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“Quando a exaustão passa a ser um estado ‘normal’, perdemos a capacidade de reconhecer o perigo”, afirma Flávia Bessa

Nos dias que correm o stress já faz parte do dia-a-dia das pessoas contudo, muita gente é levada ao extremo, pelas mais diversas razões, e acaba por sofrer de burnout. O Correio dos Açores falou com Flávia Bessa, especialista em psicologia clínica e da saúde, que alerta para os sinais que o corpo dá, quais são as principais causas de stress, como podemos aprender a lidar com o stress e assume: “O stress tornou-se quase uma linguagem comum, mas o que mais me preocupa é a normalização do cansaço”.
Correio dos Açores – Como tem sido o seu percurso até ao dia de hoje?
Flávia Bessa (Especialista em Psicologia Clínica e da Saúde) – O meu percurso foi sendo construído entre a curiosidade e a empatia. Desde cedo percebi que as pessoas sofrem muito em silêncio e que, por trás de cada sintoma, há sempre uma história que precisa de ser escutada com tempo e sem pressa. Foi essa vontade de compreender o que se passa dentro das pessoas quando a vida lhes pede mais do que conseguem dar, que me levou à Psicologia e à Psicoterapia.
Sou psicóloga clínica e psicoterapeuta e, há mais de 15 anos que acompanho pessoas que chegam ao limite, exaustas, a duvidar de si e a tentar ser fortes constantemente. Talvez por também eu ter passado fases muito exigentes na minha própria vida, sei bem o quanto é difícil pedir ajuda quando nos sentimos assim.
O que me move é ver alguém voltar a recuperar o brilho no olhar e reencontrar-se com a vida, de forma mais plena e serena. É esse o propósito do meu trabalho.

Como define stress?
O stress é a forma como o corpo e a mente reagem às exigências da vida. É uma resposta natural, que nos prepara para agir, resolver problemas e adaptar-nos. Em doses equilibradas, o stress é positivo e adaptativo: ajuda-nos a concentrar, a reagir com rapidez e a superar desafios. O problema começa quando deixa de ser temporário e passa a ser constante. Quando o corpo fica em “modo alerta” durante demasiado tempo, o stress deixa de proteger e começa a desgastar. Aquilo que era uma força de adaptação transforma-se numa sobrecarga que fragiliza o corpo e a mente.

Quais são as principais causas de stress?
Atualmente, o stress nasce menos das circunstâncias e mais da forma como nos relacionamos com elas. Vivemos numa cultura da pressa, da produtividade e da comparação constante. As pessoas sentem que nunca são suficientes, seja no trabalho, no ambiente familiar, ou em si mesmas.
Há ainda outros fatores: excesso de responsabilidades, falta de tempo para descansar, relações conflituosas ou ausência de apoio emocional. O que mais observo no consultório e nas formações que dou, é que o stress é gerado pela dificuldade em dizer “não” e em reconhecer os próprios limites.

A que sintomas devemos estar atentos?
O corpo dá sinais muito antes de a mente perceber o que está a acontecer. Cansaço constante, dores musculares, insónias, irritabilidade, dificuldade de concentração e a sensação de estar “no limite” são alertas importantes. Do ponto de vista psicológico, surge ansiedade, desânimo, perda de prazer e distanciamento emocional.
Ouço diariamente: “Sinto-me a funcionar em piloto automático”, “Acordo cansada”, “Não tenho paciência para ninguém”, são sinais evidentes de que algo não está bem.

Pode indicar algumas estratégias para lidar com stress?
É importante falar de estratégias que realmente funcionam e estão validadas cientificamente. Regulação corporal – O stress manifesta-se no corpo e é nele que precisa de ser regulado. Práticas como respiração profunda, relaxamento muscular e exercício físico regular, ajudam a reduzir o cortisol e a restaurar o equilíbrio do sistema nervoso. Não se trata apenas de evitar o que provoca stress, mas de devolver ao corpo a sensação de segurança.
Mudança de discurso interno – Reconhecer e validar o que se sente é fundamental, bem como, mudar o nosso discurso interno, substituindo autocrítica por compreensão. Em vez de nos julgarmos quando sentimos cansaço ou sobrecarga, devemos aprender a validar os nossos sentimentos, dizendo a nós mesmos: “É normal sentir-me assim em momentos difíceis”. A autocompaixão, ajuda a aliviar a tensão e permite que a mente e o corpo se acalmem. No fundo, é tratarmo-nos com a mesma gentileza com que trataríamos um amigo. Essa atitude reduz a pressão interna e facilita o processo de recuperação.
Gestão do tempo e dos limites – Usar o “não” como ferramenta de saúde é uma das tarefas mais desafiantes, mas também das mais libertadoras. Muitas pessoas dizem “sim” a tudo para evitar conflitos enão desiludir os outros, mas acabam por se afastar de si próprias. Aprender a dizer “não” é um dos passos mais importantes para prevenir o stress: não é um ato de egoísmo, é um gesto de autocuidado e respeito pelos próprios limites.
Micro-pausas de recuperação – Fazer pequenas pausas ao longo do dia é mais importante do que parece. Parar um minuto para respirar fundo, levantar-se da cadeira ou simplesmente olhar pela janela ajuda o corpo a recuperar e a mente a reorganizar-se. São momentos curtos, mas poderosos. No fundo, pequenos intervalos evitam grandes colapsos.
Relações de apoio – A conexão humana é um dos maiores reguladores do stress. Falar com alguém em quem confiamos, pedir ajuda ou simplesmente sentir que somos vistos e compreendidos tem um impacto profundo, tanto no corpo como nas emoções. O stress diminui quando nos sentimos em ligação. É a presença do outro que nos lembra que não temos de carregar o mundo sozinhos e é nessa partilha que muitas vezes começa a recuperação.

Considera que o stress é um factor que influencia cada vez mais a vida quotidiana?
Num mundo em constante movimento, damos pouca atenção à forma como nos sentimos. Nunca estivemos tão conectados e simultaneamente tão cansados. A fronteira entre o trabalho e a vida pessoal desapareceu, e muitas pessoas sentem-se permanentemente “ligadas à corrente”. O stress tornou-se quase uma linguagem comum, mas o que mais me preocupa é a normalização do cansaço. Quando a exaustão passa a ser um estado “normal”, perdemos a capacidade de reconhecer o perigo.

Que consequências o stress pode ter no dia-a-dia?
O stress prolongado rouba-nos a clareza mental, a empatia e até a criatividade. Aumenta a irritabilidade, dificulta o sono, desregula o apetite e fragiliza o sistema imunitário. Além disso, vai-nos tornando menos pacientes. O stress crónico tira-nos a capacidade de estar presentes, de sentir prazer e de encontrar equilíbrio nas pequenas coisas.
Na realidade, é como um alarme que deveria tocar apenas em momentos de perigo, mas que está permanentemente ligado: a certa altura, já não nos protege e apenas desgasta.

Cada vez mais se fala na importância de saúde mental. Como se pode levar a que as pessoas consultem especialistas?
Acredito que a mudança começa quando deixamos de ver a Psicologia e a Psicoterapia como “último recurso” e passamos a encará-las como um espaço de crescimento e de prevenção. Procurar um psicólogo não é sinal de fraqueza, é um ato de coragem e de responsabilidade.
Tal como cuidamos dos dentes e vamos ao dentista, mesmo sabendo escová-los, também devemos cuidar da mente antes que ela “doa”. Não esperamos ter uma cárie para procurar ajuda, então, por que é que continuamos a esperar que o sofrimento emocional se torne insuportável para o fazer?
Cabe-nos, enquanto profissionais e enquanto sociedade, continuar a normalizar este assunto e a mostrar que cuidar da saúde mental é essencial como cuidar do coração, dos pulmões ou de qualquer outra parte do corpo.

Que mensagem gostaria de deixar no dia mundial do stress?
Gostaria de lembrar que o stress não é uma falha pessoal, é um pedido de atenção do corpo e da mente. Quando o ouvimos com respeito, deixamos de viver em modo sobrevivência e voltamos a viver com presença.
Talvez esteja na hora de trocarmos o “tenho de aguentar” por “preciso de cuidar de mim”. Cuidar de nós não é egoísmo, é saúde, e o verdadeiro sucesso não é chegar mais longe, é chegar inteiro.
Frederico Figueiredo

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