Há oito anos à frente da Junta de Freguesia de Santo Antão, na ilha de São Jorge, Paula Borges reflecte sobre um percurso marcado por desafios e conquistas, sempre com o compromisso de “Dar Vida a Santo Antão”. Prestes a concluir o segundo mandato, destaca o trabalho realizado para aproximar a junta da população e melhorar a qualidade de vida dos fregueses. No entanto, alerta para problemas urgentes, como o envelhecimento populacional, a falta de habitação e a necessidade de um lar de idosos. Com a agricultura como setor dominante e o turismo em crescimento, defende que o futuro da freguesia depende de investimentos que fixem os mais jovens e dinamizam a economia local.
Correio dos Açores – Qual a sua experiência enquanto Presidente da Junta de Freguesia de Santo Antão?
Paula Borges (Presidente da Junta de Freguesia de Santo Antão) – Tem sido um caminho longo, nem sempre fácil, mas extremamente enriquecedor.
Neste momento, encontro-me a terminar o segundo mandato como presidente do executivo. Ao terminar o segundo mandato, recordo-me do que me trouxe até aqui, o que me levou a querer ser presidente da Junta. O primeiro, porque esta é a minha terra e estas são as minhas gentes, e por elas terei sempre uma dívida de gratidão. Depois porque acreditava que era possível fazer diferente, mesmo com todas as limitações conhecidas à partida.
Aquilo que nos comprometemos ao longo destes oito anos foi “Dar Vida a Santo Antão”.
Foi sob este lema que organizamos as nossas atividades, foi sobre este lema que elaboramos os nossos projetos, é sobre este lema que reivindicamos, é sobre este lema que trabalhamos.
O nosso lema, representa o nosso compromisso e a proximidade que temos com a nossa população.
É certo que, ao longo deste tempo, muita coisa foi feita, muitos passos foram dados na direcção certa, mas acredito e foco-me no que ainda falta fazer.
Numa altura em que o poder político cai cada vez mais em descrédito, a maior conquista que sinto que alcançamos foi a confiança da população.
Quais são os principais desafios, necessidades e dificuldades que a freguesia enfrenta?
Acredito que a perda significativa da população, seja o maior desafio que temos pela frente.
Como necessidades, pela importância que poderá vir a ter para toda a população desta ponta da ilha (Topo e Santo Antão), acredito que a criação da valência de Lar de Idosos, no Centro Intergeracional de Santo Antão, representa um ponto fundamental para aquilo que é o nosso futuro. Esta valência, iria colmatar uma fragilidade que existe actualmente no apoio aos nossos idosos, sendo que iria permitir ao Centro Intergeracional, possuir uma oferta completa, com Lar, serviço de apoio ao domicílio e centro de dia. Iria também contribuir para fixação de pessoas com a criação de emprego. Por último, mas não menos importante, os nossos idosos, teriam a possibilidade de ficar junto das suas famílias, naquela que é a sua terra. Terra na qual trabalharam uma vida.
Ao nível também necessidades, acredito que os nossos caminhos agrícolas e as nossas estradas, merecem uma maior atenção e ação por parte das entidades competentes.
Qual é o sector mais desenvolvido na freguesia de Santo Antão?
O sector com mais desenvolvido na nossa Freguesia é o sector agrícola, representando uma parte significativa da economia local. Aqui se situa a fábrica de Queijo Finisterra, e aqui é produzido o famoso Queijo do Topo, internacionalmente reconhecido por ser um produto de excelência.
De acordo com os últimos CENSOS, a freguesia viu o seu número de habitantes a diminuir nos últimos anos. Em 1950 tinha 2.000 habitantes. Neste momento, encontra-se com 629 habitantes. Em sua opinião, a que se deve este facto?
Infelizmente é uma realidade, que deve servir de alerta para o futuro.
Enquanto junta de freguesia, temos alertado para este facto, junto das entidades competentes e sinceramente não me parece que esteja a ser feito tudo para inverter esta tendência.
É certo que nesse horizonte temporal, existiram uma série de desastres naturais, que acabaram por impactar, como o sismo de 1980, em que parte das pessoas partiu e não voltou, seja por ter perdido tudo, seja pelo trauma.
Contudo, olhando para um horizonte temporal mais curto, em 2011, segundo dados dos censos, tínhamos 745 habitantes, o que representa uma perda considerável para os dias de hoje.
Se considerarmos que actualmente Santo Antão, apresenta uma parte significativa da população em idade avançada, e que as oportunidades que surgem não são suficientes para fixarmos os mais jovens, acredito que se não fizermos nada, o problema irá continuar.
Temos alertado para a necessidade de serem feitos investimentos, que potenciem a criação de emprego, principalmente para os mais jovens.
Também acredito que, dentro dos apoios à habitação, deverá existir uma majoração, numa freguesia como a nossa, que tem vindo a perder população de forma acentuada.
Acredito que com a criação de emprego, e apoios à habitação, conseguiremos inverter o declínio.
A falta de habitação é um problema na freguesia?
A falta de habitação é, de facto, um problema crescente na nossa freguesia. O que é um facto interessante, dado o número de habitações existentes.
Contudo o facto de muitas habitações pertencerem a emigrantes, e estes não pretenderem vender ou alugar, leva a que o número de casas no mercado para venda ou arrendamento, seja relativamente reduzido.
As verbas são suficientes para gerir a freguesia ao longo do ano?
Essa é uma situação muito desafiadora para qualquer Executivo de uma Junta de Freguesia.
O facto de ser a instituição mais próxima da população, confere-lhe um conhecimento directo das necessidades das pessoas. É facto que sempre tentamos ajudar, contudo muitas das vezes estamos condicionados.
No entanto, o facto é que as Juntas de Freguesia têm orçamentos limitados o que torna este papel ainda mais desafiador, especialmente quando muitas vezes precisamos priorizar as necessidades mais urgentes. O lema de uma Junta de Freguesia é com pouco fazer muito.
É uma questão que merece uma reflexão, que papel deverá ter as juntas de freguesias, em meios pequenos e isolados como o nosso.
Acredito que com recursos reforçados, conseguiríamos fazer muito mais em prol da população.
Quais são as condições de apoio à população idosa na freguesia? Existem actividades ou serviços específicos para melhorar a qualidade de vida dos idosos? O número de lares de idosos é suficiente?
Os apoios à população idosa são maioritariamente prestados pelo Centro Intergeracional de Santo Antão, uma instituição de extrema importância nesta ponta da ilha, quer pelos serviços que presta, quer pelo emprego que gera.
O Centro Intergeracional presta serviços de apoio ao domicílio, tendo também a valência de centro de dia.
Nós enquanto junta de freguesia, também tentamos prestar um apoio à população mais idosa, seja através do gabinete de apoio ao Idoso, criado com o objectivo de auxiliar as pessoas mais idosas da nossa freguesia nos seus problemas diários, seja nas diversas actividades que realizamos destinadas à população sénior.
Contudo, pese embora todo o esforço das instituições, possuímos uma lacuna que o Governo tem a possibilidade de suprir a curto prazo. Trata-se da criação da valência de Lar de Idosos, no Centro Intergeracional de Santo Antão. Esta valência iria preencher uma lacuna que existe atualmente nesta ponta da Ilha de São Jorge.
Considero fundamental, a criação da valência do Lar de Idosos, para aquilo que é o futuro da nossa freguesia.
Quais são os principais eventos culturais ou festivos da freguesia? Como têm evoluído ao longo dos anos?
Ao nível religioso, as nossas principais festas são o Espírito Santo.
São uma celebração tradicional muito importante para a nossa Freguesia. As festas do Espírito Santo têm uma grande carga religiosa e cultural, sendo um momento de união, devoção e celebração de fé.
As festas têm lugar ao longo do período de 8 semanas que andam entre o Domingo de Páscoa e o Domingo da Trindade. Nas primeiras 6 semanas têm lugar os jantares, conhecidos por primeiro jantar, segundo jantar, terceiro jantar, e assim sucessivamente. Nas últimas duas semanas têm lugar a chamada, Festa velha, no Domingo de Pentecostes e Festa nova, no Domingo da Trindade.
São uma oportunidade para as pessoas se reunirem em torno da tradição, com diversas actividades religiosas, como missa, procissões, distribuição de esmolas e culmina com a oferta de um almoço das nossas tradicionais “sopas do Espírito Santo”. Pese embora seja suspeita, atrevo-me a dizer que as melhores sopas do Espírito Santo, são servidas em Santo Antão.
Também gostaria de destacar, uma festa muito nossa e que nos orgulha muito, o Bodo de Leite que se realiza na Segunda-feira do Espírito Santo. Neste dia, o gado da freguesia desfila pela rua principal, passando em frente à Igreja de Santo Antão. Há também o desfile de carros alegóricos, sempre alusivos a um tema. Esses carros são, na sua maioria, puxados por juntas de bois. Para além do corteja, existe uma procissão, onde o Padroeiro, Santo Antão, sai à rua. Nela também participam as nossas bandas filarmónicas da freguesia, a Sociedade Nova Aliança e a Sociedade Progresso e Recreio dos Lavradores. Neste dia, é ainda oferecido massa, queijo e vinho a todos os presentes, numa festa que chega a juntar centenas de pessoas. Não faltando, claro, as sopas do Espírito Santo.
A freguesia tem potencial para se desenvolver em que sectores?
Sendo muito suspeita para falar, acredito que a freguesia de Santo Antão apresenta grandes potencialidades, em vários sectores. Desde logo, no turismo. Existe uma procura cada vez maior nos alojamentos existentes na freguesia, uma demonstração que as pessoas pretendem visitar-nos e em muitos casos conhecer a cultura e as nossas tradições. Acredito que será o sector a crescer no médio prazo.
A agricultura continuará a ser uma área com potencial de crescimento na nossa freguesia, principalmente ao nível da produção de leite. Primeiro pelos valores pagos aos produtores (pelo litro de leite), depois por nos últimos anos, o número de produtores ter vindo a reduzir-se.
Quais são as expectativas para 2025?
Continuar o caminho que tem sido traçado até aqui.
Avançar com os diversos projectos que temos entre mãos, e trabalhar para a sua conclusão.
Continuar a ser um pilar fundamental para a população.
Acima de tudo, continuar a “Dar Vida a Santo Antão”.
Filipe Torres
