Fui dos que não acreditava ser possível o PSD/A governar com o apoio parlamentar dos deputados do Chega, mesmo que tal fosse imprescindível para afastar os socialistas do poder. As negociações que decorreram em múltiplas latitudes, obrigaram à criação de documentos escritos, entre arranjos de governação e acordos de incidência parlamentar.
De entre todos, o que mais perplexos deixou os portugueses por todo o país, foi o acerto de posições entre o Chega, na altura liderado na região por Carlos Furtado, e o executivo cuja liderança formal cabe aos sociais-democratas e a José Manuel Bolieiro.
Entre os partidos que formam a coligação governativa, nenhum obstaculizou a solene entrada parlamentar do partido liderado no panorama nacional por André Ventura na órbita do poder, já que sem esse apoio seria impraticável o exercício do poder pelos três partidos proponentes desta solução.
A fazer lembrar as imagens da criação da geringonça, foram concretizados documentos próprios entre o deputado liberal e o executivo, com um caderno de encargos próprio, e os, na altura, dois parlamentares da direita radical, que forçaram a entrada no documento assinado de alguns dos assuntos tratados na campanha eleitoral, na sua maioria por agora completamente ignorados pelo governo regional.
O episódio do sótão para instalação do gabinete de prevenção da corrupção talvez tenha sido o mais caricatural.
Já no caso da relação parlamentar com o representante liberal, esta tem vindo a ser mais circunstancial, mas, ainda assim, não isenta de dificuldades. Nuno Barata tem vindo a exigir publicamente à coligação de governo, por vezes com demasiada petulância, o cumprimento do que tinha sido resguardado, que na sua maioria se acerca das questões relativas à dívida da região e das suas empresas públicas, e ainda no âmbito do foro fiscal. Por vezes muito ácido em relação ao executivo que apenas existe pela sua vontade, o relacionamento entre o liberal e os sociais-democratas parece estar sempre perto da linha vermelha.
Por fim, os partidos da própria coligação de governo e o seu relacionamento, na execução diária das políticas públicas, e a necessidade de estreitar posições em cada plano e orçamento, conjugando a relação de forças entre o peso relativo de cada um e os ganhos políticos a apresentar aos militantes e a cada uma das ilhas.
Começa a ser habitual ver o presidente do governo regional, José Manuel Bolieiro, desgastar-se na cada vez mais intrincada vereda explicativa de erros dos seus secretários e, mais do que isso, na atitude justificativa das pressões dos seus colegas de governo e de coligação, como demonstra por estes dias o caso do médico exonerado da presidência da unidade de saúde da ilha do Corvo, que publicamente acusou Paulo Estevão de pressões para que fosse afastado, deixando o lugar vago para um seu correligionário. Poucos dias depois, o candidato do PPM Paulo Margato aterrava no aeródromo da ilha.
O executivo tomou posse em novembro de 2020, não chegámos ainda a meio da legislatura, e a sensação geral é que já passou demasiado tempo, pela forma displicente com que o líder do maior partido que segura a coligação tem gerido os egos, os saneamentos e a própria ação executiva geral.
Pelo caminho, uma ténue remodelação retirando parte dos responsáveis mais periclitantes e acrescentando competência e experiência política. Mas poderá não ser suficiente para o atual elenco cumprir a legislatura, já que caminharemos para o último orçamento, altura em que o partido poderá exigir mais a Bolieiro do que apenas que este salve a sua cabeça, perdendo de forma definitiva a sua honra.
Os episódios a que temos assistido, a titubeante liderança sempre dividida entre as exigências externas de José Pacheco e Nuno Barata, e os egos internos de Artur Lima e Paulo Estevão, poderão vir a fazer mossa dentro do próprio partido que lidera o executivo.
Os sociais-democratas elegem o líder no início de junho, em diretas, a que se seguirá o congresso em meados de julho.
Não se espera oposição interna, muito menos organizada, mas alguns avisos, muitos conselhos e a alteração da orientação política no futuro, deverão estar presentes nos corredores e no púlpito do congresso. E aqui veremos se os limites de Bolieiro são os mesmos do partido ou não.
Fernando Marta}