5 de abril de 2022

Crónicas da Madeira

Os“MudRevolution” voltam ao palco 50 anos depois

 


Durante umavisita oficial às Canárias, mais especificamente a Las Palmas, no hall do hotel onde me hospedei corria uma tertúlia sobre a música. Ali estavam reunidos poetas artistas músicos escritores e outras personalidades ligadas à cultura. No total umas vinte e cinco pessoas. Quando descia apressadamente as escadas, pois estava atrasado para a minha reunião, com Dolores Palicer, Conselheira de Turismo, fui surpreendido por um dos escritores que ao me conhecer, pôs-me a seguinte questão: 
- Juan o que es para a ti la música?
Respondi-lhe prontamente:
- É a alegria do pensamento. 
Mais tarde uma das diretoras de um Conservatório de Madrid quis-me conhecer pessoalmente: falámos da música e das suas influências; da sua importância nas nossas vidas. Falámos dos grandes pianistas Rubstein e Michelangelo. “São anos que desejo encontrá-los.” disse-me. Respondi-lhe que os tinha encontrado em Roma e que a eles fui apresentado - O senhor é um privilegiado. Devo dizer que foi um daqueles agradáveis encontros inesperados, que se tem na vida. Sobretudo porque muitos dos nossos pontos de vista coincidiam. A sua figura elegante de mulher impressionou-me vivamente para sempre.
Os madeirenses, como muitos outros povos, são muito sensíveis à música. Têm um ouvido apurado e um ritmo que os embala facilmente nas músicas em voga. Muitas das suas horas de lazer, preenchem-nas com música. É uma espécie de fuga, tão necessária quanto agradável, que os leva a reencontrarem se com eles próprios. É um viajar, no tempo ao passado, invocando músicas de férias, de épocas ligadas a acontecimentos que os marcaram. Recordações e fantasias passadas que se arquivam na memória…
Tempos houve em que muitos jovens madeirenses atraídos por grupos estrangeiros, formaram os seus conjuntos musicais. Foram muitos. Uns evidenciaram se mais do que outros. Nessa época nasceram bons cantores, excelentes pianistas, guitarristas, saxofonistas, bateristas. Era o grande entusiasmo de uma juventude possuída, por uma certa loucura bendita, que rompeu com todos os preconceitos, de uma sociedade atávica, cheia de medos, e impôs-se no panorama musical, enriquecendo-o. Conjuntos musicais que tornaram as cálidas noites da Madeira, mais animadas e divertidas. Recordo que alguns desses agrupamentos que animavam as noites românticas dos hotéis. Quem não se lembra de Tony Amaral no Reid`sHotel, com a sua vocalista Fernanda Gama ou voz calorosa de Tony Cruz no Savoy Hotel?
Muito posterior aos referidos músicos e vocalistas, surgiu um conjunto que se celebrou se em todo o país pela qualidade pela novidade pela Juventude. O conjunto João Paulo, constituído por irreverentes e estudantes liceais cujo talento e gosto pela música os uniu, longe de pensarem que as suas músicas contagiariam os portugueses, ao ponto de marcarem uma época e de revolucionarem o panorama musical em Portugal. A sua digressão pelo continente foi qualquer coisa de extraordinário, pelo sucesso dos seus espetáculos e pelo considerável número de fãs que ocorriam aos locais por onde passavam. Infelizmente o conjunto desfez-se, mas continuou, até há poucos anos, a animar as famosas “Noites da Madeira”; tão cantadas por Max e Gina Esteves, o vocalista do Conjunto Sérgio Borges, com o seu timbre inconfundível de voz enchia a Sala do Casino da Madeira.  Com o seu savoir faire brindava o público, todas as noites, com composições interpretando-as em diferentes idiomas. Canções românticas. Em 1972 surgiu o “MudRevolution”, um conjunto que se evidenciou pela qualidade da sua música, um conjunto que bem poderia ter sido elevado a nível nacional ou até mesmo ao patamar Internacional, se não se desfizesse. Eram cinco elementos todos jovens. O serviço militar afastou-os. Na altura do aparecimento “MudRevolution”, o saudoso jovem e talentoso jornalista, o poeta José António Gonçalves, dedicou lhe uma página do extinto Jornal da Madeira. Também ele amante de música, referia-se à banda: “os solos e estrondosos e afinados da viola que também praticava a distorção de Humberto Fournier ou a cadência magnífica da bateria “aloucada” - como muitos pensavam do Rui Marques ou ainda o completo preenchimento do baixo ou a melodia tornada asiática de flauta tocados pelo Rui Vieira, formando um todo, foi algo que sempre se estabelecerá em nós e que não se pode colocar na caixa das recordações com facilidade.”
Rui Vieira vai para Angola emigra para os Estados Unidos depois para a Venezuela e Colômbia. Rui Marques prestou também serviço militar em Angola e emigra, mais tarde, para Holanda. Humberto Fournier fica na Madeira como professor do Conservatório. Um outro elemento, Batista, vai frequentar a universidade. Porque a música sempre fez parte das suas vidas ;porque essa não morre nunca dentro daqueles que amam, os “MudRevolution” vão subir ao palco após 50 anos da sua última atuação. Passado meio século aqueles que em 1972 deram vida a um conjunto que teve grande preponderância no panorama musical da Madeira vão abrilhantar, de novo, as noites madeirenses para celebrá-las com a amizade que o tempo não matou; com o talento que não esmoreceu; com as composições que farão lembrar as épocas onde situam tantas recordações. Tempos de sonhos e fantasias de jovens que faziam da música refúgio de vida e lazer, levando-a a um público que os incentivava e calorosamente os aplaudia. É de facto extraordinário este regresso dos “MudRevolution” que num gesto nobre juntará os seus talentos num espetáculo de solidariedade. Estamos certos de que constituirá um grande sucesso.

João Carlos Abreu

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Categorias: Opinião

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