Julgo que estou repetindo no título deste texto um outro igual, visto em tempos em filme ou lido em livro, que já se perdeu na memória... Mas é essa a expressão que me ocorre, em quase todos os dias da última semana, quando logo pela manhã assomo à varanda e vejo atracado nas Portas do Mar mais um grande navio de cruzeiros, que parece mesmo ter-se implantado no seio do nosso velho burgo, trazendo-nos multidões de visitantes, incluindo os profissionais de bordo, muitos deles filipinos, que já tenho encontrado a comprar, na loja em frente ao Palácio da Justiça, imagens de Nossa Senhora de Fátima de tamanho grande para levarem para as famílias.
Um bocado depois começam a passar-me pela porta os carros de cavalos que passeiam os turistas; ouço-os a aproximarem-se pelo ruído dos guizos presos nos arreios dos garbosos animais e quando havia cá em casa um cão de guarda, por sinal sucessivos pastores alemães de raça, o percurso era acompanhado de fortes latidos, que pelos vistos o “Kaiser” não apreciava a intromissão de outros bichos na sua zona de influência, atitude que as áleas da evolução parece terem passado, ao menos em algumas zonas do Mundo, à própria espécie humana ou a alguns dos seus exemplares que se arrogam comportamentos do tipo macho alfa... Por alturas de Junho e Julho, quando os hibiscos da sebe estão no apogeu da floração, o carro suspende a marcha para os passeantes tirarem fotografias e algumas turistas chegam mesmo a descer para colherem uma flor e enfeitarem com ela os cabelos. Como há outras sebes do mesmo tipo na vizinhança já me ocorreu propor à Câmara Municipal que altere a denominação da minha rua para Travessa dos Hibiscos, mas duvido que os vizinhos estejam de acordo.
Pelas ruas da cidade vai uma grande animação com os visitantes em grupo a saborearem a nossa tranquilidade e o comércio tradicional conhece algum movimento. O trânsito entope com a Lagarta e os carros de cavalos em ligeiro trote, mas tudo isso faz parte da indústria turística e é o preço que se paga pelo crescimento do Turismo, que tem animado a economia açoriana nos últimos anos e está já voltando aos níveis anteriores à pandemia.
Há também excursões organizadas aos pontos de interesse turístico mais conhecidos e alguns deles tendem a ficar tão cheios de gente no período do bom tempo agora iniciado, que a única possibilidade que fica aos nativos das ilhas é guardarem-se para os frequentarem durante o Inverno. Nesse período, pelo menos até ver, as belezas naturais das nossas ilhas, e concretamente de São Miguel, voltam a ser como que “jardins cerrados” e “fontes seladas”, para nosso uso demorado e exclusivo. Redescobre-se a maravilha que é passear, devidamente agasalhado, no interior da caldeira de um vulcão e à beira das águas calmas das lagoas, tanto nas Sete Cidades como nas Furnas, ou até mesmo na Lagoa do Fogo, para quem consegue descer pelos trilhos e sobretudo subir por eles sem se perder, nos nevoeiros repentinos que por lá são frequentes em tal época.
Noto por vezes uma atitude de antipatia contra os turistas, por nos privarem do sossego a que estávamos habituados, mas penso que não se justifica. Há muitos visitantes que vêm atraídos pela beleza ímpar com que a Natureza bafejou as nossas ilhas e, para nossa vergonha, são os primeiros a colaborar na limpeza do que com grande inconsciência alguns sujam. Recordo uma operação de limpeza das margens das lagoas das Sete Cidades, por mim dinamizada quando era Presidente do Governo, contando com a colaboração dos Escuteiros, e prefiro não dizer o que por lá fomos encontrando, obviamente não trazido por qualquer turista.
A proibição do uso de barcos a motor nas lagoas foi por sinal uma das primeiras determinações do Governo Regional e teve origem imediata em ter eu observado, do alto da Vista do Rei, poucos dias antes da posse das novas instituições autonómicas, um pequeno acidente com um barco de recreio, cujo motor fora de borda se afundou no meio da Lagoa Azul, ficando lá no fundo a poluir as águas, sem qualquer remedeio possível. Parece que há agora alguns incautos predadores da Natureza que andam a violar tal proibição, mesmo apesar da multiplicidade, algum tanto exagerada, a meu ver, das entidades nacionais que se arrogam funções policiais em tal matéria e para as quais apelam sem rebuço os mais variados responsáveis regionais, embora haja guardas florestais e vigilantes da Natureza nos quadros de pessoal de âmbito regional, pelos vistos condenados à irrelevância senão mesmo ao desaparecimento.
Estava convencido que o negócio dos navios de cruzeiro estava condenado depois da pandemia, mas os factos estão demonstrando o contrário. Vasco Garcia, Professor Emérito da nossa Universidade, da qual foi um dos fundadores e por dois sucessivos mandatos seu Reitor Magnífico, tem alertado para a poluição que os navios de cruzeiro trazem consigo, mas parece que ninguém se importa... Certo é também que, situadas no meio do Oceano Atlântico, num soberbo isolamento, só com milhares de milhas de mar à volta, as nossas ilhas estão constantemente varridas pelo vento, que leva para bem longe as danosas partículas saídas das chaminés dos navios. E deles prevalece em nós a saudosa impressão dos prolongados apitos de despedida na altura em que partem, levando consigo mais uma revoada de turistas, e se vão afastando da vista até desaparecerem no horizonte.
(Por convicção pessoal, o Autor
não respeita o assim chamado
Acordo Ortográfico.)
João Bosco Mota Amaral