Filipe Raposo fez o conservatório em Ponta Delgada, a licenciatura em Lisboa e o mestrado na Bélgica

Açoriano passa rigorosa prova de admissão e entra no naipe dos primeiros violinistas da Orquestra Sinfónica de Antuérpia

Ainda na infância, aos quatro anos de idade, integrou o coro infantil Edmundo Machado Oliveira, já extinto, e aos seis anos, quando viu e ouviu uma colega de escola tocar violino, soube logo que era o instrumento que queria tocar. Hoje é violinista profissional e vive na Bélgica, onde pretende ficar.
Passadas quase duas décadas, aos 24 anos de idade, Filipe Raposo vai integrar como músico residente, e como primeiro violinista, a conceituada Orquestra Sinfónica de Antuérpia, depois de uma rigorosa selecção, com muitos candidatos às duas vagas disponíveis. Vai assumir o seu lugar a partir da Páscoa, em Abril, mas o açoriano já fazia parte desta Orquestra como músico convidado, depois de ter sido visto e escutado numa masterclass.
Na ocasião, como nos conta, ficou muito satisfeito com o convite e até teve oportunidade de fazer uma tourné com a Orquestra, o que lhe permitiu sentir que era isso que gostaria de fazer na vida.
Não nasceu numa família de músicos, (a mãe professora e o pai, técnico de electrodomésticos), mas sempre o incentivaram a desenvolver o seu gosto pela música, principalmente após a maestrina Ana Beatriz Moniz ter dito aos progenitores que Filipe Raposo tinha um dom musical que devia ser aproveitado.
Como a irmã mais velha entrou no conservatório, hoje terapeuta da fala, mas também ligada à música e aos palcos, Filipe Raposo também se inscreveu e a partir do momento da entrada o percurso musical foi paulatinamente aperfeiçoado e o violino foi sempre o instrumento de eleição, tendo sido acompanhado ao longo dos anos escolas no Conservatório de Ponta Delgada pelo professor Amâncio Cabral.
O jovem podia ter tido outro percurso académico porque no liceu era bom aluno, mas garante-nos: “Mas sempre fui melhor aluno no conservatório do que no liceu, tanto no violino como nas restantes disciplinas. Sempre tive outro prazer na música e tinha realmente melhores resultados”, diz com emoção.
Terminado o 12º ano e feito o 8º grau no Conservatório Regional de Ponta Delgada, estava na altura de escolher o caminho a seguir e Filipe Raposo não teve dúvidas de que o ensino superior seria feito na área da música; restava apenas escolher qual a escola a seguir.
“O que eu queria era ser violinista profissional. Os meus pais sempre me apoiaram, mas sempre ficaram na dúvida se seria uma coisa do momento ou o meu desejo, mas assim foi e continua a ser, ser músico profissional”.
Fez o exame nacional de Português, como se fosse para qualquer outro curso, mas teve de fazer provas de aptidão. A escolha recaiu sobre a Academia Nacional Superior de Orquestra, em Lisboa, que faz parte da Orquestra Metropolitana de Lisboa, e ingressou, com mérito e distinção.
“Curioso é que acabei por entrar para a classe do professor Aníbal Lima, que fora professor do meu antigo professor Amâncio Cabral, quando este estudava no ensino superior.
Assim, houve uma continuidade no ensino do violino que já tinha aprendido,   mas claro que houve outro tipo de intensidade e exigência”.
Esteve em Lisboa três anos, onde fez a licenciatura, mas no último ano “estive a estudar as possibilidades para o mestrado e onde prosseguir os estudos. Desde logo a minha vontade era sair de Portugal e entrar numa escola do centro da Europa.
Não foi só a possibilidade da Bélgica que esteve nas minhas mãos mas acabei por optar por ir para a Academia Real de Antuérpia, tendo em conta várias recomendações, e após ter feito provas de admissão.

Músico convidado em tourné
pela América do Sul

Fez o mestrado entre 2018 e 2020. Mas, neste período, em Janeiro de 2019, houve uma iniciativa do conservatório, em que foi organizada uma masterclass com o concertino da Sinfónica de Antuérpia (primeiro violino), um momento único em que os alunos têm possibilidade de tocar para alguém com quem não trabalham em conjunto, Após a masterclass, o concertino disse-me que tinha apreciado as minhas qualidades musicais e perguntou-se se eu teria interesse em juntar-me à Orquestra como músico convidado. Isso significava que, consoante as necessidades da Orquestra, eu estaria presente em determinados projectos semanais. Aceitei. E já em Março de 2019 tive o meu projecto e o primeiro contacto directo com o grupo. Nessa altura aconteceu tudo muito depressa, pois no final de Abril fui com a Orquestra à América do Sul, mais especificamente à Colômbia e ao Brasil, no âmbito de uma tourné agendada. Poder passar duas semanas com os músicos da Orquestra tanto em palco como fora dele, em todos os momentos, foi uma experiência única”.
Já na Bélgica, no final de Maio, Filipe Raposo fez uma prova para ser academista da Orquestra. São projectos para jovens músicos, até aos 28 anos. No caso da Academia de Antuérpia é um projecto de uma temporada, um ano, e o jovem açoriano foi aceite e fez parte do grupo com diversos projectos.
“Para além de ter a possibilidade de ter as performances com a orquestra, tive também a possibilidade de ter aulas privadas com os músicos da orquestra, os chamados coaching. São momentos super importantes para o nosso desenvolvimento. Uma coisa é ter-se a experiência de tocar na Orquestra, outra também muito importante é ter preparação para um momento de prova de admissão a uma orquestra. Num concurso, o nosso currículo é importante mas o que pesa mais na admissão é a prova ao vivo. É a hora em que temos de tocar para que possam escolher,  de acordo com as vagas disponíveis. Fui academista”.
Infelizmente, diz, “a academia teve de ser interrompida porque coincidiu com a pandemia em Março, altura em que tudo começou a estagnar na Bélgica.
 Foram alguns meses incertos porque muitos projectos foram cancelados. Desde que essa situação passou a ser o nosso dia-a-dia, voltei a participar com a Orquestra como músico convidado, conforme a necessidade que tinham no Ensamble”.
Em Janeiro último, Filipe Raposo fez uma prova para admissão como membro efectivo da Orquestra Sinfónica de Antuérpia. Entre os muitos candidatos em prova, foi um dos dois violonistas seleccionados. “Felizmente, eu fui dos seleccionados. Faço parte da Orquestra e inicio as minhas funções a partir da terceira semana de Abril. Antes, tinha vários projectos, e agora tenho um compromisso de trabalho, diferente”.
O regresso a Portugal e aos Açores não estão nos planos do jovem, nem a curto nem a médio-prazo. “Efectivamente, tenho em Antuérpia um pouco do que procurava há vários anos. Sempre tive muito gosto em tocar em orquestras, em estar com outras pessoas, colegas e amigos.
Não querendo passar a ideia de que não gosto de tocar a solo ou em grupos pequenos, o que me emociona mais é tocar com uma orquestra.
Durante a minha licenciatura em Lisboa e toda a experiência orquestral intensiva que tive e o contacto com os professores e alunos contribui para que tudo fosse muito próximo e num ambiente acolhedor e que eu desenvolvesse ainda mais o gosto pela orquestra”.
Filipe Raposo assume que não quer deixar de ter contacto com Portugal, e mais especificamente com os Açores, onde tem família e “muitas saudades dos pais e da irmã, da ilha e dos amigos” mas em termos profissionais “a minha vida passará pela Antuérpia.
Em termos geográficos, estar localizado no centro da Europa, permite que tenha uma vida musical diferente. A movimentação torna-se mais fácil, tanto a nível de concertos com orquestra, mas também a nível pessoal.
A partir de Antuérpia, é muito mais fácil conhecer novos países e novas cidades, assistir a concertos noutros palcos da Europa, de forma mais facilidade, e em Portugal, como todos sabemos, é mais difícil.
 A questão não se coloca o que é que é melhor, ou pior, mas sim uma série de situações que levaram a que eu estivesse na Bélgica no momento e tivesse tido a oportunidade de fazer a prova e ficado”.

Tempo de ensaio depende
de como o corpo reage

O nosso entrevistado garante que na música todos os dias são diferentes e o número de horas de ensaio, individual ou em grupo, difere muito dos projectos. E explica-nos: “Cada vez mais se fala na necessidade de ouvirmos o nosso corpo. Não podemos trabalhar todos os dias com a mesma intensidade, porque passado determinado tempo o nosso corpo não vai aguentar. Mas isso depende do número de ensaios. Todos os dias na Orquestra são diferentes e quando tenho ensaio é à volta de cinco horas e para além desse tempo faço um ensaio individual e, dependendo do meu cansaço, faço-o entre duas a três horas. Tento diariamente manter-me em forma e faço o meu estudo individual para estar preparado para os compromissos que tiver. Quando não tenho ensaio para concertos, o meu tempo individual de estudo aumenta, que pode ir entre 3 a 5 horas”.
Filipe Raposo desmistifica a ideia de que um músico profissional quase não tem vida social: “tem é que saber gerir os momentos”, opina o violinista, “mas claro que cada pessoa tem de saber gerir o seu tempo de descanso, mas uma coisa não invalidade a outra. É comum os membros da Orquestra reunirem-se depois dos concertos para passar algum tempo em conjunto e para que a nossa convivência não seja apenas nos momentos de ensaio e de actuação”.
O jovem músico refere ser muito importante que os membros da orquestra se conheçam fora do palco, porque quanto melhor convivência melhor será a performance de execução. “Podemos ser um grupo de músicos excepcionais, em que o primeiro concerto que derem seja muito bom, dada a sua qualidade individual, mas se este mesmo grupo estiver a trabalhar durante largo período e tempo, sem dúvida e, por norma, o resultado será melhor, porque tiveram possibilidade de se conhecerem, a possibilidade de antecipar o que o outro pretende fazer. É importante que o grupo seja forte, não têm de ser todos amigos próximos mas a proximidade contribui para o sucesso da Orquestra”.
                       

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