Os leitores da minha geração lembram-se certamente dos concursos televisivos que deliciosamente assistíamos em família. No baú das memórias, encontramos preciosas relíquias tais como “Palavra puxa palavra”, “Um, dois, três”, “A visita da Cornélia”, entre outras. Para além do divertimento e da aprendizagem inerentes a tais concursos, os concorrentes almejavam ganhar o máximo que podiam: um carro, uma viagem de sonho ou uma quantia avultada de dinheiro.
Caro leitor, hoje, em tom de despedida desta azáfama que antecede as tão desejadas férias de Verão, vou falar-vos sobre um problema cuja origem se deve ao concurso televisivo americano “Let´s Make a Deal”, apresentado por Monty Hall. Um problema que ficou na história devido aos contornos pessoais e matemáticos que conseguiu despertar.
Monte Halperin (1921–2017), mais conhecido pelo nome artístico de Monty Hall, foi um produtor de televisão, ator e cantor canadiano, que se tornou memorável na história da apresentação de concursos como apresentador do concurso televisivo “Let´s Make a Deal”, exibido na década de 1970 nos EUA. Graças a esse programa, Hall foi nomeado para um Emmy Award, o maior e mais prestigioso prémio atribuído a programas e profissionais de televisão. Em agosto de 1973 Hall recebeu uma estrela na Calçada da Fama de Hollywood, em maio de 1988 foi condecorado com a Ordem do Canadá e em 2002 recebeu uma estrela na Calçada da Fama do Canadá. Um dos seus programas de televisão chamou para a ribalta um problema da teoria das probabilidades, conhecido atualmente como o problema de Monty Hall ou o paradoxo de Monty Hall.
Comecemos por introduzir o contexto e o problema. Imagine-se que num concurso é dada a um concorrente a escolha de abrir uma de três portas para ganhar o prémio que esta esconde. Atrás de uma porta está um prémio apetecível (p. ex., um carro) e atrás das restantes algo sem valor. Obviamente que o concorrente quer escolher a porta que encerra o melhor prémio. Digamos que escolhe a porta 1. Para aumentar o suspense e contribuir para maior entretenimento, o apresentador, que sabe o que está por detrás de cada uma das portas, entra numa negociação com o concorrente, para averiguar o quão certo está do seu palpite, e tentando influenciar a escolha. Na verdade, ninguém sabe se o apresentador está a tentar ajudar ou não o concorrente, mas a determinada altura, para tornar as coisas ainda mais desafiantes, manda abrir uma das outras portas (não escolhidas pelo concorrente), digamos a porta 3, onde se verifica que não tem qualquer prémio. Naquele momento estão fechadas duas portas: a que o concorrente escolheu (a porta 1) e a que não foi aberta pelo apresentador (a porta 2). Então, o apresentador pergunta ao concorrente: quer manter a sua escolha na porta 1 ou mudá-la para a porta 2? O que faria o leitor? Mantinha-se fiel ao seu palpite inicial? Mudava a sua escolha?
O que proponho hoje é que analisemos esta situação à luz da teoria das probabilidades e que verifiquemos se, palpites à parte, o concorrente tem alguma vantagem em alterar a sua escolha inicial das portas.
Este problema ganhou visibilidade em 1990 quando foi publicado na coluna Ask Marilyn da revista Parade, uma revista com uma tiragem de cerca de 35 milhões de exemplares por semana nos Estados Unidos. Marilyn vos Savant é uma escritora americana, nascida em 1946, que ficou famosa, entre outras coisas, por deter o recorde do Guiness para a pessoa com maior QI. A coluna, publicada aos domingos, apresentava a resolução de puzzles e questões sobre vários tópicos colocadas pelos leitores. Quando um leitor lhe colocou o problema que acabei de descrever acima, Marilyn respondeu de forma sucinta indicando que, de facto, o concorrente tinha vantagem em alterar a sua escolha, porque a sua probabilidade de ganhar subia de 1/3 para 2/3 ou, em termos de percentagens, de aproximadamente 33,3% para 66,6%.
O leitor concorda com a resposta da Marilyn? Que inicialmente a probabilidade de acertar na porta correta é cerca de 33,3% penso que não suscita dúvidas. Agora que trocar de porta aumente para cerca de 66,6% já me parece mais rebuscado. Se o leitor é uma das pessoas que não acha correta a resposta da Marilyn, saiba que não está sozinho, pois, após a publicação, Marilyn recebeu milhares de cartas de leitores das quais 90% discordavam do seu raciocínio. Mais, alguns dos leitores que protestaram eram doutorados em matemática ou em física. A contraproposta apresentada pelos leitores de Marilyn seria que, após o apresentador abrir a porta que não tinha prémio, a probabilidade de o concorrente ganhar aumentava de 33,3% para 50%, pois restavam duas portas fechadas, e não 33,3% para 66,6% como Marilyn havia sugerido.
Obviamente que se o concorrente for chamado a decidir somente no instante em que existem duas portas fechadas, se trocaria de uma porta para a outra, não há nada que o consiga ajudar na sua decisão pois, sem mais informação de contexto, a probabilidade de ambas as portas terem o prémio é de 50%. Contudo, é crucial a informação extra sobre o modo como o apresentador eliminou a terceira porta, uma vez que não o fez aleatoriamente. Note o leitor que a ação do apresentador foi condicionada a não abrir a porta com o prémio.
Vamos então perceber por que razão Marilyn estava certa! Vou apresentar duas explicações: a primeira baseada na intuição, a segunda explorando todas as hipóteses. Há ainda uma terceira abordagem, recorrendo ao cálculo de probabilidades condicionadas, mas que vou poupar o leitor a tais achaques.
Considere-se o esquema apresentado na Figura 1. Cada porta tem igual probabilidade de esconder o prémio (1/3, aproximadamente 33,3%). Digamos que o concorrente escolhe a porta 1. A probabilidade de o prémio estar numa das outras portas e, por conseguinte, de não acertar, é de 33,3% + 33,3% = 66,6%. Imaginemos que o apresentador manda abrir a porta 3, que ele sabe que não tem prémio (ver Figura 2). Neste caso, a probabilidade de não acertar não se alterou no total (66,6%), mas sobre a porta 2 recaem agora os 66,6% de hipóteses de esconder o prémio, visto que a porta 3, sabe o apresentador, tem 0% de probabilidade de ter o prémio. Logo, mudar a escolha da porta é vantajoso para o concorrente, porque a sua probabilidade de ganhar sobe de 33,3% para 66,6% tal como afirmou Marilyn. Convencido?
Passemos à segunda explicação. Havendo poucas hipóteses em jogo, podemos construir uma tabela com todas as situações possíveis e verificar em quantas delas o concorrente ganha. Tal como anteriormente, vamos admitir que o concorrente escolhe sempre a porta 1 e que o apresentador escolhe uma das outras portas, condicionada ao facto de esta não ter prémio.
Na 1.ª situação o apresentador pode mandar abrir a porta 2 ou a porta 3, pois nenhuma delas tem prémio. Se o concorrente mantiver a sua escolha ganha o prémio! Se mudar, perde. Na 2.ª situação, o apresentador está condicionado a escolher a porta 3, pois é das duas a que não tem prémio. Neste caso, o concorrente ao mudar a sua escolha para a porta 2, ganha o prémio. Na 3.ª situação, o apresentador está condicionado a escolher a porta 2. Novamente, o concorrente ao escolher mudar de porta (para a porta 3), ganha o prémio. Feitas as contas, se o concorrente mudar a sua escolha ganha em duas das três situações, daí a sua probabilidade de ganhar subir de 33,3% para 66,6%. Contrariamente, se optar por manter a porta desde o início, irá perder em 2 dos 3 casos. Daí que seja mais lucrativo mudar de porta!
Este problema (de Monty Hall) já tinha sido colocado na revista The American Statistician em 1975 por Steve Selvin, um estatístico americano, nascido em 1941, professor emérito de Bioestatística da Universidade da Califórnia, Berkeley. Na altura a solução apresentada por Selvin também gerou polémica, mas não atingiu as proporções da solução avançada por Marilyn.
Caro leitor, o problema de Monty Hall é apenas um representante de uma classe de problemas que, apesar terem uma aparência simples, pode levar a nossa intuição a errar. Aquela mesma intuição que muitas vezes julgamos ser infalível. Se me permitem um conselho: cuidado com as intuições...
Boas férias, bons concursos e excelentes passatempos! Haja saúde e até setembro.