Com apenas 17 anos de idade, Gilda Nogueira, natural do concelho da Ribeira Grande, começava – mesmo sem saber – o seu longo percurso no East Cambridge Savings Bank, uma entidade bancária localizada em Cambridge, Massachusetts, para onde emigrou com a família em 1968, quando tinha apenas oito anos de idade.
Actualmente, esta açoriana é Presidente da empresa onde se insere este banco, do qual é também CEO, fazendo assim parte do grupo de mulheres que, ao longo dos anos, tem vindo a tomar as rédeas de grandes empresas como esta.
Porém, conforme recorda, este nem sempre foi o caso, uma vez que, ao longo dos seus quase 45 anos de carreira, chegou a ser a única mulher na sala quando existiam eventos ligados ao sector das finanças relacionados com o banco que representa, eventos estes nos quais o seu nome nunca passava despercebido, quer por ser o único nome feminino na sala, quer pela característica de ser português.
O início da sua carreira, que começou com aquele que deveria apenas ser um trabalho a tempo parcial para juntar algum dinheiro, ocorreria então quando Gilda Nogueira se encontrava a terminar o liceu em Somerville, cidade situada a norte de Cambridge, iniciando assim as suas tarefas como caixa depois das aulas.
Pouco tempo depois, numa festa de Carnaval em Cambridge que junta todos os anos a comunidade portuguesa, Gilda Nogueira viria a conhecer José Nogueira, natural da Beira Alta, com quem acabaria por casar com apenas 19 anos de idade. Desta união, que dura já mais de 40 anos, resultaram quatro filhos, três raparigas e um rapaz, e somam-se, por enquanto, nove netos.
Num momento inicial, a CEO açoriana pensou que ficaria satisfeita ao adiar a sua carreira em prol da constituição da sua família, mas depressa percebeu que desejava prosseguir estudos de forma a sentir-se mais realizada quer pessoalmente, quer profissionalmente, e assim se viria a licenciar em gestão através da Universidade de Lesley, em Cambridge, enquanto mantinha o trabalho no East Cambridge Savings Bank, o que lhe permitiria também passar por vários cargos até chegar a Chief Executive Officer (CEO).
Entretanto, tirou também outros cursos dentro da área da banca, em áreas como economia, finanças e estatísticas, através de instituições como a National School of Banking – America’s Community Bankers at Fairfield University, ou como a New England School of Banking – Massachusetts Bankers Assossiation at Babson, oportunidades estas que lhe permitiram colmatar a “falta” que sentia de estudar e que lhe permitiram também descobrir e aprofundar a sua grande paixão pelo mundo das finanças e da gestão.
“Embora tenha começado a trabalhar porque queria ter dinheiro para gastar, a verdade é que gostei imenso do trabalho, e por gostar tanto, quanto mais fazia mais queria fazer e quanto mais sabia mais queria aprender (…). Mais tarde, tinha que trabalhar para ajudar a minha nova família, mas chegou a um ponto, quando já não precisava de trabalhar tanto, que já não era trabalho, era parte de mim, e eu adoro o que estou a fazer”, afirma Gilda Nogueira.
No entanto, por pouco não decidiria por um futuro diferente, tendo em conta que enquanto estava no ensino secundário a área que mais a atraía era a área do direito e das leis: “Quando estava no liceu o que me interessava mais era justiça. Ao trabalhar no banco comecei como gestora, mas pensei continuar e tirar o curso de direito, porque é uma coisa que ainda hoje me interessa muito e aqui no banco, há uma parte do trabalho em que é preciso compreender bem as leis das finanças e as leis do país, porque os bancos são muito regulados pelo governo norte-americano”, explica ainda, salientando que não perdeu a vontade de “tirar um ou dois cursos” em direito quando, um dia, se reformar e tiver mais tempo livre.
A par da grande paixão pelos números e pelas finanças da Reserva Federal, outro dos motivos que levou Gilda Nogueira a permanecer no banco durante mais de quatro décadas foi também a missão social que este tem para com as diferentes comunidades que representa, incluindo a comunidade portuguesa.
“Este banco não foi fundado por portugueses mas ajudava muito a comunidade, e eu compreendi isso logo de início. Ajudavam muito os imigrantes de vários países e eu continuei esse trabalho porque gostava disto, gostava do negócio e gostava da empresa. (…) Apesar de ser muito nova, nunca me esqueci de onde vieram os meus pais e de onde eu vim. Os meus pais vieram para cá como imigrantes, com malas nas mãos e dois filhos pequeninos. Eu ouvia os meus pais falar e percebia a dificuldade que eles tinham em se ajustar porque eles vieram para trabalhar sem falar a língua ou sem saber bem como iam fazer a sua vida aqui, foi um sacrifício que eles fizeram”, recorda.
Por esse motivo, a açoriana sente agora que está numa posição privilegiada para ajudar os outros, incluindo dentro da entidade que representa e que está disponível para, sempre que possível, ajudar os seus trabalhadores “a chegar onde querem”.
Na comunidade em que se insere, foi já distinguida com vários prémios e distinções, incluindo a distinção “Women of Fire”, em 2013, o prémio “Lady Baden-Powell Award”, o prémio “Good Neighbor/Community Hero Award”, em 2016, e por cinco fezes foi nomeada para o Top 100 de mulheres que lideram negócios em Massachusetts, entre outros.
Ao longo dos últimos anos, tem vindo a desenvolver vários trabalhos junto de uma associação em especial, a Cambridge Family & Children’s Service Avon, cuja missão passa por apoiar crianças até aos 18 anos de idade que perderam a sua família, por encontrar uma nova família que as adopte, e por as ajudar a ultrapassar vários dos problemas que advêm deste tipo de perda, trabalho este que “requer dinheiro” para que possa ser feito.
“O que eu faço é pôr o banco à frente desta missão, a ajudar com dinheiro, mas ao mesmo tempo ajudamos com o nosso tempo. Começamos a falar com colegas para que também nos ajudem”, diz, explicando que assim é possível criar uma espécie de corrente de ajuda numa das cidades mais poderosas dos Estados Unidos da América, conhecida pela proximidade com Harvard, por exemplo.
“Sinto que fui muito afortunada e abençoada para ter as oportunidades que tive ao longo da minha vida, por isso sinto uma responsabilidade para pagar isso e dar essas oportunidades a outras pessoas. Sempre que falo em eventos digo aos meus colegas que temos a oportunidade de ajudar, e que tenhamos vergonha de nós próprios se não usarmos esta plataforma para ajudar outros, porque se estamos aqui foi porque alguém nos ajudou. Como Presidente do banco tenho a possibilidade de aproximar o banco e a empresa para ajudar a comunidade que ele serve. É uma responsabilidade que temos”, acrescenta.
Tendo saído de São Miguel com apenas oito anos de idade, Gilda Nogueira realça que não são muitas as memórias que permanecem da sua infância na ilha. Porém, recorda bem os tempos de escola, as brincadeiras que mantinha com as outras crianças, a casa onde vivia e alguns dos momentos passados em família ou com os vizinhos. Recorda também algumas das festas locais.
Em relação à forma como recebeu a notícia de que a família iria emigrar, pouco recorda, lembrando apenas o momento em que se despediu dos avós maternos já dentro do avião – memória que acredita que irá reter para sempre e que, ainda hoje, 53 anos depois da viagem que mudaria a sua vida, a comove.
Até voltar a ver os avós maternos, tendo em conta que os avós paternos já esperavam a família em Massachusetts, passar-se-iam cinco anos, tempo que demorou a que regressasse a São Miguel para as festas em honra do Divino Espírito Santo, na qual o avô era mordomo. Pouco tempo depois, os avós acabariam por fazer também parte do conjunto de açorianos que partiram rumo à concretização do “sonho americano”, o que levou a que a família ficasse reunida novamente.
No que diz respeito à adaptação ao novo país, salienta que não sentiu grandes dificuldades, uma vez que se adaptou sem problemas à língua nova, ao clima diferente e que também não teve dificuldades em fazer novas amizades na escola.
Em casa, permaneciam os hábitos e costumes açorianos, embora a língua inglesa se sobrepusesse à portuguesa, mas ao conhecer o marido, natural do norte de Portugal, começou a adoptar o costume de falar português com mais frequência e de cozinhar, também, à semelhança do que fazia a sogra.
No entanto, na família prevalece a tradição de cozer massa sovada aquando da Páscoa, sobretudo pelas mãos da sua mãe, hoje com 86 anos, bem como as ervilhas com chouriço que fazem as delícias dos quatro filhos, ou o queijo fresco feito com leite de vaca que faz a delícia dos seus netos sempre que a visitam.
No próximo mês de Maio, mês em que habitualmente se realizavam as festas em honra do Senhor Santo Cristo dos Milagres antes da pandemia, pretende regressar aos Açores e trazer a mãe, para que depois de 55 anos possam admirar a figura religiosa de perto.
Apesar das mais de quatro décadas de trabalho que a ligam ao East Cambridge Savings Bank, Gilda Nogueira afirma que é ainda cedo para pensar em reformar-se, embora sinta crescer o desejo de “gozar a sua família” e o fruto do seu trabalho até ao momento. Até lá, promete continuar a trabalhar em prol da comunidade em que se insere, contribuindo para o bem comum.