O suplemento “Ideias & Negócios” do jornal “Correio dos Açores”, do passado dia 31 de março, dedicado à ilha do sol, Santa Maria, foi lido, por mim, com muita atenção e curiosidade. É um excelente documento, bastante enriquecido com o testemunho de forças vivas da ilha, em que ficamos a conhecer projetos e ideias para o desenvolvimento sustentável da ilha nos mais diversos sectores: económico, social, cultural e ambiental.
Complementado com rica informação sobre a História da ilha, com apontamentos muito interessantes sobre a sua descoberta, vivência indesejada com os Corsários/Piratas, Gastronomia e informação pormenorizada sobre as cinco freguesias que compõem o concelho de Vila do Porto. Um bom guia para quem pretende visitar a ilha mais antiga do Arquipélago dos Açores e a que ousou eleger, em pleno regime monárquico –1908, a primeira Câmara Municipal dos Açores, pelo Partido Republicano.
Após esta descrição, poderá o meu hipotético leitor perguntar: o que têm “Os “Corvelos” a ver com isto? Ora bem!... Os “Corvelos” são uma família que nasce na ilha de Santa Maria, no século XV, e que muito contribuíram para o seu desenvolvimento. Surgem, porque nesta ilha, também, nos séculos XV e XVI, a sua economia baseou-se na “cana do açúcar” como nos certifica Gaspar Frutuoso, no livro Saudades da Terra:
“Neste tempo, para fazer prantar canas de açúcar na ilha, e fazê-lo como na Madeira, mandou o Infante D. Henrique a ela mestre António Catalão o qual as prantou e fez prantar logo no princípio, e deram-se muito boas, que trouxeram a moer nesta ilha de São Miguel em Vila Franca, e fez-se delas muito bom açúcar (...) Este mestre António veio casado à ilha e pediu dadas a el-Rei, e faleceu de mais de cento e dez anos, deixando dois nobres filhos, Genes Curvelo e Francisco Curvelo, homens de muita maneira, honrados e generosos, de magnifica condição e grande esforço.
O Genes Curvelo trouxe os princípios todos da ilha, como foi provisão para fazer a igreja, e ornamentos e sinos, e as coisas da Câmara, e vivia no cabo da ilha, da banda leste, onde se chama Santo Espirito; o qual houve cinco filhos e cinco filhas (…) O Francisco Curvelo casou na ilha com Guiomar Gardeza, mulher nobre de que houve nobres filhos e filhas. E, assim, de mestre António procedeu a geração dos Curvelos, que é a maior parte da terra.”
Segundo Gaspar Frutuoso, ficamos a saber que Francisco Curvelo deu a um dos seus filhos o seu nome - Francisco Curvelo - jaz este com o seu filho, António Curvelo de Resendes, na igreja Matriz de Vila do Porto.
Francisco Curvelo - filho foi pai de Manuel Curvelo de Resendes, padre, instituidor e primeiro Padroeiro do Recolhimento de Santa Maria Madalena, em Vila do Porto.
Na brochura, editada em 2004, pelo referido Recolhimento que relata a sua História, ficamos a saber: “O Recolhimento de Santa Maria Madalena de Vila do Porto foi fundado em 3/2/1594, pelo padre Manuel Curvelo de Resende, homem rico de Santa Maria que foi ajudado pelos irmãos e cunhados (…). Em 18 de Abril de 1600, ali se rezou a primeira missa e em 1604, no dia da festa de Santa Maria Madalena, se recolheram as filhas dos seus fundadores (…). Em 15 de Novembro de 1612, o padre Curvelo foi ao Continente obter o Breve de Sua Santidade, com o objectivo do Convento passar a ser clausura da Ordem de Santa Clara. Infelizmente, morreu com a peste em Almada deixando, no entanto ao Convento, o testamento de todos os seus bens.
É, talvez pertinente assinalar que este padre foi quem animou os defensores locais no Cimo da Rocha, com a imagem de Nossa Senhora da Conceição, aquando do ataque dos piratas ingleses em 1589 (…).
De referir, também, que o padre Curvelo, para além de ter sido um dos fundadores do Recolhimento foi, ainda, Capelão do Hospital da Misericórdia de Vila do Porto, beneficiado na Matriz e Ouvidor de Santa Maria.”
Este Recolhimento está presentemente ao serviço da sociedade Mariense, sofreu obras de remodelação e ampliação, entre 1999/2001, abriga atualmente uma Instituição Particular de Solidariedade Social - Lar de Idosos com vertente, residência para pessoas autónomas e com dificuldades, também, presta apoio ao domicílio em toda a ilha.
O padre Manuel Curvelo jaz no Recolhimento do qual foi fundador, na igreja de Santa Maria Madalena, juntamente, com sua irmã Camila de Resendes.
Já perdi a conta ao número de viagens que fiz à terra natal dos meus antepassados. Nunca percebi a razão por que não há uma homenagem a esta “Gente” que tanto contribuiu para o crescimento da ilha… nem uma placa toponímica!
Em jeito de nota final, Gaspar Frutuoso, no final do séc. XVI, afirma que “Os Corvelos” em Santa Maria são “a maior parte da terra”. Sabemos que no séc. XIX foram muitos os que saíram da sua ilha para São Miguel, espalhando-se por diversas ilhas do arquipélago, pela diáspora América, Canadá e Brasil. Hoje somos muitos milhares e milhares!
Afirmava, também, Gaspar Frutuoso sobre “Os Corvelos”: “homens de muita maneira, honrados e generosos, de magnífica condição e grande esforço”. Resume-se, nesta frase, a herança que, honrosamente, nos deixaram os nossos antepassados.
Humildemente, mas orgulhoso, sou um descendente destes “Corvelos”.
Carlos Augusto
Corvelo César