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“A apatia pela escola é visível um pouco por todos os Açores devido a uma situação de falta de expectativas em relação ao mundo do trabalho”

Hoje, dia 24 de Janeiro, assinala-se o Dia Internacional da Educação. O Correio dos Açores esteve à conversa com o Presidente do Conselho Executivo da Escola Básica e Secundária do Nordeste. Dos anos em que presta funções na principal escola do concelho, António Rocha destaca a diminuição do número de alunos e o fecho de escolas primárias das freguesias, a desmotivação académica e a falta de expectativas por parte dos estudantes nordestinos e o investimento pedagógico na formação musical curricular e extra-curricular.

Correio dos Açores – Que retrato faz da comunidade escolar no concelho do Nordeste?
António Rocha (Presidente do Conselho Executivo da EBS do Nordeste) – Eu creio que é idêntica às zonas mais rurais, que se encontram fora dos grandes centros. Em termos académicos, encontramo-nos numa posição média, sendo que a nossa escola não tem muitos alunos.
Tem-se percebido ao longo dos anos uma certa apatia relativamente ao contexto escolar, cujo trabalho tem que ser mais intensificado e diversificado, considerando também as diferentes situações inerentes a cada aluno, quer no contexto social, familiar e sociocultural. Essas situações também fazem com que os alunos não tenham grande apetência para o percurso académico na sua maioria, e nós temos de estar um pouco nesta ginástica diária de “puxar” progressivamente os alunos a desenvolverem o seu percurso (até pelo menos ao término da escolaridade obrigatória).
Neste momento, a escola secundária está só com o chamado ensino regular, não temos o curso de PROFIJ nem outros cursos profissionais – considerando que temos uma escola profissional aqui no concelho. Temos do Pré-escolar até ao 12º ano, todavia com uma redução considerável de alunos ao longo destes anos.
O nosso trabalho é organizado consoante a moldura humana que temos. Existem alguns alunos com capacidades evidenciadas, que se aplicam, que vão prosseguir na vida académica e que, provavelmente, irão ingressar numa profissão que idealizam. Porém, temos uns quantos estudantes em que o seu objectivo é mais ou menos restrito aos limites do próprio concelho, tendo no secundário o fim do seu percurso académico e depois enveredam por uma via profissional, para se dedicarem a actividades profissionais concernentes com aquilo que o concelho visa para os seus empregos.

A falta de perspectivas representa uma adversidade na motivação para a continuação de estudos?
A grande adversidade com a qual nos deparamos é precisamente a falta de vontade. A escola, neste momento, é o espaço onde tudo acontece e onde tudo deve ser salvaguardado, quase numa dinâmica assistencialista. A escola vai tendo esse papel, embora a sua função primordial seja formar alunos. Contudo, também temos que estar em cima de todos os acontecimentos. Considerando a nossa dimensão e localização, temos conhecimento das situações inerentes a cada aluno, e isso leva -nos a uma preocupação quase individual do tipo “de onde vem, como vem e o que precisa”. Pretendemos que ao melhorar determinadas condições humanas e, às vezes, alguma carência, eles possam, de alguma forma, progredir um pouco mais na dimensão académica.
Meio a sério, meio a brincar, costumo dizer que nós somos “um misto de creche, de Misericórdia, de Segurança Social e de pais”. Necessitamos de trabalhar em todas estas vertentes para conseguirmos que os alunos estejam um pouco mais aptos a prestar alguma atenção àquela que é a nossa real função, que é a de educar.
A apatia pela escola é visível um pouco por todos os Açores, provavelmente devido a uma situação de falta de expectativas em relação ao mundo do trabalho. No meu tempo, por exemplo, vislumbrávamos o ofício, uma profissão e o percurso académico inerente ao mesmo. Agora nem tanto. O emprego é transversal e nem sempre cruza com aquilo que são as expectativas dos jovens.

A EBS do Nordeste tem carência de docentes?
No arranque do presente ano lectivo, iniciámos o mesmo com a ausência de dois ou três professores, não por não terem sido suprimidas as vagas, mas porque, entretanto, colocaram um atestado. Ao longo deste primeiro semestre, temos todos os professores a leccionar, contudo um ou outro ausenta-se por situações várias como motivo de doença ou gravidez de risco e, posto isto, lançamos outra vez a concurso mais horários. Os atestados são de longa duração e vamos suprimindo estas lacunas com os colegas que vão concorrendo a estas vagas. Já tivemos outros anos bem mais penosos do que estes. Este, por acaso, começou de forma tranquila em termos de docentes e tem-se mantido dentro do padrão de uma gestão saudável.

Tem assistido a uma diminuição do número de alunos, correcto?
A própria taxa de natalidade tem-se vindo a reduzir aqui no concelho. Portanto, de há uns 10 anos para cá temos vindo a perder um número considerável de alunos. Neste momento, como disse, estamos com 525 alunos. Em tempos, nós já tivemos por volta de 1000 alunos. A redução do número de alunos chegou ao ponto de passarmos pelo infortúnio de encerrar escolas do 1º Ciclo. Este concelho já veio de uma escola em cada freguesia, e agora estamos reduzidos a duas escolas: uma na Lomba da Fazenda e uma na Vila do Nordeste.
Comecei o meu mandato anterior com o encerramento de uma escola na Algarvia e terminei esse mesmo mandato com o encerramento das escolas de Salga e da Achadinha. Isto ocorreu pelo seguinte motivo: para existir a constituição de uma turma teve que se juntar mais do que um ano na mesma, assim obtendo um número mínimo de alunos. É muito complicado trabalhar com um grupo de alunos em que uns são do segundo ano e outros do quarto, ou uns do primeiro e outros do terceiro. Ainda mais, temos de considerar a questão da educação inclusiva, em que cada aluno tem as suas necessidades e condições próprias e diferenciadoras.
Ou seja, uma turma constituída por alunos do mesmo ano já apresenta um grau de dificuldade considerável – em causa a diferenciação que tem de se fazer de aluno a aluno -, imaginem trabalhar conteúdos diferentes e, ao mesmo tempo, atender a todas as necessidades individuais. A única solução pedagógica (e até de concentração de recursos humanos) passou mesmo por ter de encerrar essas escolas e concentrar os alunos nos dois pontos que referi.
Isto já representa manifestamente uma prova de que a natalidade tem resultado na falta de alunos. Pontualmente, vão surgindo alunos novos que vêm transferidos de outras escolas, porque as famílias mudam de residência para aqui. Também temos no concelho uma casa de acolhimento de jovens, que vêm para cá institucionalizados e que acabam por ter esta escola como sua. Iniciámos o ano com 519 alunos, agora estamos com 525 alunos, tendo em conta precisamente essas transferências de escolas pelas razões que referi.

Quais são as iniciativas escolares que gostaria de destacar por parte da Escola Básica e Secundária do Nordeste?
A nossa escola tem procurado dar o máximo que consegue aos alunos (dentro das nossas possibilidades) em parceria com as instituições, desde logo com a tutela, – qualquer projecto é obrigatoriamente submetido à sua aprovação – e também em estreita parceria com a Câmara Municipal, juntas de freguesia e algumas entidades aqui do concelho, para que consigamos da melhor forma possível diversificar a oferta para os nossos alunos.
Em termos pedagógicos, temos que seguir aquilo que está estipulado legalmente em termos de matriz curricular. Dentro da nossa autonomia, criamos alguma oferta. Existe um clube conhecido aqui no concelho – o Clube Forte Musical -, que nas tardes em que os alunos não tenham actividades lectivas, estes possam – (por inscrição ou por contacto próprio) integrar este tipo de dinâmicas.
De há dois anos para cá, uma das coisas que incluímos em termos de matriz curricular foi arranjar forma de estender a disciplina de Educação Musical ao maior número de anos possível, tendo em conta que uma grande percentagem dos nossos alunos estão incluídos em bandas filarmónicas aqui do concelho.
Tendo em conta a distância a que estamos do Conservatório e a impossibilidade que muitos têm de se deslocar com a frequência necessária para a atenderem à respectiva formação musical, nós quisemos abranger a disciplina a uma maior quantidade de alunos.
O que está previsto na matriz curricular é que Educação Musical compõe as disciplinas designadas para o 5º e 6º ano. Depois de propor ao pedagógico e depois da aprovação da tutela, conseguimos, em termos de gestão de horário, incluir na matriz a disciplina de Música desde o 1º ano do 1º ciclo até ao 9º ano. Pelo menos estes alunos têm um maior número de anos com formação musical e, consequentemente, mais capacidade adquirida, que depois será reflectida na comunidade de músicos da escola, nomeadamente nas bandas filarmónicas.
Procuramos dentro das nossas circunstâncias dar o que conseguimos, concretizando as ferramentas para que eles, em termos lúdicos ou em termos efectivos fora da escola, possam ter também algum desenvolvimento em aéreas que não estão apenas consignadas em matéria de disciplina.
Nesse sentido, vamos fazendo as devidas parcerias e pedindo as colaborações necessárias para a realização de actividades que possam levar os alunos a sair do concelho, nomeadamente em visitas de estudo dentro da ilha e pontualmente fora dela também, com o intuito de alargar o campo de visão destes miúdos e para que estes possam aspirar a algo que não esteja apenas circunscrito às suas localidades.

Podemos afirmar que a música tem um grande papel na comunidade escolar do Nordeste?
Sem dúvida. Em 500 e poucos alunos, temos por volta de 80 alunos que estão integrados em bandas filarmónicas. Foi com base nesse pressuposto que lancei o repto à escola de considerar a alteração da matriz curricular e alargar a disciplina de Educação Musical aos vários anos.

Quer transmitir alguma mensagem?
Trabalhar com crianças em contexto escolar implica uma questão de seres humanos, não apenas estes que estão sob a nossa alçada, mas todos aqueles que fazem parte da família, da comunidade e de todas as instituições. Quando peço algum apoio a uma determinada instituição, normalmente cito: “Vocês, ao colaborarem connosco, estão a colaborar com o concelho todo”. A verdade é essa, eles não só são representantes de todas as freguesias do concelho, como também serão certamente o futuro das mesmas.
Importa que se olhe a escola com o afecto necessário, pois a educação é o berço da sociedade. Bem ou mal preparados, irá existir no futuro aquilo que agora fizermos no presente, mas, por mais que façamos internamente, se não houver o apoio, no sentido de remarmos todos para o mesmo lado, será sempre complicado.
Tenho pedido sempre, quer à Associação de Pais, quer nas reuniões com pais, um trabalho conjunto pela educação dos nossos filhos e dos filhos dos outros também. Porque nós, enquanto sociedade, temos que olhar para o colectivo, como também defender cada um enquanto ser individual. A nossa preocupação primária também é com os nossos, como é óbvio, e temos algumas provas disso. Há encarregados de educação que integram a associação de pais enquanto os filhos estão na escola, e alguns deles que mesmo depois dos filhos saírem daqui continuam a trabalhar em prol da educação.
Esta é a verdadeira dinâmica de responsabilidade, de interactividade entre a comunidade e a escola. A escola é da comunidade e a comunidade tem de se integrar nesta dinâmica educacional, que também é uma dinâmica de concelho. Conhecendo aquilo que o concelho pode oferecer, juntos seremos bastante mais interventivos em criar condições para que estes alunos, quando terminarem a sua escolaridade ou o seu curso (quer universitário, quer profissional), cá possam ter lugar em termos profissionais.
José Henrique Andrade

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