Idealizado por Laurinda Sousa, “Take 1” é a primeira exposição do projecto de pesquisa e divulgação sobre a história do Atlântida Cine. Cartazes, ilustrações, testemunhos e objectos são algumas das componentes visíveis nesta mostra expositiva. Frank Sinatra foi um dos grandes nomes que pisou as tábuas desta sala de espectáculos localizada na zona do Aeroporto, em Santa Maria. Dinamizado por várias gerações e em diversas fases, e depois de um período de 15 anos de inactividade e abandono, o Atlântida Cine continua a ser fundamental para sociedade mariense.
O Atlântida Cine – também conhecido como “Cinema do Aeroporto” – define-se como um marco histórico de Santa Maria, relativamente, numa primeira instância, à presença militar americana na zona aeroportuária da ilha, e, por outro lado, por ser um palco importante na criação artística a nível local e regional. Apesar do desabamento do edifício original do cinema, de mais de uma década de inactividade, e da reformulação arquitectónica do seu espaço, o Atlântida Cine continua a ser, nos dias de hoje, o centro da actividade cultural na “ilha do sol”.
Legado histórico do Atlântida Cine
“Luzes, Câmara, Memória” é uma ideia original de Laurinda Sousa. O projecto tem como objectivo o desenvolvimento de investigação, recolha, partilha e criação artística, com base no legado histórico e cultural do Atlântida Cine.
O Atlântida Cine é indissociável da presença da base americana e dos “anos de ouro” do aeroporto da ilha. Lê-se na folha de sala da primeira exposição do projecto – “Take 1” – que o Cinema do Aeroporto é um “símbolo icónico de um passado recente que transformou a identidade sociocultural da própria ilha, as histórias e as memórias em torno deste antigo cineteatro, cruzam-se com o Aeroporto Internacional de Santa Maria que trouxe à ilha um ambiente cosmopolita em que muitas vezes a realidade se confundia com a ficção”.
Desde os anos 40, o Atlântida Cine passou por várias transformações, mas “sempre foi mais do que um simples cinema”. As tábuas da sala de cinema e espectáculo na zona do Aeroporto acolheram grandes artistas, tanto nacionais quanto internacionais, e foi um ponto de encontro de várias gerações na dinamização “efervescente” de diversas actividades culturais. O Cinema do Aeroporto significa concertos icónicos, teatros vistosos, sessões de cinema com os filmes da moda e destinado a todas as faixas etárias, como também é sinónimo da vida nocturna e social da população mariense.
Frank Sinatra em Santa Maria
Em 1945, Frank Sinatra ingressava numa digressão internacional pelas bases militares dos países aliados, durante a Segunda Guerra Mundial. No dia 14 de Junho do mesmo ano, o famoso cantor e ícone americano deslocou-se à ilha de Santa Maria, onde deu um espectáculo no Cinema do Aeroporto (na altura, com capacidade para 1500 pessoas) destinado às forças norte-americanas presentes na base militar. No dia anterior a este concerto em solo mariense, Sinatra teria actuado nas Lajes, mais propriamente na base britânica da Royal Air Force (Força Área Real).
Pedros Barros Costa, num artigo de 2017 para a revista da Associação LPAZ (Associação para a Valorização e Promoção do Aeroporto de Santa Maria), refere que as actuações em Santa Maria e na Terceira foram “os primeiros concertos de Frank Sinatra na Europa”.
Infelizmente, não existe grande documentação em relação a este momento histórico da Região.
“Ao contrário do que sucede com a deslocação à Terceira, a passagem de Sinatra por Santa Maria quase não está documentada. A localização da base, construída após um difícil acordo diplomático entre Salazar e os EUA, manteve-se confidencial até Agosto de 1945, para não quebrar a aparência de neutralidade de Portugal”, explica o jornalista Pedro Barros Costa no mesmo artigo.
“Take 1” e a memória colectiva
A exposição “Take 1” é, para Laurinda Sousa, uma “espécie de primeira etapa de um trabalho em progresso”.
Nesta mostra expositiva e documental deseja-se “acender os holofotes sobre um período de grande efervescência cultural na ilha, onde, durante décadas, se cruzaram e entrelaçaram, de forma harmoniosa, diferentes gerações e expressões artísticas”.
A exposição está organizada por “estações”. Começa por apresentar um painel de fotografias com a evolução arquitectónica do edifício, seguindo-se alguns exemplares originais de cartazes de filmes datados entre as décadas de 70 a 90. É possível recordar uma antiga vitrine e ver alguma maquinaria da antiga sala de projecção, bem como as cadeiras que estavam presentes no edifício (antes do seu encerramento, em 2007). A exposição contempla ainda alguns equipamentos antigos, como por exemplo o “gongo”, que era tocado e ouvido no início das sessões de cinema. Durante o percurso, o visitante poderá observar os quadros da autoria de Fernando Matos, datados de 1949, com ilustrações das estrelas da época, e que foram cedidos pelo Clube ANA para a respectiva exposição. Há também uma selecção de cartazes, reproduzidos no tamanho e cor originais, dos filmes exibidos entre os anos 40 e 60, como também alguns exemplares de cartazes que, à época, eram desenhados à mão e que eles próprios representam autênticas obras de arte.
Os painéis centrais contam com alguns recortes de jornais, fotografias de espectáculos, do público e material dos artistas que passaram pelo Atlântida Cine, com destaque para Frank Sinatra, Amália Rodrigues, Tony de Matos e Simone de Oliveira. Foram construídas três vitrines sobre os temas mais emblemáticos do Atlântida Cine: Teatro, Cinema e Música.
“Take 1” é um convite para que se deixem levar numa “viagem emocional e sensorial, tomando assim parte de uma memória colectiva que pertence a todos, e a cada um de nós”.
“São individuais as lembranças, mas todas, em conjunto fazem parte de uma memória colectiva que importa resgatar, preservar e projectar”, destaca a criadora do projecto.
Esta exposição abriu ao público no passado dia 30 de Março e continuará patente no Atlântida Cine até ao próximo dia 30 de Maio.
José Henrique Andrade