Quando se observa o panorama actual do Mundo, e mais concretamente da Europa, começam a vir à lembrança momentos anteriores, com algumas semelhanças, mas com uma carga emotiva e sabor de tragédia, que nos perturba e preferiríamos nem sequer evocar, muito menos sentir que pode estar a aproximar-se uma repetição deles.
Antes da I Guerra Mundial também se pensava que nada iria acontecer e que o conflito entre o Império Austro-Húngaro e a Sérvia, por causa do assassinato do Príncipe Herdeiro em Serajevo, seria localizado e duraria pouco tempo. As forças militares que invadiram o território sérvio, numa pretensa operação de castigo e retaliação, marcharam com bandas de música à frente, como se tratasse de uma simples parada, até começarem a ser ceifadas pelas metralhadoras do exército contrário. Teve de entrar em cena o Império Alemão, em defesa do seu aliado a Sul, e a partir daí foi a generalização da guerra a toda a Europa e aos impérios coloniais então existentes. Portugal começou a ser atacado em Moçambique e em Angola, a partir das colónias alemães vizinhas, ainda antes da sua infeliz entrada no teatro de conflito europeu, forçada, segundo consta, para ter um lugar à mesa das negociações de paz e poder então defender as suas possessões coloniais, cobiçadas por outros contendores, inclusive os nossos antigos aliados britânicos.
Quase 30 anos depois, a Alemanha, dominada pelo nazismo e invocando ter sido maltratada na Conferência de Versalhes, reclamou os territórios que considerava seus e lhe tinham sido retirados e os outros em que, argumentava, minorias alemãs estariam a ser objecto de discriminação por parte das autoridades dos estados em causa. A ocupação da Renânia, da Alsácia e da Lorena, bem como depois, e já com argumentos diferentes, a anexação da Áustria, precederam a invasão da Polónia, a dividir com a Rússia por tratado entre as duas partes, e depois da Holanda, da Bélgica e da França, com uma rapidez assustadora, empurrando o exército inglês para um regresso precipitado à Grã-Bretanha, a partir das praias de Dunkerke. Não fora a resistência britânica, sob a liderança de Churchill, e a posterior entrada na guerra dos Estados Unidos da América e dos seus aliados americanos, e talvez a sorte das armas tivesse ditado a dominação da Europa, dividida ao meio, pela Alemanha e pela Rússia. Esta estava muito confortável com o autoritarismo nazista, ao qual o comunista pedia meças, e não se importaria de fazer tal partilha; Hitler, porém, considerava os russos “Untermenschen” e o território russo como fazendo parte do “Lebensraum” alemão, daí ter ordenado a Operação Barbarossa, que veio a ser a prova da sua mediocridade como chefe militar, ele que se julgava um génio na matéria, acabando escondido nos subterrâneos do “Bunker” da Chancelaria, enquanto a Alemanha e a sua própria capital eram destruídas à bomba sem dó nem piedade.
O que se está a passar nos últimos tempos no Leste da Europa parece o “remake” de um filme já visto. O ditador russo deitou pela borda fora as suas anteriores boas maneiras e está a comportar-se como um verdadeiro selvagem. A invasão da Geórgia e depois a anexação da Crimeia foram, está visto, exercícios de treino da capacidade de encaixe dos países europeus. A invasão da Ucrânia, à qual é formalmente negado o direito de existir como país independente, está em curso e com uma chocante brutalidade. Zonas residenciais, escolas e até hospitais são bombardeados com mísseis de precisão, visando abater a resistência dos ucranianos e cansar os seus aliados de ocasião, que são afinal todos os países da União Europeia, os Estados Unidos da América e os outros membros da NATO. Tal como já aconteceu na Chechénia, dos escombros só se vêm surgir mulheres, velhos e crianças, algum animal de estimação também, todos aterrorizados, os homens estão todos mobilizados e nas Forças Armadas da Ucrânia, que se batem com bravura contra um inimigo desigual, mais numeroso e bem armado.
Bem se esforçam as autoridades europeias em impor sanções económicas à Rússia e em dar apoio financeiro e em armamentos, cada vez mais sofisticados ao Governo Ucraniano. Mas a ditadura russa com isso não se amofina e até já ousa ameaçar com o uso de armas nucleares, sentindo-se por tudo e por nada ameaçada, agora com a anunciada admissão da Suécia e da Finlândia na NATO.
Quando os líderes do chamado Ocidente olham em volta vêem-se isolados, os governantes dos países do resto do Mundo assobiando para o lado, como se não fosse nada com eles o conflito que decorre nas lonjuras do Leste Europeu... Alguns parecem até mesmo regozijar-se com o embaraço em que se encontram as suas antigas metrópoles, que até há relativamente pouco tempo os dominavam como colónias e agora se afanam na devolução das obras de arte e outras riquezas saqueadas... A Rússia até se deu ao luxo de participar numa cimeira dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) para se apresentar como líder do grupo e reclamar um maior papel para o mesmo na cena internacional.
Faltam ao Ocidente aliados para apertar a Rússia na ONU como uma potência colonial, a explorar recursos naturais de povos submetidos à ponta da espada pelos exércitos dos czares... Mas se afinal, o actual ditador russo pretende ser um novo czar, como Pedro, o Grande, em busca de portos nos mares quentes da Europa do Sul, onde as forças navais russas não fiquem grande parte do ano aprisionadas pelos gelos...
(Por convicção pessoal, o Autor
não respeita o assim chamado
Acordo Ortográfico.)
Por: João Bosco Mota Amaral *