A carrinha branca percorre devagar as várias ruas por onde vai passando, geralmente com as portas traseiras abertas e onde é possível vislumbrar os vários artigos disponíveis. Além de tapetes, pás de lixo, e pequenas vassouras penduradas nas portas, há no tejadilho tapetes e carpetes, vassouras, edredões, colchas, banquinhos de plástico e até um regador verde. O interior também está bem apetrechado, com várias prateleiras onde os artigos domésticos vão sobressaindo.
Na porta estão agora os vários avisos relacionados com a pandemia e, logo à mão do cliente, está o gel desinfectante. À medida que João Rodrigues vai conduzindo pelas ruas da Fajã de Baixo vão-lhe acenando. Uns porque o conhecem de há muitos anos a percorrer aquelas ruas e outros porque querem que ele pare para comprarem algum artigo necessário. Todos os dias da semana a carrinha de João Rodrigues, que leva consigo o pai, António Manuel Rodrigues, percorre as várias freguesias de São Miguel, desde os Arrifes até Vila Franca do Campo.
João Rodrigues é vendedor ambulante desde os 17 anos, quando começou a trabalhar com o pai que também já percorria as freguesias de São Miguel para vender alguns dos artigos que comercializava na loja-sede, a Pérola da Lagoa. Há 20 anos que anda nesta vida e que carrega a carrinha com “tudo o que seja pequenas coisas para a casa”. Ali há facas, grandes e pequenas, copos de vários formatos e tamanhos, pratos, tigelas, mata-moscas coloridos, tachos, panelas, cafeteiras, cortinas de duche, caixotes de lixo, carrinhos de arrumação, mas também lençóis de cama e até calças de ganga de homem e botas de trabalho. Mas também há electrodomésticos, pequenos e grandes, consoante a necessidade do cliente e a disponibilidade em loja.
“Também temos a nossa sede, a Pérola da Lagoa, e temos a carrinha em que vendemos porta a porta para quem quiser”, conta João Rodrigues que avança que após muitos anos a percorrer as mesmas ruas já há clientes fixos que procura servir e outros que vão aparecendo “porque precisam de alguma coisa, seja uma concha, uma tigela, ou um prato”.
E porque as necessidades podem variar, “temos que tentar ter um bocadinho de tudo para servir o que o cliente mais precisa no imediato” e por isso surgem penduradas as calças de ganga de homem. “A roupa não é a nossa especialidade mas a calça de homem é sempre um artigo que se vende, assim como também a bota de trabalho” mas há têxteis que têm de vir sempre acomodados na carrinha: “os lençóis, as toalhas, os tapetes, tudo o que seja para quarto de cama e casa de banho”.
Já conhece o gosto dos clientes
Com 17 anos, João Rodrigues já sabia que era assim que queria ganhar a vida e diz que a principal diferença que encontra entre os cientes de antigamente e os de agora é o facto de agora “o nosso cliente já conhece melhor os artigos”. Isso fica a dever-se também à concorrência, que não havia tanta antigamente, e por isso floresciam os negócios de venda ambulante. “O nosso cliente agora já pede mais artigos do que os que nós temos ou que é o nosso habitual”, mas isso nem sempre é mau pois “isso também nos ajuda a ir à procura desses artigos para podermos vender, se for algo que os clientes querem e procuram”.
Quanto a artigos diferentes “que não se vendiam há cinco ou 10 anos, João Rodrigues aponta os grandes electrodomésticos que não eram vendidos com muita frequência e que agora também têm de dar resposta às solicitações. “Vendemos frigoríficos, máquinas que não trazemos connosco, mas o cliente quando pede, temos um catálogo e combinamos um dia e levamos depois a casa”, referindo que acaba por se estabelecer uma relação de proximidade e de confiança com os clientes habituais. “Tenho clientes que já os conheço há muitos anos, já conheço os gostos deles, sei mais ou menos o que eles querem. Quando falam comigo, já sei o que eles vão precisar. Como já conheço a casa de alguns, basta dizer que precisam por exemplo de uma banquinha para aquele canto e aí já consigo dar uma ideia”, explicou.
O facto de ter um dia fixo para cada freguesia também é uma mais-valia e a calendarização só é quebrada se há feriados pelo meio. Caso contrário, “temos um dia fixo e assim é muito melhor para nós e para o cliente, que sabe que naquele dia e àquela hora, mais ou menos, passamos naquela rua e já fica a contar connosco”.
Pandemia trouxe quebras
É por isso que assim que sentem uma viatura a andar mais devagar na rua, os clientes chegam-se à janela e mandam parar o vendedor ambulante. Por vezes torna-se complicado estacionar ou parar “logo ali”, devido ao trânsito, mas consegue-se sempre responder às solicitações. “Hoje em dia, há mais lugares de estacionamento mas também há muitos carros. Se o cliente manda parar, por vezes encostamos, e se vem algum carro atrás se o condutor compreende, muito bem, senão chegamos à frente ou atrás, e temos de nos adaptar às zonas onde paramos”, refere.
É por essa interacção que João Rodrigues prefere “muito mais” andar com a carrinha apetrechada do que ficar na sede, na Lagoa. “Estou sempre ao ar livre, ainda por cima em tempo de pandemia, em que temos de andar todo o dia de máscara, é preferível e mais vantajoso andar na rua”, e além disso o contacto com o cliente, “é diferente” nas várias ruas e freguesias que percorre.
E nem mesmo a pandemia veio quebrar essa proximidade com o cliente. Mesmo de propósito, nesta altura da conversa, passa um carro com duas senhoras. Uma reconhece “o senhor da Lagoa onde a minha mãe comprava coisas” e quase que recorda por breves instantes os tempos de antigamente, enquanto abranda o carro e aponta para os produtos expostos.
O que a Covid-19 trouxe de novo foi a necessidade de se adaptar o negócio. “Temos um aviso de uso obrigatório de máscara, gel desinfectante, um outro aviso que mostra como se higieniza as mãos e o uso das máscaras. Tivemos de nos adaptar e os clientes também se adaptaram”, refere. Até porque os clientes “já estão mentalizados que as coisas têm de ser assim e o cliente respeita. Usa o gel e vem de máscara”.
Além dessa adaptação, o negócio também se ressentiu. Primeiro, porque durante o confinamento inicial “não se sabia bem como ia ser e parámos”. Depois, porque apesar de indicações positivas da Polícia e da Direcção Regional da Saúde em como podiam manter a actividade, “houve menos procura”.
Foram sempre trabalhando, percorrendo sempre as mesmas ruas, “mas houve quebras no negócio. Houve consideravelmente menos gente” a procurar os artigos domésticos e as razões eram variadas. Uns porque “sentiam receio do próprio vírus”, outros porque “estavam em lay-off ou sem trabalho” e ficaram com receio de comprar “sem saber como haviam de pagar”. Por isso, no geral “houve uma grande quebra nas vendas. Mesmo os fornecedores começámos a comprar menos, porque não vendíamos tanto”, explica João Rodrigues que refere que as encomendas feitas fora também têm “demorado mais um bocadinho”.
Agora, já se vai sentindo uma ligeira retoma. “Já há mais procura, mais encomendas de outros artigos. Vamos tentando dar a volta” e aos poucos o negócio tem vindo a retomar e os clientes voltam a ter a confiança de outros tempos.