A UMAR Açores – Associação para a Igualdade e Direitos das Mulheres apresenta hoje, às 14h30, no Hotel Marina Atlântico, o livro que retrata a sua história, assinalando três décadas de lutas e conquistas pelos direitos das mulheres na região. Em entrevista, Maria José Raposo, presidente da associação, destaca o impacto do trabalho desenvolvido desde a fundação da organização, evidenciando avanços na igualdade de género, no acesso à educação e nos direitos laborais. “Esperamos que este livro ajude as leitoras a compreender que este passado, embora não tão longínquo, foi decisivo”, afirma.
Correio dos Açores – O que significa para a UMAR-Açores publicar a “História da UMAR-Açores”? Como ele reflecte a trajectória da organização ao longo dos anos?
Maria José Raposo (Presidente da UMAR Açores – Associação para a Igualdade e Direitos das Mulheres) – Foi aqui que se deu o início de todo um processo, um encontro em que Clarisse Canha, fundadora da UMAR-Açores, e um grupo de associadas comprometidas, na altura, tomaram consciência do impacto da Revolução de 25 de Abril e das transformações que o país estava a viver após 1974. Foi também nesse período que os Açores começaram a compreender que a voz das mulheres precisava ser ouvida, e que as mulheres deviam ser, como costumamos dizer, ‘ditas e achadas’ – não apenas no contexto familiar, mas, sobretudo, no contexto laboral.
Portanto, as primeiras lutas começam precisamente no campo do acesso ao trabalho, uma luta que não era diferente da que se verificava no continente. Foi então que Clarisse Canha e esse grupo de sócias fundadoras decidiram também criar a UMAR-Açores. O que nós estamos a fazer neste momento é precisamente isso: pôr em relato escrito tudo o que se fez nesses últimos 30 anos para deixar às gerações futuras.
Neste livro, condensamos tanto os objectivos atingidos, como aqueles que ainda estão por alcançar, todo o percurso que a UMAR fez, toda a desocultação e visibilidade que a UMAR tem dado a certas e determinadas temáticas, nomeadamente ao Dia Internacional da Mulher. Há 30 anos, acredito que havia um grupo de amigas solidárias com a causa, que seguiam quase na clandestinidade – era uma coisa assim, muito à porta fechada. Hoje em dia, a UMAR-Açores pode deixar este dia para ser celebrado por outras instituições, outras associações e outros grupos informais. Ainda este ano, houve mais de 30 eventos do Dia Internacional da Mulher nos Açores, eventos que aconteceram em prol dos direitos humanos. Não nos podermos esquecer que os direitos das mulheres são direitos humanos.
É fundamental reconhecer todo este percurso: as conquistas alcançadas pela UMAR ao longo dos anos, o trabalho desenvolvido e a forma como mobilizou o interesse das associadas, sempre com o apoio de técnicas especializadas. A partir de determinada altura, a actuação da UMAR passou a focar-se directamente no apoio aos utentes, tornando-se um trabalho altamente especializado e profissional. E é essa exigência que o futuro nos impõe.
Quanto mais o nosso trabalho for personalizado e especializado, melhor e maior será a nossa capacidade de atender e acompanhar as mulheres em risco e as mulheres vítimas de violência.
Quais foram os maiores desafios que a UMAR dos Açores enfrentou ao longo desses 30 anos de actuação?
Os desafios estão no presente. Neste momento, estamos a realizar esta entrevista com respeito pelos direitos e papéis de cada um, em total liberdade – algo que, há 30 anos, seria impensável.
O uso da palavra, o direito das mulheres, a sua visibilidade no mercado de trabalho, no seio da família e na conciliação entre a vida familiar e a vida profissional; o acesso ao emprego, a garantia de um salário justo – trabalho igual, salário igual; o acesso à escolarização – tudo isso tem sido lutas que a UMAR tem travado ao longo dos últimos 30 anos.
A UMAR foi pioneira na luta pelo direito à Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG), independentemente das opiniões individuais, defendendo que cada pessoa deve ser livre de decidir sobre o seu próprio corpo. Além disso, trabalhou em conjunto com outras organizações na elaboração de um manifesto em prol desse direito.
São, portanto, inúmeras as lutas que temos vindo a reivindicar e, de certa forma, temos estado na dianteira da mudança dos estereótipos de género, do derrube dos preconceitos e dos mitos em relação ao papel da mulher na sociedade.
Neste caso na sua opinião quais são as mudanças mais significativas que ocorreram no panorama social e político dos Açores no que diz respeito aos direitos das mulheres desde a fundação da UMAR?
Olha, o primeiro ponto é que isso tem muito a ver com a educação e o direito à educação.
Há 30 anos, eram muito poucas as mulheres que tinham acesso à educação. Numa sociedade extremamente patriarcal e machista, as mulheres não eram incentivadas a ir para a escola, mas sim a aprender os deveres da casa e a ser boas mães, boas esposas e boas domésticas.
Este paradigma, felizmente, tem vindo a ser derrubado ao longo dos anos, graças ao trabalho de outras instituições e do Governo, e hoje ninguém põe isso em causa. Hoje em dia, a nossa preocupação é com o absentismo escolar, que é maior nos rapazes do que nas raparigas, mas continua a ser um problema actual.
O direito à educação também inclui o acesso ao ensino universitário, pois muito poucas eram as mulheres que tinham essa oportunidade. Muitas não podiam sair de casa e outras, pelas condições de género, simplesmente não tinham permissão para estudar no continente, só por serem raparigas.
Depois, a conquista do direito ao trabalho, alcançada ao longo dos últimos anos. Seguiram-se lutas fundamentais, como as licenças de maternidade e, hoje em dia, a licença de parentalidade.
Portanto, são essas as lutas que talvez possamos designar como as mais visíveis e mais transformadoras da sociedade que hoje temos.
E o que é que espera que os leitores, especialmente as mulheres açorianas tirem deste livro?
Nós esperamos que as leitoras olhem para este livro e vejam todo um passado que não foi assim tão longínquo, que dêem valor a essas mulheres que lutaram há 30 anos para nós que estarmos onde estamos, e que que esse exemplo sirva de inspiração e de motivação para continuar noutras lutas, em outras áreas.
Sobretudo nos tempos em que atravessamos, se não conseguimos novas conquistas, mas pelo menos reafirmarmos as conquistas de outrora.
Tem algum momento específico neste livro que destaque sobre a luta dos direitos e das mulheres nos Açores? Tem algum evento que queira destacar?
O momento mais significativo para nós está precisamente no capítulo III, que marca uma grande evolução onde revelarmos as raízes do feminismo. O feminismo não se opõe à masculinidade, mas ao machismo.
O machismo é uma ideologia tóxica para a sociedade que devemos combater. Este capítulo reflecte também o nosso activismo numa esfera internacional, com a nossa participação em redes e eventos nacionais.
A nível regional, nos Açores, existem ainda poucas instituições, com presença na Terceira, no Faial e em São Miguel, e brevemente no Pico. Além disso, temos sido uma parte activa na promoção e celebração dos direitos das mulheres, através dos nossos contactos, sites, páginas em jornais, tanto na Terceira como em São Miguel, e do nosso programa de rádio, já transmitido na Horta.
Esses esforços, que compõem a nossa trajectória, são a base para o futuro que queremos construir. E, assim como a pegada ecológica, a nossa pegada feminista também se estende ao futuro, marcando o caminho que devemos seguir.
Quais são as principais acções e projectos da UMAR dos Açores para o futuro?
Neste momento, damos continuidade, com muita firmeza, ao projecto protocolado “SOS Mulher”, em que fazemos o acompanhamento às mulheres. Temos uma linha integrada neste projecto, que funciona todos os dias, das 7h à 0h, oferecendo uma linha de esclarecimento e de tiragem de dúvidas para quem nos quiser ligar.
Portanto, o nosso objectivo é fazer crescer, sobretudo, este projecto e alargar o “SOS Mulher”. Quando digo alargar, refiro-me a dois momentos muito importantes: o primeiro seria passarmos a atender e a acompanhar os mais jovens, a partir dos 12/13 anos. Quando realizamos as acções sobre a violência no amor, percebemos que há muitas situações que precisam de acompanhamento e trabalho, e temos a possibilidade de orientar e encaminhar os jovens para acompanhamento psicológico, uma vez que as respostas disponíveis são estáveis.
Seria muito bom para nós se conseguíssemos alargar o “SOS Mulher” em termos de recursos humanos, sobretudo aqui em São Miguel.
O outro ponto seria, a nível regional, nos Açores, a implementação do projecto da UMAR Nacional, que é uma intervenção junto dos jovens, precisamente nessa faixa etária, e não só, mas sobretudo para a mudança de comportamento em relação às violências no namoro.
Queremos realizar um trabalho contínuo nas escolas, um trabalho de três anos, em que cada turma seja acompanhada pelo menos durante três anos. E, para isso, evidentemente, precisamos de recursos humanos, quer aqui, quer na Terceira, quer no Faial. Mas, proximamente, essas serão as grandes lutas da UMAR em termos de igualdade de género.
Que mensagem gostaria de deixar para as mulheres açorianas?
Estamos a trabalhar há 30 anos e podem contar connosco por pelo menos mais trinta. Com novas técnicas, novas pessoas, mas com o mesmo empenho, dedicação e vontade de sempre. Como disse há pouco, que a nossa pegada feminista seja também uma pegada verde, sustentável e saudável.
Filipe Torres
