Correio dos Açores - Como surgiu a Exposição Domingos Rebêlo, no Museu da Baleação, em New Bedford?
Jorge Rebêlo - A Exposição Domingos Rebêlo surgiu do convite do Senador Michael Rodrigues, do Senado do Massachusetts, que conheci em Abril de 2015, em Ponta Delgada, através de um amigo comum, o Conde de Albuquerque, Dr. Augusto Athayde. Na ocasião da reabertura da Sinagoga de Ponta Delgada, falei com o Senador Rodrigues acerca do meu trabalho de investigação e divulgação da vida e obra do pintor Domingos Rebêlo, e ele lançou-me o desafio de organizar uma Exposição na costa Leste americana. Por feliz coincidência, esta Exposição permitiu a concretização de um sonho do pintor açoriano, que há cem anos atrás idealizou levar obras suas à cidade de New Bedford, e construir uma ponte entre a comunidade portuguesa, de origem açoriana, e as suas origens e identidade, através da arte da pintura.
Como está a correr a mostra?
A mostra tem tido muito sucesso, devido à qualidade que é reconhecida à obra do pintor Domingos Rebêlo, com um belo trabalho da equipa do Museu da Baleação, que montou uma Exposição que dá relevo e dignidade ao trabalho do Mestre açoriano. Os meios de comunicação locais, como é o caso dos jornais “Portuguese Times” e “HeraldNews”, assim como o canal de Rádio português “WFJD” tem dado amplo destaque à Exposição. Assim como nos Açores, tem havido divulgação na RDP Açores (programa “Inter-Ilhas”), jornais da Lagoa e Ponta Delgada como é o caso do vosso jornal “Correio dos Açores”.
Qual a temática desta exposição?
O título da Exposição é “O Espírito Açoriano: A Arte de Domingos Rebêlo”, o que em poucas palavras resume a essência da obra do pintor açoriano, que afirmou a identidade e cultura portuguesa, na sua vertente açoriana, projectando-a da sua origem geográfica, no meio do Atlântico, para todo o planeta, pois a obra de Rebêlo é universal, ela toca todas as facetas da vida humana, e dirige-se a todas as pessoas.
Qual a reação do público americano às obras de Domingos Rebêlo?
Durante as quase duas semanas que permaneci na cidade de New Bedford, visitando o Museu da Baleação diáriamente, percebi no público americano, a começar pela equipa do Museu, sobretudo dos guias da Exposição Domingos Rebêlo, e todos os visitantes que frequentavam aquele espaço, um sentimento de surpresa, descoberta e maravilhamento. As pessoas queriam saber quem eram os retratados pelo pintor açoriano, quais as histórias por detrás das pinturas, desenhos e gravuras expostos, e qual o percurso de vida do artista.
De consta o Projecto Domingos Rebêlo?
(por motivos pessoais não vou responder a esta pergunta. Apenas esclarecer que o Projecto Domingos Rebêlo terminou em 2017, com a dissolução da equipa que o constituía).
Para além da icónica pintura os Emigrantes, que outras obras destacas na sua vasta coleção?
É difícil responder a esta pergunta, pois Domingos Rebêlo realizou uma obra gigantesca, com milhares de peças. Desde simples esboços a lápis, passando por estudos a carvão, aguarelas, estudos de pintura a óleo, gravuras, até grandes composições a óleo, em formatos pequenos, médios ou em grandes dimensões, Rebêlo foi muito feliz no tratamento do retrato, paisagem e costumes. Como grande mestre figurativo que era, de qualidade excepcional, soube integrar de forma subtil o abstrato, que espreita constantemente as suas obras, o que demonstra um tal domínio técnico, que lhe permitiu expressar toda a sua emoção e com isso maravilhar o observador da sua obra. O tratamento da luz e a da sombra e a sua riquíssima paleta de cores são uma constante nas suas pesquisas de artista, sempre insatisfeito, numa demanda da expressão justa e autêntica.
Qual é o lugar do pintor açoriano no panorama artístico da atualidade nacional e internacional?
Esse lugar está ainda por determinar, pois Domingos Rebêlo necessita de ser resgatado, conhecido e descoberto, por quem aprecia Arte.
Fala-nos do percurso de Domingos Rebelo, como “emigrante” em Paris.
Domingos Rebêlo beneficiou de uma bolsa, instituída pelos Condes de Albuquerque, que perceberam o potencial de uma criança de 15 anos, quando foi estudar para Paris, em 1907. Durante seis anos frequentou três Academias de Arte, “Julian”, “La Grande Chaumière” e Colarossi”, e integrou o primeiro grupo de pintores modernistas portugueses, fazendo amizade e experiências artísticas, nos ateliers da CitéFalguière, com Amadeo de Souza Cardoso, Eduardo Viana, Manuel Bentes, Francisco Smith, Emmérico Nunes e outros. Além disso, assistiu e acompanhou a explosão modernista na Arte, que acontecia na capital francesa, e conheceu pessoalmente artistas como Rodin, Monet, Carrière, Matisse, Picasso, Modigliani. Toda essa vivência reflecte-se na sua obra, a que deu um cunho próprio e inconfundível.
Que nomes da pintura mundial influíram na arte do pintor açoriano Domingos Rebêlo?
Os artistas impressionistas e pós-impressionistas foram marcantes para Domingos Rebêlo. Nomes já citados como Monet, Modigliani, Matisse mas também Gaugin e Cézanne, e dois pintores espanhóis que conheceu pessoalmente em Paris, nos seus ateliers, Zuloaga e Sorolla.
Qual a vertente da sua pintura mais desconhecida?
Como a obra de Domingos Rebêlo é vastíssima, e muitas peças encontram-se na posse de particulares, existem com certeza muitas surpresas agradáveis à nossa espera. Como o período de trabalho compreende um ciclo de mais de sessenta anos, durante os quais o artista fez inúmeras experiências de pesquisa, há diversas facetas por revelar. Apesar da obra-prima que é a pintura de grande formato “Os Emigrantes”, de 1926, Domingos Rebêlo é muito mais do que essa peça.
Quando se olha para a pintura de Domingos Rebêlo, apercebemo-nos da sua condição de açoriano?
É impossível separar o artista da sua condição açoriana, pois o seu pulsar é atlântico. Até a sua pincelada trai o viver de ilhéu, rodeado de mar. Se observarmos com atenção, o movimento do pincel simula ou reproduz o movimento sinuoso das ondas e os salpicos do mar parecem fixar-se nas telas.
De que forma Domingos Rebêlo exprime as tensões e os dramas humanos nas suas pinturas?
Domingos Rebêlo, constantemente, exprime a experiência do drama humano na forma fluida como desenha ou na pincelada rápida e larga com que preenche as suas telas. Os rostos exprimem de forma subtil os segredos mais escondidos da sua alma, sem esgares expressionistas, tudo é contenção. E as composições de figuração humana possuem um dinamismo e um rigor tal na construção dos vários elementos que a constituem, que o tecido da tela mal consegue conter as tensões que a estruturam. Pressente-se a humanidade na solidez que a mão do pintor confere à forma humana.
Que iniciativas estão previstas para assinalar o aniversário do nascimento deste insigne pintor açoriano?
A Escola Secundária Domingos Rebelo, em Ponta Delgada, desde 1991, assinala o aniversário da instituição homenageando o seu patrono, com diversas iniciativas que visam sensibilizar os seus alunos, famílias e público acerca da vida e obra de Domingos Rebêlo. Neste mês de Maio, vai ser inaugurado o projecto Niddore, uma base de dados informática, com diverso material didáctico acerca do patrono da Escola.
Qual o principal legado de Domingos Rebêlo, em termos culturais e artísticos?
Esse legado é um trabalho em construção, que depende de quem se dedica à investigação acerca do artista e da sua obra, das instituições que possuem acervo da sua obra, e sobretudo do acesso e da sensibilização do público em geral para a descoberta e valorização de um património artístico, que Domingos Rebêlo pretendeu ser para todos.
Como neto de Domingos Rebêlo, qual a obra que mais aprecias na sua coleção?
Como neto e investigador – trabalho que desenvolvo há mais de 30 anos – constantemente me surpreendo e deslumbro em descobrir pormenores insuspeitos, em obras que julgava já bem conhecer. É com emoção e prazer que me deleito a descobrir novas obras ou a reconhecer pedaços adormecidos que aguardam serem despertados por um novo olhar.
O que falta fazer para a figura de Domingos Rebêlo ser amplamente reconhecida pelos açorianos?
Continuar o trabalho de inventariação da obra que é vastíssima e está muito dispersa. Promover o artista, através de exposições, publicações impressas e utilizando as novas tecnologias. Preservar e recupera obras que necessitam de cuidados. Sensibilizar instituições e governantes para valorizar o nosso património, cuja obra de Domingos Rebêlo é um corpo importante. Divulgar e estimular a um público regional, nacional e internacional o legado importantíssimo que é a obra artística de Domingos Rebêlo.
António Pedro Costa*