passa primeiro por uma das máquinas e depois o restante é feito à mão.
Prefiro trabalhar com a máquina, mas também gosto de trabalhar à mão. Há muitos serviços que são preferíveis fazer manualmente, como a colocação de botões, embora também possa fazer nas máquinas. Estas estão preparadas para tudo – tenho cinco máquinas aqui e mais algumas em casa, cada uma com a sua função.
Como tem sido a afluência desde a mudança para este edifício?
Trouxe todos os meus clientes de São Pedro, vieram sempre comigo. Tenho uma carteira de clientes desde o início. Além disso, estão sempre a aparecer outras pessoas, por exemplo, muitas das outras ilhas, como Terceira, Santa Maria, Pico e Faial, que vêm cá quando têm uma consulta no Hospital. Telefonam primeiro para saber se estou disponível, pois vêm num dia e partem no dia seguinte. Nessas ocasiões, tenho que fazer o serviço rapidamente, dando prioridade a essas pessoas e também às fardas, especialmente as do hospital.
Também faço serviços de costura para pessoas de fora da Região, especialmente de Lisboa, pois os serviços de costura lá são muito caros. Muitas pessoas do Canadá e Estados Unidos também vêm cá.
Pretende acrescentar alguma informação no âmbito da entrevista?
Este é um serviço feito com muito amor e paixão. A minha tabela de preços é razoável e não tenciono aumentá-la, porque tenho a consciência de que as coisas estão muito caras. Tudo bem que a pessoa precisa de vestir, mas, por exemplo, se comprar a calça durante a época de saldos, se chegar aqui e eu fizer o preço justo, sinto-me bem.
Há serviços rápidos que não me custam nada, como quando alguém chega e quer colocar o botão que caiu da roupa.
Claro que também trabalho com muita atenção, pois já sofri dois acidentes de trabalho na máquina. O primeiro aconteceu há cerca de 15 anos, quando metade de uma agulha foi para a vista. O segundo ocorreu há cerca de um ano, quando a agulha foi para a unha, porque atendi o telemóvel e toquei no pedal sem querer.
Filipe Torres
