Reza a História que os primeiros portugueses chegaram aos Açores no século XV mas, um novo estudo que contou com o trabalho de 33 investigadores internacionais de várias áreas, vem apresentar evidências de presença humana nas ilhas 700 anos antes.
O estudo foi agora publicado na revista PNAS (Proceedings of the National Academy of Sciences), e dá novas perspectivas acerca da presença humana no arquipélago. Através da análise e datação de sedimentos extraídos de lagoas de cinco ilhas dos Açores – Lagoa Azul, em São Miguel; Lagoa do Peixinho, no Pico; Lagoa do Ginjal, na Terceira; Lagoa Funda, nas Flores; Lagoa do Caldeirão, no Corvo – foi possível aos investigadores reconstruir quando, como e em que condições climáticas os Açores foram habitados pela primeira vez.
Os autores do estudo - uma equipa internacional e multidisciplinar de investigadores Europeus e Norte-Americanos e que contou com a participação de investigadores do CIBIO-Açores, sendo Pedro Raposeiro o primeiro autor do artigo – sugerem ainda que os primeiros colonizadores seriam povos nórdicos que aproveitavam os ventos favoráveis para navegar até aos Açores.
Pedro Raposeiro explica que esta investigação surgiu há cerca de 10 anos a propósito de um outro projecto que pretendia avaliar as alterações climáticas nos Açores ao longo dos tempos. “Surpreendentemente começaram a surgir algumas evidências no fundo das lagoas” que apontavam para esta presença humana anterior à estabelecida historicamente que levaram a um novo projeto, financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia – FCT e onde Pedro Raposeiro é o investigador principal, para analisar os sedimentos encontrados.
Foram usadas técnicas geológicas, químicas, físicas e biológicas, para analisar e datar os sedimentos lacustres recolhidos nas cinco lagoas, tendo encontrado a presença de esteróis, que é “uma fracção muito abundante da matéria orgânica nas fezes de mamíferos”, e de fungos coprófilos, que são interpretados como indicadores da actividade humana.
“Os intestinos dos mamíferos produzem em abundância esteróis e estanóis fecais que são bem preservados nos sedimentos lacustres e são um indicador único e inequívoco da presença de grandes mamíferos em determinados períodos do passado”, explica Timothy Shanahang, pesquisador da Universidade do Texas em Austin (EUA) e co-autor da obra, que acrescenta que “os compostos produzidos pelo intestino humano (rico em coprostanol) e pelo gado (rico em estigmastanol) são diferentes, o que nos permite distingui-los”.
Também Santiago Giralt, um dos autores principais do artigo, explica que “devido à sua posição geográfica, no centro do Oceano Atlântico, as ilhas dos Açores não eram habitadas por grandes mamíferos”, o que significa que “o aparecimento do coprostanol nos sedimentos pode ser atribuído à presença de humanos e do estigmastanol aos ruminantes, como vacas, cabras ou ovelhas”.
Pedro Raposeiro complementa que “como demonstramos neste trabalho, a presença humana inicial das ilhas conduziu a profundas alterações ecológicas e ambientais. Embora fontes históricas descrevam os Açores como densamente florestados e intocados, este trabalho evidencia a discrepância que existe entre os registos fósseis e os registos históricos que servem na maioria das vezes como referência para identificar ecossistemas prístinos”, explica ao acrescentar que foram feitas reconstruções para inferir ambientes passados. As grandes florestas “subitamente e sincronicamente começaram a desaparecer e houve uma grande mudança no coberto vegetal. Estudámos a presença de partículas de carvão nos sedimentos e pudemos inferir a ocorrência de fogos passados. Surpreendentemente tudo ocorre sincronicamente em todas as ilhas. E isso é uma evidência muito forte da presença humana nos Açores”.
Povos nórdicos
Os autores do texto também realizaram diferentes simulações onde avaliaram as condições climatéricas da altura e, juntamente com outros estudos genéticos anteriores, sugerem que os primeiros habitantes eram oriundos dos povos do Nordeste da Europa, que encontraram condições climáticas favoráveis para navegar em direcção aos Açores no final da Alta Idade Média, devido à predominância dos ventos de Nordeste e o enfraquecimento dos de Oeste.
Pedro Raposeiro destaca que “as evidências apontam para os povos nórdicos. Não temos uma prova directa mas indirecta. O que sugerimos é que tenham sido os nórdicos porque alguns estudos genéticos mostram que os ratos existentes nas ilhas têm uma linhagem genética de origem nórdica . Em todos os modelos de simulações que efectuámos, claramente conseguimos ver que os ventos predominantes vêm do Norte, dificultando a navegação de quem vinha da zona do Mediterrâneo. Por isso a nossa melhor hipótese é que sejam os povos nórdicos”, explica.
Além de contar com a participação de investigadores do CIBIO-Açores da Universidade dos Açores, também participaram no estudo cientistas de várias instituições de investigação nacionais, nomeadamente do Instituto Português do Mar e da Atmosfera, do Instituto Dom Luiz da Universidade de Lisboa, e da Universidade de Évora. Participaram ainda investigadores de diversas instituições estrangeiras, como o Geosciences Barcelona (GEO3BCN-CSIC), o Instituto de Ciência e Tecnologia da Universidade Autónoma de Barcelona, o Centro de Pesquisas Ecológicas e Aplicações Florestais (CREAF), o Instituto de Pesquisas Marinhas (IIM-CSIC), o Museu Nacional de Ciências Naturais (MNCN-CSIC), a Universidade da Corunha (UC) e a Universidade de Barcelona (UB) de Espanha; a Universidade do Texas e a Universidade de Brown dos Estados Unidos da América. Colaboraram também peritos do NIOZ (Holanda), da Universidade de Amsterdam (Holanda), da Universidade de Bern (Suíça) e da Universidade Edith Cowan (Austrália).
Pedro Raposeiro destaca “a importância de promover os estudos multidisciplinares entre as ciências naturais e as ciências humanas”, já que assim “todos podemos ter uma visão mais ampla do que aconteceu no passado”, conclui.