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“O número de doentes em tratamento renal nas ilhas de São Miguel e Santa Maria tem vindo a crescer gradualmente”, afirma a médica Carolina Ormonde

O Dia Mundial do Rim, celebrado anualmente pela Sociedade Internacional de Nefrologia, pretende sensibilizar a população para a saúde renal, com o tema deste ano focado na detecção precoce da doença renal crónica. Segundo Carolina Ormonde, médica especialista em Nefrologia do Hospital Divino Espírito Santo (HDES), a doença renal crónica é silenciosa e frequentemente diagnosticada em fases avançadas, tornando a prevenção e o rastreio essenciais. Nos Açores, as taxas de doenças renais são preocupantes, com a diabetes e a hipertensão a serem os principais factores de risco. A médica afirma que a adopção de hábitos saudáveis, como a redução do consumo de sal, gorduras e o exercício regular, é fundamental para proteger os rins e prevenir o agravamento da doença.

Correio dos Açores – O que significa o Dia Mundial do Rim e por que é importante sensibilizar a população sobre a saúde renal?
Carolina Ormonde (Médica especialista de Nefrologia do HDES) – O Dia Mundial do Rim é uma iniciativa da Sociedade Internacional de Nefrologia que ocorre todos os anos a nível mundial e que visa promover o conhecimento acerca da importância da saúde renal. Todos os anos apresenta um tema diferente e são organizadas campanhas e actividades locais para promover o mesmo. O tema para este ano “Como estão os seus rins? A detecção precoce protege a saúde renal.” Foca como problema central a necessidade de rastreio e diagnóstico precoce da doença renal crónica. Ora, isto tem uma importância extrema, uma vez que a doença renal crónica, não só é uma patologia muitíssimo frequente, como é, muitas vezes, silenciosa. Além disso, os principais factores de risco para o seu desenvolvimento são factores modificáveis, pelo que podemos actuar sobre eles e prevenir o desenvolvimento ou progressão da doença. Quanto mais cedo o seu diagnóstico, maior sucesso poderemos ter nesta actuação.

Quais são os dados mais recentes sobre a prevalência de doenças renais nos Açores, e como a região se compara com o resto do país em termos de diagnóstico e tratamento?
Sabemos que cerca de 20% da população portuguesa sofre desta doença, segundo dados de um estudo publicado em 2020, o que constitui quase o dobro da prevalência da maioria dos restantes países do mundo. Esta prevalência tem sido tendencialmente crescente no nosso país nas últimas décadas, assim como o número de doentes que realiza diálise. Não existem dados específicos da nossa Região no que concerne à verdadeira incidência e prevalência da Doença Renal Crónica. Estima-se que estes dados sejam ainda mais preocupantes nos Açores, dado que sabemos que outras patologias, como a diabetes e a hipertensão arterial, são mais frequentes que no resto do país e constituem os seus principais factores de risco. Igualmente, o número de doentes em tratamento de substituição da função renal nas ilhas de São Miguel e Santa Maria tem vindo a crescer gradualmente: a 31 de Dezembro de 2024 tínhamos 122 doentes em hemodiálise, 28 doentes em diálise peritoneal e 88 doentes transplantados renais. Fora estes, existem muitas mais centenas de doentes seguidos nas consultas de Nefrologia e nos Cuidados de Saúde Primários que padecem de Doença Renal Crónica em fases mais precoces.

Quais são as principais doenças renais que afectam a população açoriana?
Os dois principais factores de risco para o desenvolvimento de doença renal crónica são, de longe, a Diabetes mellitus e a Hipertensão arterial, e esta realidade não é diferente nos Açores. Estas duas doenças, verdadeiras epidemias nos dias de hoje, afectam directamente a capacidade de filtração do sangue ao nível dos rins, condicionando a sua função. De forma preocupante, assiste-se na nossa Região a uma prevalência superior destas patologias do que nas restantes regiões de Portugal. Outros factores de risco como a obesidade e o tabagismo contribuem em larga escala para o desenvolvimento e progressão desta doença. Ainda, é de realçar que na nossa Região existe uma prevalência elevada de doenças hereditárias que também afectam os rins. Outras doenças como doenças auto-imunes (como o lúpus), doenças urológicas (como a litiase renal ou “pedras nos rins”) e doenças cardíacas também constituem outras causas importantes.

Existe algum factor específico que contribui para uma maior prevalência de doenças renais nos Açores?
Sem dúvida que o estilo de vida parece ser o factor que mais influencia esta realidade na Região. Existem maus hábitos alimentares e de sedentarismo enraizados nas nossas ilhas, e estes são os principais responsáveis pelo aumento do risco de desenvolvimento das doenças mencionadas e, consequentemente, da doença renal crónica.

Quais são os sintomas mais comuns de doenças renais que as pessoas devem estar atentas?
A doença renal crónica é, na verdade, uma doença muito silenciosa. Ela evoluiu ao longo de cinco estádios ou fases, sendo que as iniciais são frequentemente assintomáticas. Desta forma, há uma tendência a desvalorizar o problema pelo próprio paciente (quando a doença já é conhecida) ou a atrasar o diagnóstico se a pessoa não tiver um acompanhamento médico regular. À medida que a doença progride, os sinais e sintomas podem ser mais perceptíveis, mas também são, na sua maioria, sintomas inespecíficos, tais como: fadiga e cansaço, perda de apetite e náuseas, retenção de líquidos nas pernas ou ao redor dos olhos, tensão arterial alta, alteração da frequência, cor ou aspecto da urina, comichão no corpo. Pelo facto de serem sintomas pouco específicos, fazem com que a doença renal seja pouco procurada ou valorizada. Gostaria ainda de referir que é frequente as pessoas considerarem que as dores lombares são referentes aos rins, mas de facto a dor lombar apenas ocorre em situações agudas como a cólica renal ou vulgar “passagem de pedra”, não sendo um sintoma frequente de doença renal crónica.

Como as pessoas podem prevenir doenças renais? Quais são os hábitos saudáveis recomendados?
Um dos pilares da prevenção e tratamento da doença renal crónica é a adotarem um estilo de vida saudável. Eu costumo dizer aos meus doentes que tudo o que entra no nosso corpo passa pelos rins, daí a importância de termos cuidados com tudo o que consumimos e com o nosso estilo de vida. As principais medidas para proteger os rins são: redução do consumo de sal (não apenas na adição de sal nos cozinhados, mas também evitando produtos ultraprocessados que contêm sal na sua composição); redução do consumo de gorduras e açúcares; redução do consumo de carnes vermelhas, preferindo carnes brancas, peixe, ovos ou proteínas de origem vegetal; ingestão de água em quantidades adequadas; evicção de tabaco e bebidas alcoólicas; e prática regular de exercício físico. Outro ponto a realçar na prevenção da doença renal é a evicção do uso abusivo ou frequente de medicamentos anti-inflamatórios (sobretudo evitar a auto-medicação). Portanto, no fundo, vemos que não são medidas extraordinárias, apenas as medidas básicas de estilo de vida saudável e que são benéficas para todo o organismo e não apenas para os rins.

Com que frequência uma pessoa deve realizar exames de função renal, e em que casos isso se torna mais urgente?
A avaliação ou rastreio da função renal deve ser feita no acompanhamento regular pelo Médico de Família e varia de acordo com a idade e as patologias que a pessoa apresenta. Por exemplo, uma pessoa jovem e sem factores de risco poderá necessitar apenas de uma avaliação anual ou a cada dois anos, enquanto uma pessoa idosa ou com diabetes pode requerer a sua avaliação trimestralmente. Ou seja, deve reger-se pela avaliação regular e instituída nos cuidados de saúde primários. Nos casos em que haja, de facto, algum problema renal, o grau de urgência na avaliação dependerá da rapidez de evolução da doença e dos sinais ou sintomas que apresente. Em alguns casos mais graves poderá ter que ser encaminhado a Consulta de Nefrologia para uma avaliação mais pormenorizada e eventual acompanhamento especializado.

Quais são as opções de tratamento para doenças renais crónicas? Em que casos a diálise se torna necessária?
Nas fases mais precoces da doença o tratamento é dirigido à causa e promoção das medidas protectoras da função renal. Assim, é desejável que o doente esteja controlado sob tratamento da diabetes e hipertensão (se forem estas as causas da doença renal), ou é realizado, em casos mais raros, o tratamento específico das doenças implicadas. Concomitantemente, devem ser abordadas todas as medidas de adopção de um estilo de vida saudável que referi anteriormente, em todas as fases da doença. Quando a doença renal atinge a fase mais avançada, em que a capacidade de filtração dos rins já é muito reduzida e leva a complicações ou sintomas graves, existem quatro hipóteses de tratamento. Em primeiro lugar há a possibilidade de não se fazer nenhuma técnica de diálise e utilizar medicação que ajude a controlar os seus sintomas. Geralmente este tratamento designado “conservador” é utilizado em doentes muito idosos ou com patologias graves cuja qualidade de vida poderia ficar muito comprometida com os tratamentos de diálise. Nos que optam por técnicas de substituição da função renal, existe a hipótese de escolha entre hemodiálise, diálise peritoneal e transplante renal.

Como a hemodiálise, a diálise peritoneal e o transplante renal são realizados nos Açores, e como a região lida com esses casos?
A hemodiálise, a diálise peritoneal e o transplante renal são três formas diferentes de substituição da função renal nas situações referidas anteriormente. A hemodiálise consiste na “limpeza” do sangue por uma máquina, realizada no hospital, geralmente durante quatro horas, três vezes por semana. A diálise peritoneal faz esse mesmo trabalho de “limpeza” do sangue através de uma membrana que possuímos na nossa barriga, sendo realizada em casa, várias vezes ao dia ou durante a noite. Estes dois tipos de diálise são igualmente eficazes, pelo que a escolha é feita tendo em conta a vontade do doente. Apenas em casos especiais poderá haver contra-indicação a algum dos tipos de diálise. Na Região, a diálise peritoneal ganha um papel especial, pois não havendo unidades de hemodiálise em todas as ilhas, ela possibilita que as pessoas mantenham a sua residência e maior qualidade de vida. Em último lugar, existe a hipótese de transplante renal, a opção que confere maior qualidade e expectativa de vida a estes doentes. Este apenas é realizado em centros especializados em Portugal Continental, sendo os doentes referenciados aos mesmos quando reúnem critérios. Após o transplante os doentes mantêm o seguimento nos Hospitais da Região, indo pontualmente a consultas nos centros do Continente. No entanto, é necessário referir que nem todos os doentes apresentam critérios para a realização de transplante, além de que, na ausência de um dador vivo, o tempo médio de espera em Portugal é de 5 anos para que receba um rim de cadáver.

Como podemos aumentar a conscientização sobre a saúde renal e a importância de cuidar dos nossos rins?
Na minha opinião, há ainda um longo caminho a percorrer no que diz respeito ao conhecimento sobre saúde e doença renal na população. Estima-se que em 2040 a doença renal seja a quinta causa mais prevalente de morte no mundo, pelo que é fundamental criar campanhas de sensibilização à população sobre os seus principais factores de risco e as formas de rastreio e detecção precoce, particularmente nas unidades locais de saúde e na comunicação social. Há que falar mais sobre doença renal e sobre os seus factores risco, uma vez que não há ainda um alerta tão grande como para outras doenças. Igualmente importante parece-me ser a sensibilização dos profissionais de saúde sobre a doença renal. É necessária mais formação nesta área, particularmente para os que trabalham em áreas mais abrangentes de saúde familiar e comunitária, para que eles possam também ser agentes de promoção da saúde renal.

Qual é a mensagem principal que gostaria de transmitir à população açoriana, em especial, neste Dia Mundial do Rim?
A principal mensagem que gostaria que ficasse neste Dia Mundial do Rim é a seguinte: a PREVENÇÃO e o RASTREIO são os melhores aliados dos seus rins. Adopte um estilo de vida saudável e mantenha um acompanhamento médico regular. Não há medidas “mágicas”, mas também não são complicadas, basta querer ter um papel principal na sua própria saúde.

Filipe Torres

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