Bandas filarmónicas da Ilha de São Miguel

Filarmónica dos Arrifes leva dois anos sem serviços e Filarmónica da Relva quer realizar concerto em Janeiro

Com mais de 150 anos de história desde a sua fundação em 1866, a Filarmónica Nossa Senhora das Neves é, nas palavras do seu Presidente, Paulo Vieira, “uma das bandas filarmónicas mais antigas dos Açores”. 
Apesar de já não actuar “há volta de 10 anos” fora de São Miguel, Paulo Vieira destaca viagens aos Estados Unidos da América e a outras ilhas da Região. Esta opção foi explicada pelo Presidente da Nossa Senhora das Neves: “De há 10 anos para cá, o dinheiro que devia ser para viagens, toda a gente fez um sacrifício, e apostamos nos instrumentos que achamos que era mais importante investir nessa área. Não quer dizer que as viagens não sejam importantes e até são muito importantes, mesmo para cativar os músicos”, destaca.
Actualmente com 30 e poucos músicos com idades compreendidas entre os 12 e os 75 anos, Paulo Vieira faz questão de destacar a qualidade musical dos seus elementos.
“Apesar de a filarmónica ser de gente nova, temos músicos com um nível acima da média em termos de conhecimentos musicais. Praticamente todos os nossos músicos já passaram pelo Conservatório ou ainda lá estão. São miúdos que têm um grande conhecimento de musica”,  afirma, antes de realçar o carácter inovador da banda que, desde alguns anos a esta parte, tem vindo a apostar numa vertente musical mais direccionada para a realização de concertos, em vez das chamadas ‘saídas à rua’.
“Nós tocamos os mesmos instrumentos do que a outras, mas muito raramente tocamos as obras que estas tocam. A maioria das filarmónicas estão vocacionadas para serviços de rua e tocam mais as marchas de rua, os passo doble. Estamos mais vocacionados para os concertos. É essa a ‘praia’ dos nossos músicos que preferem isso. Temos um outro tipo de instrumentos que a maioria das filarmónicas não tem”, salienta.  
O Presidente da Filarmónica Nossa Senhora das Neves orgulha-se do facto de a sua banda tocar com instrumentos que não são muito utilizados pelas restantes filarmónicas. 
“Temos um maestro muito exigente e também temos de dar um passo em frente e tentar evoluir. Não podemos ser, o resto da vida, uma filarmónica que tem um conjunto de pratos, um bombo, uma caixa e vamos para a rua. Levamos muitos anos a evoluir e a investir. Não sei nas outras ilhas, mas em São Miguel podemos dizer que somos a filarmónica que utiliza mais instrumentos”, afirma.
Com uma escola de música que conta com 12 elementos e que retomou a sua actividade em Setembro, Paulo Vieira conta que os ensaios da banda também já recomeçaram e explica os moldes como os mesmos se vão desenvolvendo, destacando que “havia já uma certa saudade de tocarmos juntos”.
“Estamos a fazer os ensaios por naipes, porque não temos uma sala de ensaios muito grande e devido ao distanciamento e à segurança. Vai-se dividindo, porque só podemos ter 10 ou 12 pessoa na mesma sala (…) tivemos uma reunião com o padre da nossa paróquia, que também nos ajudou, e vamos começar a fazer ensaios no salão da igreja. Aí sim, é um salão grande, que dá perfeitamente para por a filarmónica toda, com o devido distanciamento e segurança. 
Apesar da pandemia de Covid-19 que obrigou ao encerramento, com o regresso dos ensaios Paulo Vieira revela que a Filarmónica de Nossa Senhora das Neves “já está a preparar um concerto para o mês de Janeiro”.
O Presidente da banda da Relva conta também que alguns dos projectos que estavam planeados para o ano de 2020 tiveram de ser adiados devido à pandemia.
“Antes da pandemia ainda conseguimos fazer dois concertos. Um de música sacra e um de música de cinema. Tínhamos outros projectos como uma masterclass de clarinetes, juntamente com a academia de clarinetes de Portugal, que não conseguimos fazer mas até ao final do ano vamos concretizar”, explica.
Relativamente à vertente financeira da filarmónica, Paulo Vieira admite que a instituição está a atravessar por algumas dificuldades, mas destaca o facto de a filarmónica a que preside não se constituir como um caso isolado no panorama cultural.
“Temos de ser realistas e não puxar sempre a ‘brasa à nossa sardinha’. Toda a gente está a passar por dificuldades financeiras. O Governo apoiou-nos dentro do possível, tal como a Câmara Municipal e a Junta de Freguesia. Talvez não dentro dos valores que queríamos, mas não nos podemos queixar e a realidade é essa. As filarmónicas são muito importantes, somos conhecidos como o conservatório do povo, mas também temos de meter a mão na consciência e ver que eles não podem dar para tudo”, sublinha. 
Questionado sobre os objectivos e sonhos que tem para a Filarmónica Nossa Senhora das Neves, Paulo Vieira aponta um que, apesar de reconhecer ser muito complicado de concretizar, vai-se mantendo no horizonte da banda.
“O meu sonho, o dos músicos, o nosso sonho era ter uma sede de raiz. Estamos num edifício da Junta de Freguesia, mas aquilo já está apertado para nós. Temos um leque de instrumentos que praticamente já não cabem na sala e gostávamos de ter uma sede de raiz. Agora sabemos que não é fácil e que é muito dinheiro. É um sonho mas temos de trabalhar até um dia conseguirmos”, destaca o Presidente da Filarmónica Nossa Senhora das Neves.

Associação Recreativa Filarmónica Lira Nossa Senhora da Saúde
Na freguesia dos Arrifes uma das mais populosas da Região, está sedeada esta filarmónica nascida a 1 de Janeiro de 1910 e que nos seus primórdios chamava-se Eco Musical. Depois de algumas ‘separações’ e ‘junções’, adoptou em 1946 a actual designação. Como sucedido com uma boa parte das bandas, teve de passar por altos e baixos e depois de um último encerramento em 1999, reabriu em 2005 e mantém a sua actividade desde então. Muito recentemente, desde 2019, a Banda dos Arrifes, como é popularmente conhecida, conta com uma Comissão de Gestão, presidida por Rafael Vieira. 
O actual responsável explica os contornos que levaram à entrada da Comissão de Gestão em funções e também a razão pela qual a banda optou, durante o ano de 2019, pela não realização de serviços.
“Infelizmente, em 2019, tivemos esta pequena atribulação e temos vindo a perder alguns músicos porque há outras bandas no concelho e fora dele, que pagam aos músicos para actuarem. Em 2109 até nem fizemos serviços. Só tínhamos 18 músicos e escolhemos não fazer serviços porque temos uma imagem a respeitar e não íamos fazer nada para a rua com 18 pessoas”, salienta.
 Por este facto, a Banda dos Arrifes leva já 2 anos sem realizar serviços apesar do Presidente da Comissão de Gestão destacar que a filarmónica terá sido “a primeira a recomeçar os ensaios. Como temos menos elementos era mais fácil cumprir com as orientações. Nós começamos no final de Julho. Em Julho fizemos um ensaio, em Agosto fizemos dois e partir daí temos vindo a fazer ensaios bi-mensais”, explica.
Actualmente com 20 músicos nos seus quadros, a Lira Nossa Senhora da Saúde vai também voltar a abrir a sua escola de música, que normalmente conta com “2 ou 3 alunos dos Arrifes e os restantes da Covoada, Fajã de Baixo ou mesmo de Ponta Delgada”.
Rafael Vieira refere que o número reduzido de alunos proveniente da própria freguesia tem várias explicações, apesar de destacar algum desinteresse que os próprios habitantes demonstram pelas associações culturais.
“Hoje em dia, as pessoas têm muita facilidade em sair para vários sítios, para outros desportos ou actividades. A própria freguesia não dá muita importância à cultura. Tínhamos a banda, o grupo folclórico e até o agrupamento de escuteiros, numa vertente mais social, e têm vindo a perder algum fôlego”, destaca.
O Presidente da Comissão de Gestão revela que devido à pandemia, uma das ideias que estava a ser pensada teve de ser colocada de lado: “Estávamos a tentar fazer uma viagem neste, ou no próximo ano para a diáspora. Estávamos a tentar recolher fundos mas, para já, isso não é possível e não é o mais importante (…) Era uma coisa que estávamos a pensar a médio prazo, mas neste momento caiu e está fora de qualquer possibilidade”, afirma.
Sobre o balanço financeiro, Rafael Vieira admite que a situação não é a ideal e refere que apesar de estar há dois anos sem serviços, existem despesas que se mantiveram.
“Em 2019, apesar de não termos tido actuações, continuamos a ter ensaios e a dar aulas. Temos de pagar água e luz. Temos a carrinha que faz os transportes, temos o IMI, manutenção de instrumentos, etc. Chegados a 2020, algumas das despesas têm sido pagas da algibeira dos membros da Comissão de Gestão. Temos algum dinheiro de parte para alguma emergência, para alguma coisa maior. Pedimos apoio e agora a Junta de Freguesia vai começar a colaborar e a ajudar nessas despesas”, explica.
Na vertente dos apoios disponibilizados pela Câmara Municipal de Ponta Delgada, Rafael Vieira critica a elevada burocracia associada à atribuição destes apoios por parte da autarquia.
“Este ano e mesmo antes da pandemia, entendemos que não devíamos concorrer porque não concordamos com a forma como esses apoios estão a ser definidos e atribuídos. Não concordamos com os montantes e acho que tem muita mais burocracia do que era preciso. São preciso muitos mais papéis e o resultado final não será melhor”, crítica.
Apesar de se ter candidatado ao apoio excepcional de 2.500 euros atribuído pelo Governo Regional, o Presidente da Comissão de Gestão da Banda dos Arrifes, acredita que as filarmónicas, bem como todas as restantes associações e colectividades, não devem depender dos apoios concedidos pelas entidades governamentais.
“Acredito que todo e qualquer agrupamento, seja ele desportivo, social e cultural tem de se auto-sustentar e uma parte do seu orçamento deve vir das actividades desenvolvidas por eles. No caso específico das bandas, elas têm de fazer o seu modo de vida e o seu plano e orçamento, de acordo com aquilo que vão ter. Não podemos estar à espera que seja o Governo, a Junta ou a Câmara a suportar tudo”, afirma.
Olhando para o futuro, Rafael Vieira mostra alguma preocupação e aponta o desinteresse e a pouca adesão como um problema a destacar. 
“Não temo que venhamos a desaparecer num futuro próximo porque há um núcleo duro, de 10 a 15 pessoas, que mesmo que a banda não faça serviços, vão reunir e vão ensaiar. Mas a banda só com essas pessoas não faz nada (…) somos uma banda com pouco elementos, há algum desinteresse por parte da freguesia nos movimentos culturais e as pessoas não se exibindo e não actuando, também não têm estímulo”, salienta o Presidente da Comissão de Gestão.     
                      
Luís Lobão

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Autor: CA

Categorias: Regional

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