Drogas mais consumidas no continente e na Europa muito diferentes das que se consomem nos Açores

 O relatório europeu sobre drogas de 2021, agora tornado público pela Comissão Europeia e pelo Observatório Europeu da Droga e Dependência, revela uma realidade europeia de consumo bem diferente da que ocorre nos Açores.
 Enquanto na União Europeia a droga “mais experimentada” é, em larga dimensão, a canábis, seguindo-se a cocaína, a MDMA (ecstasy) e anfetaminas, nos Açores e, sobretudo, em São Miguel, os consumidores viraram-se para as drogas sintéticas e novas substância psicoactivas que, entre 2019 e 2021 já levaram a 27 homicídios na forma tentada, segundo declarações do coordenador da Polícia Judiciária, na Região, Renato Furtado, feitas numa conferência em Ponta Delgada. Estas substâncias estão a dominar o consumo de droga em São Miguel.
Já na população da União Europeia, estima-se que a prevalência do consumo de opiáceos de alto risco entre os adultos (15-64 anos) seja de 0,35%, o que equivale a 1 milhão de consumidores de opiáceos de alto risco em 2019. Os opiáceos estiveram envolvidos em 76% das overdoses fatais comunicadas na União Europeia em 2019.
Porque as drogas sintéticas como a Alpha PHP e as novas substâncias psicoactivas têm um preço muito inferior à cocaína, pelo menos 50% do valor, para praticamente os mesmos efeitos que pretendem alcançar, os consumidores dos Açores foram abandonando a cocaína, concentrando-se na ‘sintética branca’.
Uma das preocupações manifestadas pelo coordenador da PJ nos Açores e pelo próprio DIAP relaciona-se muito com estas diferenças na prevalência dos consumos em relação ao que acontece na União Europeia e o que está a suceder na Região.
São as prevalências de consumo que determinam a acção da Comissão Europeia e do Observatório que, naturalmente, está mais concentrada na detecção de laboratórios de canábis na Europa e no tráfico de cocaína e ecstazy e dá, por exemplo, pouca atenção ao combate às drogas sintéticas e ao consumo de novas substâncias psicoactivas que, da China à Região, passam na Holanda e que são, entretanto, um drama nos Açores.
A preocupação é passar a mensagem para as instâncias portuguesas de combate à droga e destas para o  Observatório Europeu da Droga e Dependência e para a Comissão Europeia de que existe uma realidade muito diferente no consumo de droga nos Açores e também na Madeira daquilo que é a realidade no restante espaço da União Europeia.
E um dos problemas com que se deparam as polícias e o Ministério Público nos Açores é, após a apreensão de eventuais drogas sintéticas ou novas substâncias psicoactivas (aquelas que não fazem parte das listas e não são ainda criminalizadas), não conseguirem determinar com a rapidez necessária que substâncias têm entre mãos até porque os testes não são exactos e as substâncias têm que ir para um laboratório no continente. Ora, no período de espera (por vezes longo demais para as circunstâncias) o indivíduo aguarda pelo resultado. Se poderá ser droga sintética em quantidades para tráfico, poderá passar de uma situação de liberdade para prisão preventiva, podendo levar a uma condenação de prisão. E, até agora, só um destes indivíduos ficou preso. Mas se for uma nova substância psicoactiva não determinada, - que não se encontra no âmbito da moldura penal - permanece em liberdade embora identificado pelas polícias.
Esta realidade, por si, é argumento suficiente para que se invista em São Miguel na construção e instalação de um laboratório adequado para determinar, de forma rápida, que substâncias (droga sintética ou novas substâncias psicoactivas) foram apreendidas por agentes da Polícia Judiciária ou da PSP. Até para que, neste domínio, a justiça actue com mais rapidez e eficiência.
Segundo o relatório europeu da droga, em 2019, foram detectadas mais de 400 novas substâncias psicoativas no mercado europeu de droga. E continuam a surgir novos canabinoides e opiáceos sintéticos, que constituem “ameaças sanitárias e sociais”, que são
Noi mesmo ano, foram desmanteladas cinco instalações envolvidas na produção de novas substâncias psicoactivas: 1 nos Países Baixos e 4 na Polónia. As apreensões em 2019 do precursor da catinona sintética 2-bromo-4-metilpropiofenona ascenderam a 432 kg  (50 kg em 2018), dos quais 428 kg foram apreendidos na Bélgica, na Alemanha e nos Países Baixos.
 
“A droga tornou-se um problema
muito mais generalizado”
 
Alexis Goosdeel, Director do Centro Europeu de Monitorização de Drogas e das Dependências, está convicto de que “a globalização, a evolução das tecnologias da informação, as mudanças demográficas, a par de questões como as alterações climáticas e a migração humana, terão provavelmente implicações importantes para os futuros problemas de droga que iremos enfrentar”.
Como afirma, “Já é possível observar esta tendência, uma vez que tanto o mercado de droga como os padrões de consumo de drogas estão a tornar-se cada vez mais dinâmicos, complexos e globalmente interligados”. E isto “levou-nos a reflectir sobre a necessidade de uma comunicação mais atempada e a considerar se tanto as fontes de dados que utilizamos como os objectivos que seleccionamos para a nossa análise são suficientes para satisfazer as necessidades actuais e futuras para o desenvolvimento de políticas”.
Em seu entender, no espaço da União Europeia, a canábis “é outra das áreas em que as questões que enfrentamos estão a tornar-se cada vez mais complexas, prevendo-se que só possam vir a aumentar no futuro”. E, no caso dos Açores, têm sido apreendidas várias plantas de canábis.
Na opinião de Alexis Goosdeel,  “vislumbra-se, em parte devido à evolução da situação fora da União Europeia, o aparecimento de mais formas de canábis e de novas maneiras de as consumir”.
Na Europa, refere, “assistimos também a uma crescente preocupação, por um lado, com a disponibilização de produtos de alta potência e, por outro, com a forma de responder aos produtos com baixo teor de THC (responsável pelos efeitos psicoativos e neurotóxicos)”.
“Temos emitido alertas de saúde pública que advertem para a presença no mercado de produtos naturais de canábis adulterados com canabinoides sintéticos altamente potentes. Considero que fornecer aos decisores políticos as informações actualizadas e cientificamente sólidas de que necessitam neste domínio será cada vez mais importante para o trabalho do  Centro Europeu de Monitorização de Drogas e das Dependências  nos próximos anos”.
A produção e o tráfico de droga “parecem ter-se adaptado rapidamente às restrições relacionadas com a pandemia, existindo poucas evidências de perturbações importantes na oferta. As medidas de distanciamento social podem ter afectado a venda a retalho de drogas, mas isto parece ter conduzido à adopção crescente das novas tecnologias para facilitar a distribuição de drogas, possivelmente acelerando a tendência observada nos últimos anos, onde o mercado está cada vez mais capacitado com ferramentas digitais. Numa nota mais positiva, a tecnologia também criou oportunidades de resposta aos problemas relacionados com a droga”, afirma. Como sublinha Alexis Goosdell, “actualmente, a droga tornou-se um problema muito mais generalizado, que afecta, de alguma forma, todos os principais domínios de intervenção”.
“Assistimos igualmente à diversificação, tanto dos produtos disponíveis como das pessoas que os utilizam”, afirmou

Desmantelados 370 laboratórios
na Europa em 2019
 
Em 2019, foram desmantelados na Europa mais de 370 laboratórios de produção de drogas ilegais. Segundo o relatório europeu, “o maior número de instalações detectadas e o fabrico de uma gama mais alargada de drogas reflectem o aumento dos esforços dos criminosos no sentido de produzir drogas mais próximo dos mercados de consumidores, de modo a evitar as medidas anti-tráfico”.
“Esta mudança”, prossegue, “acarreta ameaças para os ambientes locais e riscos para a saúde das pessoas que consomem estas drogas”.
No contexto europeu, “a luta contra a produção de droga apresenta-se aos legisladores como um complexo desafio regulamentar de controlar as substâncias químicas precursoras e às autoridades policiais como um fenómeno cujo combate se revela perigoso”.
E a propósito, voltamos a citar o coordenador da Polícia Judiciária, Renato Furtado, na conferência que proferiu em Ponta Delgada: “a Polícia Judiciária apreendeu 150 mil doses de substâncias estupefacientes, nos primeiros cinco meses deste ano, entre haxixe, heroína e cocaína. Qual é o impacto que esta apreensão tem no nível de toxicodependentes? Quantos toxicodependentes deixaram de o ser, por causa das apreensões da PJ, da PSP ou de qualquer outra entidade? Talvez nenhum”.
“A única coisa que conseguimos fazer”, prosseguiu, “foi com que eles pagassem mais dinheiro pela droga. O problema da toxicodependência não é o problema da actividade policial. A polícia faz o seu trabalho no combate às redes. O problema da toxicodependência só pode ser resolvido por três vias. A primeira é a prevenção, a segunda é a prevenção, a terceira é o tratamento. O tratamento não é muito eficaz, há muita recidiva. Há uma estatística de que está tratado e um mês depois está de volta. Então, vou corrigir, há três estratégias, nomeadamente prevenção, prevenção e prevenção. É isto. Portanto, a Polícia faz o seu trabalho, a questão da toxicodependência e esses níveis que temos nos Açores também se combate com uma estratégia social, política, é a cidadania que tem de trabalhar...”.                                 

Maior número de apreensões
de resina de canábis em Portugal

 O Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência divulgou o seu relatório anual sobre a situação da Europa nesta matéria, numa sessão onde os efeitos da Covid-19, o aumento das transacções online e o aparecimento de elevado número de novas substâncias no espaço da União Europeia, foram alguns dos aspectos destacados.
Os dados sobre Portugal apresentam maior número de utentes em todos os que iniciam tratamento, tendo como origem ecstasy (19º país) e canábis, 7º país (39,6%). O maior número de apreensões em Portugal é de resina de canábis (1.709 quilos), sendo o 8º país da União Europeia com menor intercepção.
Portugal é o 15º do espaço europeu quanto a mortes induzidas pelas drogas, com um total de 55. Ocupa o mesmo lugar no que se refere ao diagnóstico de infecção por VIH relacionado com o consumo de drogas injectáveis, com 1,6 casos por milhão de habitantes. Portugal é o 8º país da União Europeia com maior número de seringas distribuídas, com mais de um milhão e quatrocentas mil.
Sobre estimativas de prevalência ao longo da vida, adultos entre os 15 e os 64 anos de idade, nas diversas substâncias, o nosso país tem maior número quanto a ecstazy e canábis (11%) sétimo da União Europeia, e menor número quanto a anfetaminas (0,4%), terceiro da UE.
Em termos globais, Portugal é um dos países onde se consome menos droga mas o Observatório Europeu adverte para as situações preocupantes de consumo de droga em Lisboa, Porto e Almada. Toda esta realidade portuguesa, tal como a europeia, é diferente do que sucede noas Açores onde o mercado é praticamente dominado pelas drogas sintéticas e pelas novas substâncias psicoactivas.

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Autor: João Paz

Categorias: Regional

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