Mais de duas dezenas de cidadãos apresentaram queixa contra o Governo Regional dos Açores e a Autoridade Tributária e Aduaneira, indignados por terem recebido, nas suas caixas de correio eletrónico, uma mensagem desta última entidade, subscrita pela primeira, e apelando à participação eleitoral, designadamente através da utilização do recém-criado instituto do voto antecipado em mobilidade. A deliberação da CNE sobre tal assunto, aqui se reproduz na íntegra:
“Ouvidos o Governo Regional dos Açores e a Autoridade Tributária e Aduaneira vieram, em suma, aduzir: a) O primeiro, que não utilizou a base de dados do segundo e se limitou a solicitar que este endereçasse a mensagem que lhe submeteu a todos os cidadãos que nela tivessem registados os seus endereços de correio eletrónico; Mais que, competindo-lhe executar alguns dos atos e das tarefas inerentes ao processo eleitoral, de ai decorre a competência para esclarecer os eleitores sobre o modo com votam e, ao caso, apelar à sua participação; b) O segundo, que não facultou acesso à base de dados de contribuintes que administra, mas que, executando o que lhe foi ordenado por SEXA. o Secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Fiscais, a utilizou para difundir a mensagem alegadamente produzida pelo Governo Regional dos Açores.
Relativamente ao que antecede, cumpre sublinhar que, respigada a LEALRAA, nela se não encontra norma que atribua ao Governo Regional dos Açores, à Secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais ou à Autoridade Tributária qualquer competência em matéria de esclarecimento objectivo dos cidadãos quanto ao exercício do seu direito de sufrágio. E também não se conhece qualquer outra norma jurídica eficaz que disponha nesse sentido. Aliás, foi este um dos motivos em que se fundou o entendimento que a Comissão Nacional de Eleições transmitiu a SEXA o Vice-Presidente do Governo Regional dos Açores quando este apôs a sua assinatura em elementos de campanha de esclarecimento promovida, com a anuência desta Comissão, pela entidade administrativa que tem a seu cargo a execução material do que ao Governo Regional dos Açores cabe.
A Comissão Nacional de Eleições preocupa-se e compreende a preocupação das demais entidades com a evolução da abstenção nos diversos atos eleitorais e, mais ainda, com os efeitos nocivos que o atual contexto de pandemia pode ter na participação dos cidadãos. Por isso mesmo reforçou a campanha de esclarecimento que, nos termos da lei, lhe compete fazer e desenvolveu curtas campanhas adicionais, específicas deste contexto.
No quadro destas últimas, foi-lhe proposto pela adjudicatária da concepção da campanha que fizesse aquilo que, exactamente, vieram a fazer os citados intervenientes neste processo e que repugnou aos cidadãos queixosos. Por lhe parecer, no mínimo, duvidosa a utilização da base de dados da administração fiscal para este efeito, a Comissão terminou optando por fazer entregar uma comunicação em papel em cada uma das casas de habitação da Região Autónoma dos Açores.
É o texto desta comunicação que, com ligeiras adaptações, os cidadãos queixosos receberam na sua caixa de correio electrónica.
Também tem esta Comissão manifestado que o essencial do combate à abstenção cabe às candidaturas e aos seus proponentes, afinal aqueles em quem os cidadãos são chamados a votar, muito embora admita a pertinência de apelos genéricos à participação cívica ou até campanhas específicas dirigidas a grupos sociais especialmente desmotivados ou, ainda, como no caso corrente, para ultrapassar dificuldades excecionais e imprevistas. Até porque e dentro de limites razoáveis, os acréscimos e as reduções da abstenção não aproveitam por igual a todas as candidaturas. A intervenção de órgãos do Estado, das regiões ou das autarquias na promoção da participação dos cidadãos em qualquer processo eleitoral, sempre que extravase o mero apelo ao civismo, trata desigualmente as candidaturas e, em consequência, pode ser entendida como intervenção, ainda que indireta, na campanha eleitoral.
Assim, reitera-se ao Governo Regional dos Açores o que, em tempo oportuno, se transmitiu ao seu Vice-presidente, a saber, que “(…) está sujeito a especiais deveres de neutralidade e de imparcialidade, cuja razão de ser assenta na necessidade de garantir a igualdade de oportunidades e de tratamento entre as diversas candidaturas, sobretudo quando se trata de uma entidade que é objecto, ainda que indireto, da eleição em curso. Assim, (…) não podem ser emitidos documentos pelo Governo Regional dos Açores, à exceção dos especialmente previstos na lei eleitoral e sob a forma nela especialmente determinada (...)”.