Jorge Rita na inauguração da Feira Açores em Santana

“É uma utopia pensar que somos capazes de produzir para auto-abastecimento de cereais e alimentos nos Açores”

 O Presidente da Federação Agrícola dos Açores considerou ontem, na inauguração da Feira Agrícola Açores, que “é uma utopia e demagogia” dizer que as vacas “são para acabar nos Açores e que o leite acabará na Região”.
“Não há sector de actividade económica na Região que substitua o sector leiteiro por várias razões óbvias: pela dimensão que atingiu, pela especialização que atingiu. O carbono existe mesmo sem as vacas. As vacas são transmissor do carbono que está na pastagem que é comido pelo azoto, comido pelas vacas e expelido para o exterior. E se nós queremos ter a certeza que na Região tem um plafond favorável em termos de emissões de carbono ou de azoto, como queiram chamar, tenho a certeza absoluta que quando esta situação for monitorizada, nós vamos ter a agradável surpresa de que temos um plafond muito favorável. Para já, vivemos em mar aberto, vivemos em zonas claras e objectivas que toda a gente conhece, o verde das pastagens e muita floresta. E a floresta é indispensável nos Açores”, realçou.
Jorge Rita sublinhou também na sua intervenção que o sector da carne “tem um potencial incrível de crescimento nos Açores”. Em sua opinião, todos os sectores de actividade agrícola “têm vindo a crescer. Nenhum sector é substituível”, completou.
E, em sequência, sublinhou: “que me perdoem alguns aqui presentes, mas é uma utopia pensar que vamos ser produtores de auto-abastecimento de cereais e de alimentos nos Açores. Nós vivemos em ilhas com áreas limitadas. E estas áreas não estão só limitadas pela pastagem. Estas áreas foram limitadas nos últimos 50 anos com muita construção civil que absorveu os maiores e melhores terrenos que nós tínhamos de produções agrícolas. Não é só vacas, a pastagem e os milhos forrageiros. As pessoas não se esquecem – e quem tiver mais de 60 anos como eu tenho – percebe que o que cresceu foi a construção, precisamente nas zonas rurais. E muitos destes terrenos, onde se construiu muito, deixaram de ser produtivos. Isto é próprio do desenvolvimento. Não é uma critica. O crescimento também acarreta as suas dores. Não podemos é pensar que vamos ter o cãozinho todo bonito e que o cãozinho não trás as pulgas”.
Jorge Rita surgiu na Feira Agrícola sem ‘papas na língua’ e sublinhou que “há todo um caminho a percorrer no nosso sector que é a valorização dos nossos produtos. Esta é que é a grande deficiência regional”, considerou.
Não é que a estratégia regional de produção tenha falhado. A estratégia regional tem falhado um pouco precisamente por falta de valorização dos nossos produtos nos mercados. E isso tem os seus players próprios. E não podemos culpar só quem governa ou as organizações de produtores. São os players que estão no mercado que têm que ter esta capacidade de valorizar estes produtos. Produtos que, como todos sabem, são reconhecidos em todos os mercados pela marca indelével que é a Marca Açores, que não é devidamente potenciada em termos de valor acrescentado de todos os nossos produtos”, disse.
Jorge Rita considerou este trabalho de valorização dos produtos açorianos como um “desígnio regional. É com a excelência do leite dos Açores e a valorização dos nossos produtos nos mercados, não pela dimensão, mas pela diferenciação dos nossos produtos alocados à imagem Marca Açores. E a identidade de cada uma ilha e dos seus produtos. As nossas ilhas produzem todos de forma diferente. E quase todos eles têm uma degustação, sabores e tonalidades diferentes. A Marca Açores será sempre o chapéu de todas as produções regionais, mas obviamente que tem de haver uma marca que identifique claramente o que é que é de cada ilha”, realçou.
O Presidente da Federação Agrícola falou das decisões da Europa e a nível mundial com a descarbonização e as implicações que isso tem no aumento dos custos em matéria energética. “A seguir veio a pandemia (…). E para agravar a situação, que é a cereja no topo do bolo pela negativa, temos uma guerra totalmente absurda da invasão da Ucrânia pela Rússia com os reflexos que tem em toda a economia mundial”.
E considera este cenário como “uma tempestade perfeita porque estamos numa situação incontrolável de um brutal aumento dos custos de produção. Incontrolável por várias razões: A factura energética, e não só os combustíveis, sobe quase diariamente de forma, até agora, incontrolável. E temos a grande procura pelos cereais, onde há muito mercado especulativo. E Portugal é um dos países que depende muito não só da energia, mas também depende muito de cereais e de fertilizantes. E quando se fala de Portugal fala-se dos Açores.”
“A situação, hoje, toda a gente sabe que é complexa, difícil. (…). Alguém pensava que iríamos ter uma inflação como a que temos? Alguém pensava que as taxas de juro subiriam que estão a subir e vão continuar a subir? Há aqui uma série de situações que representam um grande desafio, obviamente, para quem governa , para quem decide, precisamente, quer na Região, quer no país, quer na União Europeia, porque os momentos que se avizinham não são favoráveis…”, referiu.
E clarificou que “tudo aquilo que tem sido criado em ajudas desde o PRR e no próximo Quadro Comunitário de Apoio (…) será insuficiente para esta desastrosa e calamitosa situação económica que vamos ter nos próximos tempos”.
“A Região, obviamente, não pode ficar indiferente a esta situação. Não fica. Nós sentimos tudo isto na pele, no dia-a dia, porque, ainda por cima, vivemos em regiões ultraperiféricas em que estamos muito dependentes dos transportes. Obviamente, que o aumento brutal dos custos dos transportes afecta-nos claramente no nosso dia-a-dia  e faz com que todos os nossos custos de produção, tudo aquilo que nós importamos, que depois são transformados em produtos de valor acrescentado. Estamos a falar na ordem dos 400 milhões de euros na área da agricultura que é o somatório entre leite e derivados, carne e outras produções tradicionais que têm vindo a emergir, que têm vindo a crescer e que têm alto valor acrescentado”.
Jorge Rita colocou a Região no espaço nacional: “estamos numa Região pequena em que a superfície agrícola útil representa 2,5% da superfície agrícola nacional, mas temos 35% da produção nacional de leite. Portanto, se há algum sector de actividade económica na Região que teve algum crescimento sustentável foi o sector leiteiro que é um grande exemplo de sustentabilidade”
Realçou, a propósito, “a valorização de excelência do trabalho que tem sido feito no melhoramento genético nos Açores…”
 Chamou a atenção para uma realidade ainda pouco realçada: “estamos a assistir, nas zonas altas de todas as ilhas à desertificação da pastagem. E isso é gravíssimo. Estes espaços têm de ser potenciados para a plantação de madeira e de floresta”.
Voltou a sublinhar que “não há turismo com sucesso na Região sem uma agricultura sustentável. O maior potenciador do turismo nos Açores é a agricultura que traz consigo a jardinagem, os seus verdes, os seus contrastes, as vacas na pastagem, a nossa gastronomia, a nossa imagem de marca”, disse.
 E o Presidente da Federação Agrícola concluiu com um apelo a todos os açorianos: “Sabendo que a agricultura também é o grande beneficiário directo de um bom turismo, que quer consumir e identificar os nossos produtos com histórias magníficas, precisamos de um esforço tremendo de todos os agentes, de toda a população açoriana em acreditar no potencial extraordinário que tem ao nível dos seus produtos  e tentarmos todos, de uma forma directa e indirecta, com o apoio dos governantes e dos partidos, no sentido de percebermos que a Região tem um potencial excepcional para deixe uma situação que a nós nos custa muito, que é vivermos na Região mais pobre do país. Esta é uma situação que é sempre desagradável para todos nós. Temos de sair desta cepa torta e temos de dar um salto em frente e temos todas as condições. Temos a máquina montada, temos pessoas e temos projectos. Temos a ambição de sermos mais do que aquilo que somos. E temos exemplos extraordinários de pessoas que saem da Região  para outros países que são super capacitados e com grande empreendedorismo em várias áreas. Este é um desafio para todos nós”, concluiu.
                                         

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Autor: João Paz

Categorias: Regional

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