Foi com muito gosto que lancei o meu livro “O Som dos Búzios”, que condensa o modus vivendi do meu torrão natal, a vila de Rabo de Peixe, terra de tão surpreendentes tradições, com o objetivo de procurar ser um legado para a posteridade. Nele focam-se aspetos das lembranças de uma terra cheia de ricos pergaminhos culturais e sociais que importam mostrar não só aos vindouros, como levar ao conhecimento dos micaelenses e açorianos, quer vivam nestas ilhas, quer residam na diáspora.
Esta obra de pesquisa aborda um acontecimento, já esquecido nas brumas do tempo, em que o povo de Rabo de Peixe saiu à rua, no dia 19 de junho, de 1869, para protestar contra as péssimas condições de vida, em que a fome grassava e infligia, em muitas camadas da população ostracizadas, grandes tormentos e sacrifícios, provocadas pela penúria e escassez de alimentos. A falta de milho, a base da alimentação das famílias ou os seus preços exorbitantes, tornava a vida dura dos habitantes da freguesia que se encontravam em deploráveis condições de miséria.
A imprensa açoriana da segunda metade do século XIX relata a situação vivida, em toda a ilha, o que provocou um forte clima de contestação à política seguida pelo poder central, relativamente aos anseios de população por condições de vida mais dignas.
Neste livro falo de figuras que tiveram um papel preponderante neste acontecimento em Rabo de Peixe, como foi António Tavares Moniz, um empresário que o povo tratava com respeito e deferência. Era um homem letrado, que lia os jornais, tinha um discurso bem articulado e não esquecia o drama que se vivia na sua freguesia.
No dia seguinte, no dia 20 de junho, centenas de pessoas, a seu pedido, marcharam sobre a vila da Ribeira Grande e juntaram-se à multidão que invadiu o edifício dos Paços do Concelho, onde funcionavam todas as suas Repartições Públicas, queimando as escrituras matriciais e libertando todos os presos da cadeia que ali existia.
A par deste acontecimento histórico, o romance que se desenrola neste livro, com amores entre famílias desavindas, dá o moto às vivências da população, retratando o dia a dia do povo de Rabo de Peixe, que deu as mãos a uma família da ilha Terceira, que foi acolhida na freguesia com estima e foi ela que se tornou numa peça central na busca de soluções para resolver o problema da fome.
Nele fala-se da história da localidade e das gentes, da idiossincrasia, da atitude de apego a esta terra, muitas vezes tão maltratada, e da sua determinação perante todas as adversidades que estoicamente sempre enfrentam em defesa de Rabo de Peixe.
O livro foi impresso pela Gráfica Açoriana e tem o prefácio do jornalista e escritor Santos Narciso cujo trabalho veio valorizar a obra, escalpelizando com o seu talento e com grande perícia literária o dissecar do seu conteúdo, que é também uma homenagem singela a Rabo de Peixe e às suas gentes.
Nesta minha crónica semanal, deixo uma palavra de agradecimento à Cooperativa A Ponte Norte, pelo apoio para a edição deste livro, bem como à EDA Renováveis e, bem assim, à associação “Vadios AzoresSeckchers”, na pessoade Manuel Carreiro, pela produção da pintura do búzio que embeleza a capa do romance.
Consideroque “O Som dos Búzios” é um livro que para além de umtributo ao passado que nele pode ser revivido por muitos, tem também a função de ser um estímulo para as novas gerações conhecerem as suas raízes e as valorizarem, pelo que constitui um desafio de se remexer na memória que o tempo não apagou de um povo que vive com entusiasmo o seu dia a dia, em que os homens do mar e os homens da terra, modelam, com o seu trabalho árduo e honrado, este Rabo de Peixe com o melhor que há numa ametista, que importa continuar a lapidar.
A voz do jornalista Sidónio Bettencourt, ao recitar um poema que eu escrevi em junho de 2008, foi um momento de muita emoção naquela sala de espetáculos, pois interpretou com rigor a mensagem que eu pretendia difundir sobre o percurso da história do nosso Rabo de Peixe.
Espero que o meu contributo sirva para se continuar a promover a Vila de Rabo de Peixe como um pedaço desta ilha que merece ser acarinhado e dignificado.
António Pedro Costa