Numa era em que a Ciência anda nas bocas do mundo, nunca foi tão fácil abastardá-la, retirando-lhe o princípio básico de progresso e colocando-a ao serviço de interesses que nada têm a ver com esse princípio. Verdade seja que a deturpação da Ciência é coisa antiga, certamente muito anterior à célebre fraude onde um antropologista inglês ficou famoso por construir um falso homem-macaco, misturando numa saibreira ossos de um símio com ossos humanos. A datação dos restos, muitos anos depois, usando a técnica de C-14, um isótopo radioativo natural do carbono, comprovou tratar-se de uma enorme vigarice científica. Hoje é mais difícil escapar-se às malhas de controlo da veracidade científica, dada a competitividade existente e a globalização da informação, mas é sempre possível deturpar resultados, graças aos avanços da tecnologia. Estes podem ser aterradores, ou surpreendentemente benéficos, o que ficou provado com a pandemia atual, quando a Ciência e a indústria farmacêutica produziram vacinas em tempo recorde.
Acontece que um dos motores atuais do progresso é o lucro, o que é normal, sendo apenas anormal quando é especulativo ou fraudulento. Tudo serve de arma aos especuladores, inclusive a indústria das armas, para o que dá muito jeito uma boa guerra. Veja-se o comportamento das ações de empresas do complexo militar-industrial norte-americano, que logo uma semana depois do início da invasão russa da Ucrânia dispararam, com destaque para a Northrop Grumman, Lockeed Martin, Raytheon e Boeing, as “4 grandes” mundiais do armamento. Fabricam todo o tipo de armas sofisticadas, desde mísseis a caças a jato, tanques e artilharia. O contribuinte nem dá por isso, mas é quem paga a indústria através dos impostos, pois o Congresso dos EUA atribuiu ao Pentágono um orçamento para 2022, próximo dos 770 mil milhões de dólares. A Alemanha, quietinha em termos de militarização após a catástrofe hitleriana, atribuiu à Defesa 100 mil milhões de euros, cerca de 7 vezes menos que os americanos, mas que em termos proporcionais às respetivas populações, significa cerca de 50%. Num mercado internacional rondando os 2 trilhões, ou milhões de milhões de dólares, é apetecível colher os frutos do conflito ucraniano, onde as vidas humanas surgem como material descartável. Triste sina para um povo europeu que parecia caminhar para a estabilidade, paz e progresso.
Se os políticos ocidentais não tivessem outros interesses, centrados no petróleo e no gás natural, teriam tomado medidas preventivas, em vez de interventivas, parecendo que nem aprenderam com a História. Provocar o urso russo, quando tem como dono um cortejo de ex- KGBs tipo Putin, só podia dar mau resultado, uma vez que não foram tomadas as devidas precauções militares e económicas, sobretudo as energéticas. Então, porque não o fizeram? A explicação estará na subida dos preços da energia fóssil, um regalo para os produtores e uma desgraça para os consumidores, o habitual mexilhão que leva com a onda. Onda que veio pelo Atlântico até aos Açores, sem que a pudéssemos evitar, com ou sem PRR, o plano de recuperação europeu de que tardamos a sentir os efeitos mitigadores. Há já quem murmure que é mais um pote onde o Estado vai buscar uns dinheiros, enquanto os governos lançam ao vento grandes projetos, daqueles que ouvimos falar há décadas.
Os factos parecem confirmar as nuvens da dúvida, enquanto se acumulam as da dívida, sejam do Estado, das empresas ou das famílias, perigosamente próxima de um total de 800.000 milhões de euros. Entretanto, são noticiados o habitual desfilar anual de incêndios florestais (1000 hectares ardidos em Ourém, esta semana), o caos instalado nos aeroportos europeus (a que não escapam Lisboa e a TAP) e a bagunça nas urgências de obstetrícia dos hospitais públicos (em Braga já encerraram 5 vezes, num hospital que atende uma média de 40 grávidas/dia), num país que há 30 anos tem um inalterado estatuto do SNS-Serviço Nacional de Saúde. Descobriram agora a pólvora da sua atualização, para o que vão criar uma direção executiva, centralizadora e, eventualmente “independente”. É a velha receita salazarista: para adiar uma solução, cria-se uma comissão e depois se verá. Às vezes, nem isso, ao que vimos pela vinda aos Açores da Ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, que trouxe uma mão cheia de coisa nenhuma, falando vagamente da revisão do contrato programa com a UAc, mas nada concretizando sobre valores (1,2 milhões de euros anuais, anteriormente prometidos pelo seu antecessor) nem quando assinará o dito. Assim, Senhora Ministra, mais vali ter feito 2 coisas: uma, era ter ficado por Lisboa, poupando tempo, dinheiro e carbono na viagem; outra, ter permanecido na sua cátedra da Universidade Nova, onde desenvolvia com seu marido uma valiosíssima investigação sobre novos materiais.
Outro catedrático visitante foi o Ministro da Economia, que descobriu a pólvora das soluções para o mar dos Açores, a investigação científica universitária por via de uma mirabolante universidade atlântica, provavelmente para “colonizar” a Universidade dos Açores e, pérola das pérolas, o navio de investigação inscrito no pote do tal PRR. Está descoberta a Pólvora XXI.