19 de julho de 2022

Crónica da Madeira

Depois do Caos, a Bonança

 
Esta é a pequena história de um dia passado no aeroporto da Madeira à espera que o avião da SATA me levasse para S. Miguel.
O aeroporto tornou-se num teatro gigantesco com milhares de atores, cada um a representar o seu papel.
Eu permaneci impávido e sereno, com uma pequena sandwich para o almoço e o traseiro quadrado, pelas dez horas, sentado, numa cadeira de rodas.


Passei o dia inteiro, segunda-feira, onze de julho, no aeroporto da Madeira a fim de seguir viagem para a ilha da minha eleição: S. Miguel. Uma viagem programada, ao pormenor, recheada de vários acontecimentos. Quis o vento soprar mais forte no aeroporto da Madeira e tudo caiu por terra! O avião da “SATA” ainda tentou aterrar duas vezes. Foi até Las Palmas, voltou, mas depois rumou a Ponta Delgada. O aeroporto da Madeira regista às segundas-feiras o maior número de presenças de aviões, com chegadas e saídas de turistas.
No aeroporto encerrado, pelas razões que já expliquei, reinou o caos: milhares de passageiros, à deriva, batendo com a cabeça contra todos os lados, esperançados que o vento acalmasse ou então fosse passar férias para outra ilha. O meu grupo, 18 pessoas, bem rezou para que isso acontecesse. Há um Santo eslavo, Fanuriu, a quem suplico sempre, quando tenho as minhas aflições. Desta vez não me ouviu! Atravessei o aeroporto, rompendo aquele mar de gente onde eu naufragava, numa cadeira de rodas, e ali fiquei sentado até às 20:00 horas! Com o meu traseiro quadrado, levantei-me, a custo, e quase já não sabia andar!
Entretanto o grupo “Açores no Coração”, que eu tanto entusiasmei a visitar S. Miguel, pôs-se a fazer prognósticos: “o avião foi a Ponta Delgada, mudar a tripulação, mas volta com certeza”, disse-me a Zélia Caldeira. Não voltou! O meu amigo Manecas que de advocacia sabe muito, mas de aviões muito pouco, voava como um passarito, a telefonar para um amigo, antigo diretor da “SATA”, a pedir socorro. Também deu em nada! A minha amiga Fatinha, como uma borboleta, girou de um lado, para o outro, a colher informações. Talvez o avião aterre, talvez o avião não aterre! Ela seguia a rota do avião no seu pequeno e sofisticado telemóvel: “Vês, o avião deu agora um abanão!”. Eu vi um pequeníssimo avião, no ecrã, que voava para a direita, inclinado. O António Miguel que trazia na mão direita três gelados de canudos que se derretiam, constituiu a atração para os ingleses. Um deles não resistiu e perguntou-me: “Where I can by ice cream?”. Respondi-lhe: “Down but before you must across all these people”. O almoço não foi mau, nem bom. Para todos uma pequena sandwich e um Compal. Os ingleses e os alemães, já habituados a estas andanças, puxaram dos seus sacos pacotes de bolacha. A Ferdinanda, também ela sentada numa cadeira de rodas, e eu olhávamos, com espanto e uma certa inveja, para as bolachas! De certeza demos “olhado”… Havia gente sentada e deitada no chão. Discussões de velhos, cavalheiros, irritados com os gritos das crianças. Mães a discutirem com os cavalheiros irritados, de olhos arregalados e gargantas afinadas.
Os três andares do aeroporto estavam à cunha, sem contar com as centenas de passageiros que na rua apanhavam sol: uma verdadeira praia improvisada.
A Filomena, a Teresa, a Betty, a Maria da Luz e a Maria, a meio daquele interminável mar de gente, olhavam, com espanto, para as passageiras generosamente favorecidas pela gordura, com os seus gentlemen`s puxados pelo braço, acompanhando-as no seu andar vagaroso. Tal como as suas mulheres, o Zé Freitas, o Manuel Henriques e o Gabriel escondiam no olhar a esperança de uma partida adiada..
O Dr. Miguel Silva, reputado cirurgião, com o seu lindíssimo bebé ao colo, era já entardecer, passeava, com o passo bem ritmado, de um lado para o outro. O Dr. António Caldeira, meu ilustre médico, foi chamado para uma inesperada urgência: uma senhora descalça, de cansaço, estava à beira de uma guerra de nervos. Remédio santo: um chá de camomila. Assim passei o dia inteiro no aeroporto. Calmo e entusiasmado com a quantidade de espetáculos que me proporcionaram. Disse muitas vezes: o que não tem solução, está solucionado!
Quando saí do aeroporto pensei: Finalmente livrei-me deste vendaval! As minhas únicas preocupações eram as sopas do divino Espírito Santo, na Casa da Madeira, em nossa honra, cujo empenho do seu Presidente Dr. Luís Freitas é testemunho do seu dinamismo e do seu bem saber, receber.
A ele e aos colaboradores peço desculpa por este incidente de percurso, bem como ao Exmo. Sr. Presidente da Câmara, Dr. Pedro Cabral, que iria brindar com uma recepção o grupo “Açores no Coração”.
Ao regresso, às nossas casas, a Fatinha, dentro do táxi, recebeu a mensagem do novo voo da “SATA” para terça-feira, dia 12 de julho. Estávamos já no Funchal. Como ela vê mal, sem óculos, gritou: “Vamos de novo para o aeroporto, temos avião às 21h45m.”. Admirei-me. Ficámos felizes, os quatro, Betty, Ferdinanda, Fatinha e eu.
O taxista estava já a fazer a manobra de retorno para o aeroporto quando a Betty exclamou: “Também eu recebi uma mensagem da “SATA” para dia 7 do 12 de 2022”. Diz o taxista, com espanto, “mas isso é Natal minha Senhora”. Foi apenas troca de datas e falta de vista…
Finalmente, terça-feira, dia 12 de julho, chegámos a Ponta Delgada. A beleza da noite. O silêncio das ruas conquista-nos logo no ingresso: Estamos na “Cidade dos Poetas” – a cidade de Antero e de Natália Correia. Os nossos corações bateram de novo, a um ritmo normal…

João Carlos Abreu

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Categorias: Opinião

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