Tábuas de madeira dos Açores para cozinha e de servir feitas na Calheta de São Jorge são exportadas para o Brasil, EUA e Suíça

Correio dos Açores – Como surgiu a ideia de começar a fazer as peças de madeira?
Nelson Branco – O ano passado, por volta do mês de Setembro, criei a minha marca, que se chama Wild Wood Azores. Mas ainda não a registei, estou a tratar disto. Estava em casa sem fazer nada e surgiu-me a ideia de ir fazer umas tábuas. Fui para a garagem, comecei a trabalhar nisso e fiz uma tábua. Quando cheguei a casa, comecei a observar melhor a tábua e pensei que conseguia criar um cachalote a partir dali.

A matéria-prima que utiliza é apenas a madeira?
Sim, madeira dos Açores. Só trabalho com madeira cortada cá, mais propriamente madeira de castanheiro e acácia. Além de que gosto de trabalhar com madeiras provenientes do mar, ou seja, que dão à costa.
Eu sou da Terceira, mas estou a residir em São Jorge e costumo frequentar a Caldeira do Santo Cristo, onde vou algumas vezes surfar. Quando saio da água, dou um passeio à beira-mar a ver se encontro algum tipo de madeira que me inspire a fazer alguma coisa e trago-a comigo na minha mota. Às vezes, fica no atelier durante um mês ou dois, até que olho para a tábua, imagino algo e começo a trabalhar nela. Outras vezes, quando as vejo no calhau, consigo determinar logo o que pode sair dali.

Já sabia trabalhar em madeira?
Sim. O meu pai é carpinteiro e quando era mais pequeno ajudava-o. O “despertar da madeira” foi, também, devido a isso. Ou seja, já tinha algumas bases e sabia mexer com alguns tipos de ferramentas. O que sei aprendi com o meu pai.

Portanto, não tem formação na área…
Exactamente. Isto não é o meu trabalho, é apenas um hóbi. Eu trabalho na SATA.

Escolheu trabalhar em madeira por influência do seu pai?
Sim. Sempre gostei de mexer em madeira. A minha paixão é o mar. Arranjei este escape quando o mar não está bom. Como referi, já tinha algumas bases, sabia mexer com algumas ferramentas e lembrei-me de fazer umas tábuas.
Foi também por influência da minha namorada. Tínhamos falta de umas tábuas de corte em casa e ela pediu-me para fazer. Além disso, ela costuma servir refeições vegan em retiros de Yoga e eu achei que se ela servisse estas refeições em tábuas de madeira, em vez de no prato, iria dar uma apresentação mais engraçada. E foi assim que foram surgindo novas ideias, alusivas aos Açores. A minha namorada é que fez a primeira publicação nas redes sociais. A fotografia publicada mostrava uma das refeições dela, servidas numa tábua de madeira que eu tinha feito. A partir daí, várias pessoas começaram a perguntar onde ela tinha adquirido a tábua e vi que havia potencial. Depois disso, dediquei-me mais. Fiz vários modelos e fui aperfeiçoando cada vez mais, ao longo do tempo, tanto as peças como o uso das ferramentas próprias para o efeito.

Em que se inspira para fazer as suas criações?
No mar. É a minha fonte de inspiração, sem dúvida.

Trabalha por encomenda?
Sim. Por vezes, os clientes pedem uma tábua mais longa ou mais curta, por exemplo. Gosto de deixar a madeira o mais natural possível. Ou seja, as laterais da madeira da forma mais natural possível para que não se note os cortes. Quanto menos mão humana tiver, melhor. O tratamento das tábuas também é feito de forma natural. Só utilizo óleo de coco ou cera de abelha para hidratar as tábuas. Isto é, depois de prontas são hidratadas com óleo de coco ou cera de abelha. Os acabamentos têm que ficar perfeitos, lisinhos, mas tudo da forma mais natural possível.
As outras peças que faço surgem naturalmente. Inspiro-me em alguma coisa e surge assim. Deixo lá no ateliê e, caso alguém se mostre interessado, faço a venda. Nem sempre é por encomenda. Apenas faço por inspiração.
Tenho clientes que me pedem para fazer uma peça dentro do conceito que faço. Pedem-me para desenvolver as minhas ideias e a minha inspiração, deixando ao meu critério.

Além das tábuas de corte, que peças faz?
Faço também candeeiros, cachalotes, mesas de centro, cabides para pendurar os casacos, esculturas de animais marinhos, entre outras.

Qual a peça que já teve mais sucesso?
As tábuas de corte, sem dúvida. Os modelos rabo de peixe e cachalote são as tábuas mais vendidas. São tábuas de corte e de servir. As pessoas dizem-me que não têm coragem para fazer cortes em cima da tábua.   

Faz personalizações, isto é, gravações na madeira?
Sim, com ferro quente de soldar.

Como funciona o processo de criação e produção?
Levo a madeira a uma serraria, porque o processo de serrar tem que ser feito num sítio específico para isso. Depois, levo a madeira a uma carpintaria, para pô-la na espessura que eu desejo e levo-a para o meu atelier, para trabalhar nela. Desenho, faço os cortes e acabamentos no atelier.

Tem pontos de revenda?
Tenho alguns pontos de revenda nos Açores, nomeadamente na Loja BeNature e no Hotel Senhora da Rosa, em São Miguel; na loja ‘Et cetera’ na Terceira; e no meu ateliê em São Jorge. Tenho umas coisas apalavradas para outras ilhas, para o Pico e Santa Maria, mas ainda não consegui concluir as encomendas para mandar para lá.
As pessoas pensam que o meu ateliê é uma loja. Porém, é apenas o espaço onde trabalho. Tenho lá um pequeno expositor, onde coloco as peças quando as termino.

Como é feito o transporte das peças?
Normalmente, eu é que faço o transporte até ao destino final. Por exemplo, um cliente pede-me para fazer uma tábua e eu digo-lhe que pode demorar um a dois meses, pois assim consigo juntar várias encomendas, levando-as todas de uma vez. Às vezes, tenho encomendas de particulares e peças para colocar na loja, pelo que as levo pessoalmente. Também envio por correio.

O transporte encarece o produto?
A nível de ilhas não encarece muito, mas para Lisboa sim. Claro que depende da dimensão da peça.

Já exportou para fora do país?
Sim. Já foram peças para o Brasil, Suíça e Estados Unidos, por exemplo. A tábua está na moda. Está na moda ter uma tábua em casa e servir em tábuas nos restaurantes.
Além disso, as pessoas quando visitam algum sítio gostam de levar uma recordação própria do local. As tábuas são alusivas aos Açores, pelo que a pessoa leva um pouco do arquipélago consigo e é algo que tem utilidade. Pelo menos, quando visito algum sítio gosto de levar uma coisa típica, que tenha utilidade e que não seja para colocar apenas na gaveta. Eu uso madeiras que têm longa duração e se forem bem tratadas duram uma vida. Como utilizo apenas madeira dos Açores e a peça é feita cá, as pessoas levam algo mesmo alusivo aos Açores. É Açores puro. Não é algo que comprou nos Açores e que foi feito na China. Aliás, o conceito da marca é mesmo este, é as pessoas levarem algo que lembre e que seja 100% Açores.

Qual o feedback que tem tido por parte das pessoas?  
Por vezes, as pessoas passam no ateliê e perguntam se podem entrar para ver. Apesar de limpar sempre o ateliê ao final do dia, às vezes, fica muito pó no ar próprio do trabalhar na madeira. Todavia, as pessoas não se importam e querem entrar à mesma. Depois, ao tocar e sentir a madeira das tábuas e dos restantes produtos, acabam por levar mais do que uma peça. Dizem-me que adoram, que está uma ideia muito bem conseguida e que os acabamentos são muito bons. Eu próprio noto que houve uma evolução, desde que comecei. Por acaso, guardei as primeiras tábuas que fiz. Talvez, um dia mais tarde, vou pô-las no atelier para que as pessoas possam ver a evolução que houve nas tábuas. Melhorei bastante a nível de acabamentos, ou seja, a parte de lixar as tábuas, além de que o facto de utilizar outros tipos de máquinas facilitou-me o trabalho e acaba por dar uma imagem mais bonita à peça.

Perspectivas de futuro?
Esta é uma pergunta um bocado difícil de responder, pois gosto de viver um dia de cada vez. A marca tem crescido mais do que estava à espera. Comecei numa brincadeira. Estou a ver a marca a crescer bastante e quero acompanhar este crescimento. Eu trabalho completamente sozinho, ou seja, não tenho nenhum empregado. Dedico-me àquilo depois do trabalho. A minha perspectiva é continuar a crescer, mas chego a uma altura em que fico com um certo receio de deixar de ter tempo para fazer as minhas coisas. Não quero que tire a minha liberdade. Começo a pensar que gostava de ir aqui, ali ou acolá, contudo tenho que terminar algumas peças no atelier primeiro. Se calhar chegará a um ponto em que terei de pedir ajuda a alguém. Fico reticente em relação a isso, porque o resultado pode não ficar como eu quero ou idealizo.
Por vezes, o que faço é dar uma previsão, sobre o prazo de conclusão, mais alargada aos clientes. Ou seja, o cliente pede-me para fazer uma peça e eu explico que tanto pode estar concluída em dois dias como em dois meses. Faço isto, pois não quero falhar com as pessoas. A maior parte das vezes consigo terminar a peça muito antes da data prevista, numa semana, por exemplo.

Quem sabe se um dia deixa de trabalhar na SATA e dedica-se exclusivamente ao seu negócio…
Toda a gente me diz isso. Dizem-me que vai chegar o dia em que terei que optar por um ou pelo outro. Sou uma pessoa com vários sonhos e gosto de os ir concretizando, mas gosto de ter os pés bem assentes na terra. Adoro o meu trabalho e a minha equipa na SATA. Além de que ter um trabalho efectivo, hoje em dia, sendo o trabalho que é, é bom. Dá-me segurança ter um ordenado fixo, para futuros investimentos. Não estou preparado para deixar esta oportunidade que me deram, pelo menos para já. Quero tentar manter ambos ao máximo e levá-los gradualmente e com calma. Talvez tenha que baixar o ritmo de um, agora desistir de um para me dedicar só ao outro, creio que não.                                   

Carlota Pimentel

 

Print
Autor: CA

Categorias: Regional

Tags:

Theme picker