5 de dezembro de 2021

Opinião - Dos Ginetes

Capela da Ressurreição

Em 14 de Setembro de 2008, graças ao apoio da Câmara Municipal de Ponta Delgada em colaboração com a Junta de Freguesia de Ginetes, foi inaugurado nesta terra um espaço anexo ao velho edifício conhecido cá por “Arquivo”, propriedade da Paróquia, situado entre a Igreja e o Cemitério para acolher e com toda a dignidade qualquer filho desta terra no momento crucial ao qual ninguém escapa que é a morte. Para tal espaço foi escolhido o nome de “Capela da Ressurreição”. Sei que na altura, uma minoria sobretudo dos mais idosos, não viram tal com “bons olhos”, pois agarrados a uma tradição que já não faz qualquer sentido, sobretudo neste tempo complicado que vivemos, vários repetiam que quando chegasse a “sua hora” queriam era permanecer em suas casas até ao momento da saída para a última visita à Igreja que culmina no Cemitério. Alguns mais jovens, e com razão, retorquiam até com algum humor que quem decidiria era quem cá ficasse e não quem partia. E tinham mesmo razão.
Hoje nenhuma dessas questões se colocam e todos praticamente estão de acordo que foi das melhores opções para facilitar a vida aos que cá ficam pois trata-se de um espaço em pleno centro da freguesia dos Ginetes concebido com o indispensável para melhor ultrapassar esse momento que todos terão um dia de aceitar pois acima de tudo é a lei da vida.
Só morre quem nasceu.
Imagino que muitos dos meus amigos, e hipotéticos leitores, se interrogarão sobre o que me passou pela cabeça trazer aqui tão “macabro” assunto quase em plena época de Natal. Não sei eu próprio porquê, mas talvez influenciado por este tempo de pandemia em que ainda há poucos dias levou uma das filhas desta terra, que nos últimos meses visitei para lhe dar a Comunhão, direi que quase repentinamente partiu sem direito a uma última homenagem dos que sempre viveram a seu lado. Porque foi a autoridade de saúde que assim determinou, ninguém questionou a legalidade de tal decisão.
Há já alguns anos que tenho trocado impressões com vários dos meus amigos, que tal como eu, se interrogam porque não manter a “Capela da Ressurreição”, melhor conhecida por Capela Mortuária, comum horário de encerramento algumas horas, sobretudo durante a noite, que permita maior solenidade e respeito por quem parte, mas também pelos familiares que cá ficam que merecem todo o apoio e carinho, o que nem sempre é totalmente bem visível. Sei que muitos estarão de acordo com a minha opinião, outros não, mas é tempo, tal como já existe em muitas outras localidades de começar a pensar numa decisão que, sobretudo haja um período de encerramento que possa contribuir a um mínimo de dignidade num momento sempre carregado de emoção para todos os que se deslocam motivados por um gesto de solidariedade e não de passar apenas umas horas de conversa que nada têm de solidário. “Não vale a pena tapar o sol com uma peneira”, como diz o nosso povo, pois sei perfeitamente que a partir de determinadas horas, na maioria dos casos, não existe mais aquele ambiente que os familiares por vezes desejavam e a memória dos que partem merecia.
Sei que a minha opinião é partilhada por grande parte das gentes da minha terra, o problema é que ninguém tem coragem de dar o primeiro passo. Espero que chegado o dia em que o Bom Deus decidir de me levar que seja respeitada pelos meus esta que é a minha vontade.
Compreendo que nem todos têm a mesma sensibilidade e fazem o seu luto das mais variadas formas e como melhor entendem, mas há que haver respeito por um local que o merece.
Sei perfeitamente que em meios pequenos como este em que estou inserido nem sempre é fácil estabelecer normas que façam unanimidade entre toda a população. É a liberdade que todos temos sem partilhar exactamente a mesma opinião, mas quando é para bem de toda a Comunidade nada é mais eficaz do que tentar fazer um pequeno exame de consciência para ver se na realidade estamos no caminho certo.
Assiste-se, em alguns casos, a “cenas tristes” a altas horas da noite onde o álcool e até alguma falta de respeito para com os familiares, expressa em “palavreado” nada aceitável numa Comunidade tradicionalmente construída de bons costumes como a nossa.
O melhor gesto humano de admiração, amor ou carinho para com um familiar ou apenas um amigo tem um valor incalculável, mas enquanto há vida. Um pequeno telefonema, e até uma visita repentina porque estamos em tempo de pandemia, com todas as precauções, isso sim, em minha opinião valem mais que todos os elogios que surgem quando o amigo já não ouve, não sente e não vê porque se encontra noutra dimensão da vida tão diferente daquela construída de hipocrisia neste mundo que não é o que deveria ser.

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Categorias: Opinião

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