Instalação de GNL na Praia da Vitória

Governo açoriano garante que há projecto para Gás Natural Liquefeito na Terceira mas tudo depende do mercado internacional

A intenção já não é nova e vem-se renovando praticamente todos os anos, mais intensamente, desde 2016. A posição estratégica do porto da Praia da Vitória, na ilha Terceira, coloca aquela ilha no mapa das intenções dos Governos da República e Regional em ali avançar com uma infra-estrutura para abastecimento/reabastecimento de combustível de Gás Natural Liquefeito (GNL). 
Um gás que no seu estado líquido depois de arrefecido, é de fácil transporte e de armazenamento, ocupando cerca de 600 vezes menos espaço do que o gás, o que resulta em custos mais reduzidos em termos de armazenamento e transporte. 
Enquanto benefício o GNL apresenta o seu baixo custo em comparação com os restantes combustíveis fósseis, menos emissões poluentes e é considerado um combustível multi-usos, podendo ser usado nos transportes mas também para uso doméstico e industrial. 
Mas, nem tudo são vantagens. É que para produzir o GNL são precisas grandes quantidades de energia no processo de liquefacção e de regaseificação. Além disso, este gás apresenta risco de explosão e de destruição em caso de derrame, dado a sua constituição de metano, hidrocarbonetos, dióxido de carbono, azoto, oxigénio e alguns compostos de enxofre. Além disso, os projectos para utilização/adaptação para uso de GNL são vistos, mundialmente, como algo que necessita de um grande investimento. 
Com estas vantagens e desvantagens, o GNL tem sido apelidado como um “combustível do futuro” mas o que é certo é que o futuro ainda é incerto e já há outros projectos que têm vindo a ser experimentados, como o hidrogénio, para o mesmo uso do GNL e têm vindo a ganhar a dianteira. 
Mas no meio da incerteza, o Governo da República tem vindo a inscrever os Açores na intenção de desenvolver aqui um hub do Atlântico, à semelhança do que se pretende no continente, em Sines, embora de forma diferente, para distribuição na Europa. 

O GNL nos Açores 
Desde 2011 que se pretende instalar na Praia da Vitória uma estrutura para o bunkering de navios movidos a GNL. Os Açores aderiram desde o início ao projecto COSTA, iniciado em 2011 e concluído em Abril de 2014, que teve como objectivo desenvolver condições para a utilização do GNL em navios da Região do Mediterrâneo, Oceano Atlântico e Mar Negro, bem como a preparação de um plano director de GNL para o transporte marítimo de curta distância, entre o Mediterrâneo e o Atlântico Norte. Projecto substituído pelo GAIN4MoS, entre Janeiro de 2015 e Setembro de 2019, e que pretendia preparar estudos e planos de engenharia e desenhos de construção de quatro navios protótipos adaptados a GNL e sete estações de abastecimento em porto. Os Açores, participaram, através da empresa Portos dos Açores, nestes projectos que pretendiam o desenvolvimento de uma rede de projectos-piloto para a concepção de novos navios abastecidos a GNL, armazenamento de GNL e equipamento específico para abastecimento de embarcações. O projecto previa a criação de um “pipeline virtual” no Porto da Praia da Vitória que assegurasse um fluxo de contentores especiais de 20’’ que transportam GNL, criando condições para o abastecimento dos navios que cruzam o Atlântico Norte, com vantagens nos vectores custos, eficiência e impacto ambiental. Além destas, havia ainda a intenção de ajustamento (retrofitting) de um navio de mercadorias que efectua o transporte regular entre o continente e os Açores, passando a funcionar com dual-fuel (Diesel/GNL), reduzindo as emissões de emissões de enxofre no transporte marítimo.
Com a anunciada redução de militares norte-americanos da Base das Lajes, o Governo Regional avança em 2015 com um Plano de Revitalização Económica da Ilha Terceira (PREIT) onde consta, para o Porto da Praia da Vitória, a definição daquele como “o porto abastecedor nacional de GNL, para as travessias transatlânticas e consequente candidatura nacional do mesmo ao Programa European Connecting Facility”.
Em Setembro de 2016 a Comissão de Ambiente do Parlamento Europeu recomendava que se instalasse no arquipélago uma estação de abastecimento de navios com Gás Natural Liquefeito, recomendando também que se assegurassem os mecanismos financeiros para que fossem garantidos os fundos europeus para o projecto. O Governo Regional congratulava-se com esta recomendação vinda de Bruxelas, já que dizia que vinha ao encontro do estabelecido pelo executivo de promover “a localização geo-estratégica do arquipélago e, mais especificamente, da ilha Terceira como ponto fundamental na rede europeia de fornecimento de GNL e maximizando todas as potencialidades das condições únicas do porto oceânico da Praia da Vitória”.
Uns meses mais tarde, ainda em 2016, o Secretário dos Transportes e Obras Públicas de então anunciava a integração do Porto da Praia da Vitória na rede transeuropeia de transportes como ponto de abastecimento de GNL, e a apresentação de uma candidatura ao “Plano Juncker FEIE” para o desenvolvimento daquele porto, “potenciando o seu papel no transporte de carga entre os continentes europeu e norte-americano, no âmbito do projecto europeu das ‘Auto estradas do Mar’”. Uma rede transeuropeia que iria “promover a optimização da operação de transporte marítimo de mercadorias de e para os Açores, o incremento da competitividade do sector portuário regional, o reforço da proposta de valor dos serviços portuários regionais, o aumento do grau de “especialização, notoriedade” e representatividade do sector”.
Em 2017 o Governo da República anuncia uma Estratégia para o aumento da Competitividade Portuária 2016-2026, onde defendia a intenção de serem analisadas as oportunidades de aplicação do GNL nas ligações marítimas entre o continente e as ilhas, e o potencial do porto de Sines e dos Açores “como hubs de GNL”. 
Em 2018 a Portos dos Açores dava conta de ter assinado um contrato de consultoria com o Banco Europeu de Investimento (BEI) para a realização de um estudo de viabilidade técnica e económica de instalação de um terminal de abastecimento de gás natural liquefeito na Praia da Vitória e a análise de potenciais mercados emissores e fornecedores desse mesmo produto.
No ano passado realizou-se na ilha Terceira o evento “Gainn4Mos – Azores Political Event, no âmbito do projecto “Sustainable LNG Operations for Ports and Shipping – innovative pilot actions”, com intervenções da Portos dos Açores e de vários parceiros no âmbito das intenções de tornar a ilha Terceira num local para abastecimento de navios movidos a GNL. 
E este ano, no âmbito do Orçamento de Estado para 2020, os deputados do Partido Socialista na Assembleia da República apresentam uma proposta de alteração para que se mantivesse a intenção de se estudar a viabilidade da instalação na Praia da Vitória o projecto de GNL. 
Paralelamente, a Presidente da Associação de Distribuidores de Gás Propano Canalizado, Micaela Silva, em sede de Comissão no Parlamento, afirmava que enquanto responsável da empresa privada OZ Energia tinha visitado o Porto da Praia da Vitória e apresentado um projecto para exploração do local. E afirmava que o Governo da República tinha abandonado a instalação do GNL na Praia em detrimento do projecto da ferrovia. Os deputados do PSD eleitos pelos Açores na Assembleia da República, depressa pediram esclarecimentos ao Governo da República sobre o projecto que até dizem não existir. E a Secretária Regional dos Transportes e Obras Públicas, Ana Cunha, enviou também uma carta ao Ministro dos Transportes para saber mais sobre o andamento do projecto.
Entretanto, Sines está a avançar enquanto hub de GNL em Portugal e o Primeiro-ministro António Costa referiu já que “o porto de Sines poderá ser a principal porta de entrada das exportações norte-americanas de gás natural liquefeito para o mercado europeu”.

Existe projecto?
Confrontada a Secretária Regional dos Transportes e Obras Públicas, Ana Cunha, diz que ainda não recebeu resposta do Ministro dos Transportes à sua missiva mas responde que “quem diz que nada foi feito revela uma profunda ignorância de todo o processo e de todo o trabalho que tem vindo a ser desenvolvido pela Portos dos Açores, que tem sido dado conta, como um encontro que foi realizado na Praia da Vitória”.
Quanto às declarações de Micaela Silva, Ana Cunha afirma que a mesma enquanto representante da OZ Energia “esteve reunida com a Portos dos Açores, EDA e Bencom e apresentou um projecto com pouca maturidade, ainda em fase inicial, manifestou a sua intenção em candidatar-se à exploração do GNL naquele porto e que iria sondar que tipo de fundos comunitários estariam disponíveis”. 
Já sobre o trabalho desenvolvido pela Portos dos Açores, Ana Cunha recorda que actualmente está a decorrer um estudo em parceria com o Banco Europeu de Investimento (BEI) para avaliar a viabilidade económica e financeira do projecto. Um estudo cuja versão final “está para breve”, afirma Ana Cunha que dá conta que o mesmo além de abordar a questão do ponto de vista financeiro e económico também o faz em relação de linhas estratégicas para esse projecto. O estudo já está a ser preparado há algum tempo e em breve deverá ser revela. 
Mas Ana Cunha revela que têm havido vários contactos com “inúmeros intervenientes do mercado internacional, que têm demonstrado interesse em conhecer a própria configuração física do porto da Praia, os terrenos adjacentes livres para instalação. À semelhança da OZ Energia, a Portos dos Açores tem recebido bastantes outros interessados e, conforme disse o Presidente da Portos dos Açores recentemente, houve um último contacto de uma empresa promovido pela SDEA. Esse já era um projecto bastante desenvolvido e mais concreto”.
No fundo, “o estudo está a ser concluído. A partir daí, e com os contactos que a Portos dos Açores tem vindo a ter, é que se desenvolverá e verá quais os projectos privados têm realmente intenção de apostar nesta estratégia. Não tenho datas apontadas para o fim do estudo com o BEI”. 
A Secretária Regional dos Transportes e Obras Públicas confirma que existe um projecto que não é propriamente a construção de uma estrutura física por parte do Governo, nem da República nem da Região, mas sim o dar condições para que uma empresa privada ali se instale para desenvolver o projecto de construção, instalação e posterior abastecimento dos navios. 
Ana Cunha dá conta que um dos atractivos do porto da Praia da Vitória para este projecto reside na proximidade da central do Belo Jardim, da EDA, ao porto e que está já preparada para trabalhar com GNL “se for realmente o combustível do futuro” e haver aí outras contrapartidas alem do abastecimento de navios. O problema, afirma, é saber se realmente o GNL será adoptado como combustível do futuro. 
“Apesar dos números na aposta de construção de novos navios com capacidade para receber este tipo de combustível não estar a evoluir da maneira que se esperava, não é certo que seja efectivamente uma aposta do futuro, mas neste momento tudo indica que continua a ser. Daí continuarmos a apostar neste projecto”, reforça.
Tudo vai depender da adopção a nível internacional deste combustível como alternativo, acrescenta Ana Cunha que consta que têm sido construídos navios movidos a este tipo de combustível mas “é um mercado ainda um pouco incerto”. Apesar de tudo, a governante acredita que a médio prazo “parece-me aceitável” que o projecto avance, “depende muito da evolução do mercado a nível mundial”. 
Questionada se os Açores estão a perder contrapartidas financeiras por ainda não haver projecto, Ana Cunha é peremptória e responde “de forma alguma. Diria que no que se refere ao estudo do GNL e aposta estratégica do GNL, os Açores estão na linha da frente”.
No fundo o arquipélago “está no ponto em que devíamos estar, sendo certo que há alguma incerteza quanto à adopção do combustível mas não depende de nós. Sendo este o combustível do futuro, estamos prontos para recebê-lo e a Praia da Vitória é um ponto estratégico para a instalação de um bunker, com a vantagem de servir aquele que seria o tráfego que passaria no Atlântico, tem a vantagem de ter uma central da EDA que pode ser abastecida em permanência com GNL. O que é um atractivo do ponto de vista do investimento. Há uma parte da actividade económica que poderá ser incerta, referente ao tráfego que passará no Atlântico, mas há uma coisa certa que é a central do Belo Jardim”.
No fundo Ana Cunha reforça que “o projecto da Portos dos Açores existe. Não é um projecto físico de construção e um edifício, mas há um projecto que passa pelo estudo de viabilidade que está a ser realizado com o BEI que é parceiro de excelência” e acrescenta que “quando se diz que o Governo da República abandonou esta estratégia não corresponde à verdade”.
Sobre a intenção do PS manifestada no Orçamento de Estado para 2020 para se realizar um novo estudo: “todos os estudos são bem vindos. É um estudo diferente. O BEI entra como parceiro financiador de um potencial privado, um parceiro privilegiado e é natural que este parceiro que pode ser financiador, faça a sua análise económica e defina linhas estratégicas para promover o projecto. O estudo a nível nacional insere-se numa estratégia mais global também de sinalização do porto a nível nacional e de estratégia nacional. Até acho mais um elemento indicador da importância desta aposta, o facto de o PS ter solicitado a sua inclusão no Orçamento de Estado e a sua sinalização”, refere.
A Secretária Regional dos Transportes e Obras Públicas avança que caso seja o GNL o combustível a adoptar no futuro, também os navios da Região terão de ser adaptados. “A adaptação dos navios para novos combustíveis é um processo técnico complexo. Mas nada é impossível. No caso da central do Belo Jardim, já está preparada para fazer o que chamam o retrofitting. Os outros navios tanto os nossos, da Atlanticoline, como os da cabotagem insular, transporte de mercadorias, terá de haver uma adaptação. Daí que seja um projecto a médio prazo. É um investimento de futuro”. E acrescenta que caso após o estudo do BEI ser apresentado houver, forem apresentados projectos viáveis “avança de imediato, avaliando todas as propostas interessadas. Há uma clara intenção de manter este projecto como visão estratégica a médio prazo”, conclui.
O certo é que este projecto do Governo não depende propriamente de investimentos públicos e sim da intenção de investimento de privados de ali se instalarem para começar a operação de abastecimento de GNL. 

GNL é o futuro?
Já a Associação Regional de Revendedores de Combustíveis dos Açores acredita que ainda há muita incerteza acerca do GNL como combustível do futuro. Sónia Borges de Sousa recorda que “a construção de navios movidos a gás natural tem sido praticamente nula. Até haver um movimento que se justificasse parece-me que é um investimento muito caro para algo com pouco retorno” e por isso entende que se justificam todos os estudos que estão a ser feitos. Até porque “a grande aposta e onde se tem avançado mais é no hidrogénio, nos navios movidos a hidrogénio. Acredito que vai haver mais aposta nos barcos movidos a hidrogénio do que a gás natural”, aponta ao reforçar que possivelmente “não se justificará” tamanho investimento nos Açores.
A representante da Associação concorda por isso com o estudo de viabilidade económica e financeira que está a ser desenvolvido pela Portos dos Açores e o BEI até porque “tem de se saber quantos barcos neste momento são movidos s gás natural e quantos fazem a rota entre a América e a Europa que possam passar nos Açores para abastecimento nos Açores. Se houver 50 barcos, mesmo que passem os 50 nos Açores o consumo é muito pequeno e não se justifica o investimento”, reforça.
Sonia Borges de Sousa dá o exemplo da Madeira onde existe uma tecnologia de abastecimento de gás natural mas que é usado de forma diferente. “É a utilização do gás natural para utilização quando os barcos estão estacionados e não recorrerem a geradores para a electricidade. É diferente. 
Para esse consumo, o sistema parece-me mais barato e mais fácil e seria possível adaptar a todos os barcos. É uma tecnologia que não temos muito conhecimento”.
Agora para os navios serem movidos a gás natural “têm de ser preparados para isso e o número de barcos construídos com gás natural é uma percentagem ainda ínfima e depois temos de ver quais desses passam pelos Açores. Os que fazem a rota do Pacífico não vêm para cá. Nem é questão de haver ou não barcos movidos a GNL, mas saber se passam por cá. Os barcos de passageiros não vão fazer cruzeiros para o Pacífico e vir aos Açores abastecer. Estaremos sempre dependentes dos navios que fazem a ligação entre os Estados Unidos e Europa”, explica.
Sobre o posicionamento do porto de Sines para avançar com este projecto de abastecimento de GNL, Sónia Borges de Sousa dá conta que em Sines a intenção é que se use o gás natural para outras utilizações, nomeadamente o abastecimento doméstico. Será possível usar essa aplicação doméstica nos Açores? “Nós aqui não temos redes de gás, teríamos de construir estas estruturas nas cidades todas, para fazer redes de gás para depois fazer as ligações”, sendo o investimento ainda mais astronómico.
“Gás natural só para abastecimento de barcos, parece-me exagerado” nos Açores, refere Sónia Borges de Sousa que recorda que para se apostar nesta nova tecnologia é preciso perceber o que o mercado pretende. “Neste momento existe uma grande divisão entre hidrogénio e gás natural, vai depender das apostas e dos interesses económicos a nível internacional e dos conflitos nas zonas onde existe gás natural”, conclui.
É certo que o investimento é avultado, mas o Governo diz haver interessados. No fundo tudo depende do interesse internacional em aplicar nos seus navios aquele que é apelidado de “combustível do futuro” e depois do retorno económico que poderá advir da instalação de um posto de abastecimento deste combustível no porto da Praia da Vitória. Tudo depende dos privados, embora do Governo garante que está a dar as condições técnicas para atrair os privados para a Praia da Vitória. 
                

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Autor: Carla Dias

Categorias: Regional

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