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Bel faz balanço positivo do projetco-piloto e quer leite 100% proveniente de Agricultura Regenerativa até 2030

Decorre hoje, Dia Mundial da Agricultura, o II Congresso de Agricultura Regenerativa, no Auditório do Nonagon, na Lagoa. Promovido pela Bel Portugal em parceria com o GRACE, o evento reúne especialistas nacionais e internacionais, incluindo Odette Menard, consultora do Canadá, além de testemunhos de produtores locais. O objectivo é discutir os desafios e oportunidades da transição para um modelo agrícola mais sustentável. Nesta entrevista, Eduardo Vasconcelos, Director de Compras da Bel Portugal, explica os avanços do projecto-piloto de Agricultura Regenerativa nos Açores, destacando os benefícios desta abordagem para a saúde dos solos, a redução da dependência de produtos sintéticos e a melhoria da qualidade do leite. A Bel Portugal aproveita ainda esta data para assinalar os 10 anos do Programa Leite de Vacas Felizes, lançado em Janeiro de 2015, que já envolve 140 produtores e representa 70% do leite utilizado nos produtos Terra Nostra. Durante o congresso, serão homenageados os 12 produtores pioneiros que ainda se mantêm no programa.

Correio dos Açores – Pode explicar o conceito de agricultura regenerativa?
Eduardo Vasconcelos (Director Compras na Fromageries Bel Portugal, SA) – A agricultura regenerativa é um modelo agrícola baseado na regeneração dos solos. É um modelo que estamos actualmente a desenvolver com os nossos produtores, no sentido de implementar práticas que trabalhem em sintonia com a natureza, reduzindo a dependência de produtos químicos e sintéticos.
Este tipo de agricultura traz vários benefícios: aumenta a fertilidade do solo e a matéria orgânica, intensifica o sequestro de carbono – ou seja, a capacidade do solo de absorver CO₂ da atmosfera –, melhora a resiliência a períodos de seca e a chuvas intensas, cada vez mais frequentes devido às alterações climáticas, e reduz a necessidade de pesticidas, o que contribui para a diminuição dos custos de produção. Além disso, promove um aumento significativo da biodiversidade, tanto a nível de plantas como de insectos e microorganismos. A ideia é utilizar práticas antigas com técnicas modernas, activando a vida no solo para potenciar o crescimento das plantas.
Na agricultura convencional, o uso intensivo de produtos sintéticos e as técnicas de remexer o destroem a sua estrutura e reduzem a biodiversidade.
A agricultura regenerativa procura aproveitar a vida do solo, promovendo a simbiose entre microorganismos e plantas para potenciar o crescimento das forragens. Inclui também a integração dos animais de forma correcta nesta interacção com as plantas, garantindo uma concentração adequada do pastoreio, seguida de um período de descanso das parcelas para a sua regeneração. Assim, as plantas conseguem explorar diferentes níveis do solo e absorver nutrientes a várias profundidades, promovendo uma agricultura que aposta na regeneração natural e na utilização de métodos mais sustentáveis.

Que compromissos a Bel tem vindo a adoptar no incremento da agricultura regenerativa?
Estamos a desenvolver um projecto-piloto, que já entrou no seu terceiro e último ano, envolvendo quatro produtores-piloto. Até ao momento, os resultados têm sido bastante positivos, tanto ao nível da produção de forragens como da melhoria da sua qualidade.
Em termos de estrutura do solo, verificámos uma evolução significativa: se, no início, a profundidade útil do solo era de 5 a 6 centímetros, hoje atinge cerca de 20 a 25 centímetros. O objectivo é continuar a promover a biodiversidade e a capacidade de utilização das camadas mais profundas do solo, beneficiando directamente a alimentação animal.
Este ano marca o fim desta fase experimental, e já estamos a preparar um alargamento destas práticas a mais produtores. O nosso compromisso na Bel é que, até 2030, 100% do nosso leite provenha de explorações que adoptem práticas de agricultura regenerativa.
Sabemos que esta mudança não acontece de um dia para o outro. A transição para a agricultura regenerativa é um processo gradual, que exige tempo para a adaptação dos solos e das explorações. Não se pode pôr em risco a rentabilidade dos produtores. Mas o objectivo é, no futuro, trazer maior rentabilidade e um processo mais natural de produção do nosso leite para os nossos produtos lácteos, como é o caso do Terra Nostra, um produto de excelência que pretendemos que simbolize o natural e o verde.

Que desafios ainda enfrentam para a adopção destas práticas pelos agricultores e o que pode ser feito para acelerar a transição?
O maior desafio é a mentalidade. Durante muitos anos, foram utilizadas técnicas convencionais, e existe ainda muito cepticismo em relação à agricultura regenerativa. É curioso que, nos nossos produtores-piloto, começámos sempre com uma pequena parcela das explorações, e a dúvida inicial é sempre a mesma: ‘será que isto vai funcionar?’ Só depois de compreenderem toda a dinâmica e de verem, na prática, os resultados, é que se torna possível ultrapassar essa resistência.
Portanto, o nosso maior desafio é acompanhar os produtores. É fundamental dar apoio técnico, porque não basta simplesmente deixar de usar produtos sintéticos ou deixar lavrar a terra. Não se trata apenas de “parar de fazer”, mas sim de saber o que é preciso corrigir no solo para garantir uma boa estrutura e que plantações devem ser introduzidas para se apoiarem umas às outras. O essencial é que os produtores experimentem e compreendam que há um período de transição, durante o qual é fundamental seguir as recomendações técnicas.
Além disso, há também o desafio do próprio sistema agrícola, que ainda favorece a intensificação e a elevada dependência de produtos químicos e sintéticos. Para alterar essa realidade, não basta uma empresa como a Bel. É preciso criar uma massa crítica que trabalhe no mesmo sentido e impulsione esta mudança.
Além disso, também há a questão de todo o sistema implementado no terreno, que continua a favorecer a intensificação e o uso contínuo de produtos químicos e sintéticos. Este é um sistema que não pode ser mudado apenas por uma empresa como a Bel – é preciso criar uma massa crítica para que todos trabalhem no mesmo sentido e esta mudança possa realmente acontecer.
Outro ponto essencial é o conhecimento. Ainda há pouca informação sobre agricultura regenerativa, e é por isso que, no nosso projecto-piloto, trabalhamos com um consultor nacional, um norte-americano, um inglês e um italiano. É importante trazer diferentes perspectivas, porque cada realidade agrícola é diferente. Muitas vezes, em Portugal, ouvimos dizer: ‘isso só funciona noutros países’. Mas não é verdade. A agricultura regenerativa funciona em qualquer parte do mundo, desde que adaptada às condições locais. É preciso também adaptar-se às condições locais, e é este conhecimento que tem de ser criado e adquirido para realmente podermos transformar o modo como se produz leite nos Açores.
Os Açores têm um potencial excepcional para a produção de leite, e nada melhor do que associar esse modo natural e mais amigo do ambiente à agricultura regenerativa, para reforçar a posição da Região em matéria de sustentabilidade.

Com a agricultura regenerativa, as vacas vão comer mais erva e menos ração? Quer esclarecer?
Esta questão não pode ser transposta assim a preto e branco, porque depende muito do tipo de produtor. Se um produtor tem forragens mais pobres, realmente pode acontecer que, com a agricultura regenerativa, consiga potenciá-las e produzir forragens de alta qualidade. Nesse caso, pode reduzir o uso de concentrados, e quando falamos de reduzir concentrados, referimo-nos sobretudo à parte proteica do concentrado, tirando mais proveito das proteínas já presentes nas forragens.
Portanto, claro que essa alternativa pode trazer melhor resiliência, porque o produtor pode ficar menos dependente de insumos externos. Mas isso depende de caso para caso. Se um produtor já estiver mais avançado, pode garantir forragens de melhor qualidade ou, mesmo tendo um rendimento ligeiramente menor, acabar por reduzir os custos.
Ou seja, isso varia de produtor para produtor, dependendo do nível em que já está, e não se pode generalizar de forma absoluta. O que sabemos, de uma maneira geral, é que há realmente uma redução na utilização de produtos sintéticos e químicos.

De que forma estas práticas impactam a qualidade dos produtos agrícolas e que benefícios directos trazem para os consumidores?
Existem vários benefícios. Eu começaria pelo primeiro, que é o ambiental. Com a agricultura regenerativa e o aumento da biodiversidade, reduz-se a erosão dos solos e diminui-se a lixiviação de químicos, que de outra forma acabariam por contaminar os nossos recursos hídricos. Portanto, há aqui um impacto ambiental muito positivo.
Para além disso, a alimentação animal passa a ser mais baseada em forragens de alta qualidade, o que pode trazer benefícios para o leite, nomeadamente um aumento dos níveis de ómega 3 e CLA (Ácido Linoleico Conjugado), ácidos gordos benéficos para a nutrição humana.Dessa forma, conseguimos produzir produtos de maior qualidade. O Terra Nostra, com o Programa Leite de Vacas Felizes, já iniciou este trabalho a nível nutricional, e a agricultura regenerativa surge como um complemento essencial para esse objectivo.

Quais foram as conclusões mais importantes do primeiro congresso e, passado um ano, o que se espera do painel deste ano?
A ideia do Congresso não é tirar conclusões, mas sim promover e reforçar a consciência para este tipo de agricultura.
O primeiro Congresso esteve mais focado no projecto que estávamos a iniciar, em mostrar o que planeávamos fazer e, ao mesmo tempo, o panorama do que se faz noutros países. Contámos com a participação de uma consultora e produtora de leite do estado de Nova Iorque, bem como de um consultor português, que falou sobre os princípios da Agricultura Regenerativa. Ou seja, o objectivo foi abrir a discussão sobre o tema e sensibilizar as pessoas para este modelo de agricultura.
No segundo Congresso, queremos continuar a mostrar o que se faz noutros países. Teremos, por exemplo, a participação de uma consultora e especialista em solos do Canadá. Cada vez mais regiões estão a adoptar este tipo de agricultura, e não devemos ficar para trás.
Além disso, vamos apresentar os principais ensinamentos que retirámos do nosso projecto, nomeadamente na produção de forragem, na melhoria da estrutura dos solos e na integração dos animais nas pastagens com uma rotação correcta.
A ideia é partilhar esse conhecimento, e, no final, haverá uma mesa-redonda para debater questões sobre Agricultura Regenerativa e continuar este processo de sensibilização.

Que mudanças gostaria de ver no sector agrícola nos próximos anos?
Acredito que este modo de agricultura tem um objectivo muito claro e importante: reconhecer que os solos são a base da produção agrícola. Sem solo e água, dificilmente conseguimos produzir alimentos. Por isso, o sonho e objectivo é que possamos deixar, para as gerações vindouras, a protecção dos recursos hídricos e um solo saudável, que possa continuar a produzir por muitos anos sem necessidade de recorrer a produtos sintéticos. Estes produtos têm a sua finalidade, mas também podem ter efeitos negativos, muitas vezes provocando contaminação e lixiviação dos recursos hídricos.
Portanto, o objectivo é deixar um solo vivo e saudável para as futuras gerações, garantindo que os produtores possam continuar a produzir de uma forma mais natural e com custos mais baixos.

No Dia Mundial da Agricultura, que mensagem gostaria de deixar aos agricultores e ao público em geral?
Aos produtores, gostava de dizer que o mais importante é ter uma mente aberta, porque há sempre possibilidade de fazer melhor. Temos de testar, aprender com os erros e corrigi-los, porque o nosso processo de aprendizagem é assim mesmo. Mas o essencial é que é possível melhorar e adoptar uma forma mais correcta de produzir. Tenho a certeza de que aqueles que experimentarem este modelo e seguirem as indicações dos consultores não vão voltar atrás.
Já aos consumidores, a mensagem é para que mantenham a exigência por produtos mais saudáveis, amigos do ambiente e que respeitem os animais, porque este é realmente o caminho certo. É precisamente isso que procuramos fazer com a nossa marca Terra Nostra, e felizmente os consumidores têm aderido. É possível produzir alimentos de uma forma sustentável e duradoura.
Por fim, gostaria de assinalar que, neste dia, durante o Congresso, vamos celebrar os 10 anos do Programa de Leite Vacas Felizes. Actualmente, temos cerca de 140 produtores, e cerca de 70% do nosso leite já provém do Programa de Leite Vacas Felizes, sendo utilizado a 100% nos produtos Terra Nostra.
Vamos assinalar esta data com os nossos produtores, reconhecendo aqueles que foram pioneiros e continuam na vanguarda. Temos 12 produtores que iniciaram o programa desde o primeiro dia e que ainda hoje se mantêm connosco – e queremos reconhecer o seu trabalho.
Daniela Canha

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