Correio dos Açores - Descreva os dados que a identificam perante os leitores! Já tem umas ‘costelas açorianas’…
Marta Guerreiro (Presidente da Comissão Executiva do novobanco dos Açores) - Natural de Odemira, Alentejo, completamente rendida a estas fantásticas nove ilhas há mais de 20 anos, que não vejo serem batidas por nenhum outro destino como melhor local para se viver.
Fale-nos do seu percurso de vida.
Percurso, hoje, felizmente, muito comum a muitos jovens que não tendo, à partida, um contexto económico e social especialmente favorável, através da escola pública, e do ensino superior público, com alguns apoios sociais, conseguem aceder a uma educação de qualidade que lhes permite, com trabalho e empenho, afirmarem-se profissionalmente. Assim, depois de completar a minha escolaridade no Alentejo, com 17 anos, fui viver para Lisboa, onde me licenciei em Economia pela Universidade Nova, tendo, logo de seguida, iniciado a minha vida profissional já em Ponta Delgada, no saudoso Banco Comercial dos Açores, mesmo no arranque deste século. As subsequentes passagens pelo Banif e pelo Santander fizeram-se na sequência dos movimentos de fusões e aquisições que se sucederam. Já o convite para integrar o XII Governo Regional dos Açores, em 2016, foi uma autêntica revolução na minha vida, ao qual respondi, depois de superar a surpresa, de forma afirmativa e convicta, e pelo qual estou muito grata. E, precisamente no final desse mandato, o desafio de integrar o Conselho de Administração do novobanco dos Açores não poderia ter surgido em melhor altura.
Como se define a nível profissional?
Procurando contribuir para o sucesso dos projectos em que me envolvo, por forma a que os mesmos também possam ter impactos positivos na vida das pessoas que com eles estão relacionados, seja a que nível for.
Quais as suas responsabilidades?
Actualmente, desempenho, com entusiasmo, as funções de Presidente da Comissão Executiva do novobanco dos Açores.
Como descreve a família de hoje e que espaço lhe reserva? Quais os impactos mais visíveis do desaparecimento da família tradicional?
Gosto de pensar que o que podemos ter perdido com os novos modelos familiares, mais pequenos e, muitas vezes, com maiores e mais frequentes distanciamentos geográficos, pode ser superado por relações familiares mais próximas e afectuosas, onde a compreensão, a tolerância, o bem-estar e a harmonia imperam. Sabermos evoluir como sociedade pressupõe reconhecermos que os projectos individuais são fundamentais, e que precisam do seu espaço, mas sem subestimar a importância da família, seja lá em que formato for.
Qual a sua opinião sobre a forma como a sociedade está a evoluir?
A evolução das sociedades dá-se em diversos domínios e é uma constante. Numa sociedade mais global, como a que vivemos, em termos de interacção social, encontramos hoje enorme diversidade cultural, étnica, de crenças, de orientações sexuais, entre tantas outras... Seremos, seguramente, uma sociedade melhor se soubermos olhar para esta diversidade como algo que nos enriquece, garantindo sobre a mesma sempre uma atitude positiva, onde imperem o respeito, a tolerância e a inclusão. Este já não deveria ser um desafio, mas ainda o é.
Que importância têm os amigos?
Os verdadeiros amigos, com os quais nos sentimos sempre em casa, são essenciais na vida. Quer estejam mais perto, quer estejam mais longe, não deixam de ser a família que escolhemos.
Para além da profissão, que actividades gosta de desenvolver no seu dia-a-dia?
Infelizmente, entre o gostar e o desenvolver, ainda há uma diferença, ainda que actualmente menor. Mas sim, aproveitar tudo o que este verde e este azul nos permitem; nesta altura do ano, mais o mar, sem deixar de dar lugar ao prazer de um bom filme, ou uma boa série, e agora, novamente, à reconciliação com os livros. E, conhecer, ou revisitar, outros lugares, será sempre algo que nunca quero deixar de fazer.
Quais os seus sonhos de criança?
A minha própria autonomia, essencialmente financeira, mas também de opções de vida.
O que mais a incomoda nos outros?
Nada, desde que não me incomodem a mim.
Que características mais admira no sexo oposto?
Acima de tudo, a capacidade de trazerem bem-estar a quem os rodeia e, naturalmente, independentemente do género.
Gosta de ler? Diga o nome de um livro de eleição?
Gosto muito de ler, apesar de reconhecer que o manancial de séries e filmes à disposição consomem algum do tempo que deveria estar dedicado à leitura. Tendo grande dificuldade em eleger um livro, prefiro referir o último lido/sentido: “Sombras e Outros Disfarces”, de Emanuel Jorge Botelho.
Como se relaciona com o manancial de informação que inunda as redes sociais?
Tentando ser selectiva, para aproveitar a componente mais virtuosa que as redes sociais têm para oferecer.
Conseguia viver hoje sem telemóvel e internet?
Já vivemos todos (pelo menos a minha geração e as gerações anteriores) sem telemóvel e sem internet e não seria por isso que viveríamos menos bem. Agora, claro, que ambos, apesar de poderem ser, muitas vezes, inibidores de pormos em prática o direito que todos temos de desligar, também nos facilitam muito a vida e permitem-nos aproximar de quem está mais longe. Como em tudo na vida, precisamos de bom senso e de o colocar em prática.
Costuma ler jornais? Quais?
Sim, quer os regionais, quer alguns nacionais. São essenciais para se acompanhar o que se passa na Região e no resto do mundo.
Gosta de viajar? Que viagem mais gostou de fazer?
Gosto imenso de viajar, embora deteste fazer malas. A viagem que mais me marcou foi o Interrail que fiz pela Europa, durante um mês, quando terminei a faculdade.
Quais são os seus gostos gastronómicos? E qual é o seu prato preferido?
Tenho gostos muito ecléticos, mas gosto mesmo muito de comer. Não muito, mas bem. Desde a cozinha regional até às abordagens internacionais contemporâneas. Neste momento, tenho imensas saudades de umas boas sardinhas assadas feitas pelo meu pai, em cima de uma fatia de pão da minha mãe.
Que notícia gostaria de encontrar amanhã no jornal?
Que os 17 objectivos de desenvolvimento sustentável tinham sido todos alcançados. Bem, pelos menos alguns deles, mas que os restantes também estariam em condições de o serem até 2030.
Qual a máxima que a inspira?
Prefiro a poesia, às máximas. Neste caso, mais um sentimento: “Arre, estou farto de semideuses! Onde é que há gente no mundo?” do “Poema em Linha Recta”, de Álvaro de Campos.
Em que Época histórica gostaria de ter vivido?
A actual. Já tem tantos desafios, que se torna difícil pensar não estar por aqui, agora.
Foi Secretária da Energia, Ambiente e Turismo. E, nestas três áreas, deu o seu contributo para o desenvolvimento dos Açores. O que a marcou mais na governação açoriana em cada um destes domínios?
Gosto de acreditar que demos o nosso contributo, como resultado do trabalho de uma equipa muito reduzida, mas também muito dedicada, de forma totalmente abnegada, aos vários desafios. Em todos eles, o facto do desenvolvimento dos projectos ter sido muito participado pelos diversos intervenientes da sociedade foi especialmente desafiante, mas também muito gratificante. Era exactamente isto que assinalaria uma vez que foi o que, no meu entender, ditou uma boa receptividade aos mesmos. E, isto, desde a revolução feita em termos energéticos, com, por exemplo, a definição e início da implementação da Estratégia para a Mobilidade Eléctrica ou o grande foco na importância da eficiência energética; passando por toda a dinamização ambiental, trazendo para a Região vários projectos LIFE que permitem a implementação de acções de extrema relevância na conservação da natureza ou no combate às alterações climáticas até 2027, com mais de 36 milhões de euros captados e, claro, em termos turísticos, com a definição clara e inequívoca do nosso posicionamento enquanto destino turístico sustentável, sem deixar de reconhecer o enorme caminho que temos pela frente.
Foi no seu mandato, enquanto governante, que os Açores foram certificados como o primeiro arquipélago do mundo com Turismo Sustentável. Esta candidatura foi o reconhecimento de uma realidade visível. Foi um momento de glória?...
Sim. Talvez o mais emblemático projecto do mandato, agregador das três áreas de actuação, a Certificação dos Açores enquanto destino turístico sustentável, em Dezembro de 2019, pela Global Sustainable Tourism Council, veio reforçar o posicionamento estratégico internacional e a notoriedade do destino Açores, com uma política e opções estratégicas de, simultaneamente, respeito e preservação pelo legado recebido, mas, também, de capacidade de potenciação desse mesmo património, sempre em benefício do bem-estar das gerações vindouras. Um projecto que resultou de uma candidatura desenvolvida nos dois anos anteriores e que importa continuar a acarinhar. Aliás, importa mesmo intensificar, pois, como é sabido, vários outros destinos, inclusivamente com outro tipo de vocações mais notórias, procuram também o seu espaço neste posicionamento, onde nós temos a obrigação de liderar.
Deixou de ser governante e foi convidada para Presidente da Comissão Executiva do novobanco dos Açores. Como tem sido a experiência?
Sim, recebi a primeira abordagem para este desafio ainda no final do mandato. Houve, depois, um processo de selecção que demorou algum tempo e que culminou num convite que acabei por aceitar. A experiência tem sido muito positiva. Tenho a sorte de contar com o conhecimento acumulado pela anterior Administração, onde o apoio por parte do Dr. Gualter Furtado tem sido extremamente importante e, simultaneamente, toda uma estrutura técnica e comercial que se revela muito enérgica e dinâmica, com entusiasmo por novos desafios.
Quer exemplificar a que tipo de desafios se refere?
Sim, claro. Refiro um em concreto. A recente crise pandémica vivida, com todos os custos que teve, também nos trouxe alguns ensinamentos. Ensinou-nos, desde logo, que somos capazes de trazer mais comodidade às interacções com os nossos clientes, com processos mais digitais, sem perda de segurança. Mas também nos ensinou como é bom podermos estar juntos, presencialmente, para os momentos realmente importantes. É com base nestas premissas que foram repensados os espaços e a nova forma de trabalhar do novobanco dos Açores. Actualmente, a agência de Angra do Heroísmo já se encontra a operar totalmente neste novo conceito, estando previsto lançarem-se, muito brevemente, os concursos para intervenção nos espaços da Sede, da Avenida Antero de Quental e do Hospital Divino Espírito Santo, em Ponta Delgada, mas também na Horta, na Madalena e em Vila do Porto, por forma a permitir que também aí se implemente o novo modelo, com espaços modernizados e extremamente apelativos, evidenciando que a relação com os nossos clientes é, sem qualquer dúvida, o foco da nossa actuação. De seguida, já com a nova imagem em todas as ilhas onde estamos presentes, estenderemos o projecto aos restantes balcões.
Como insere o novobanco dos Açores – enquanto único banco açoriano – no sistema bancário regional?
O actual contexto regulatório é extremamente exigente para as instituições financeiras, condicionando, por esta via, a existência de bancos de menor dimensão, nomeadamente de bancos regionais. A actuação do novobanco dos Açores é, naturalmente, facilitada pela forte ligação e pelas sinergias conseguidas com o grupo novobanco, mas sem deixar de ter um forte cunho regional, com a possibilidade de definição de estratégias específicas e de acordo com o muito importante conhecimento tido da realidade açoriana por quem está efectivamente na Região.
Como tem evoluído a concessão do crédito à habitação no novobanco??
De acordo com os dados do Banco de Portugal, divulgados trimestralmente, a carteira de Crédito Habitação nos Açores regista algum decréscimo nos últimos cinco anos. Já o primeiro trimestre de 2022 - últimos dados disponíveis - parece querer inverter esta tendência, apresentando um crescimento de praticamente 5% face ao final do ano anterior, com uma carteira de 2.175 milhões de euros. O novobanco dos Açores mantém uma quota superior a 2/3 do Crédito Habitação concedido pelas instituições com sede na Região, sendo este um dos nossos produtos de aposta.
O Crédito Habitação, além de ser um produto de extrema importância para a relação entre o banco e os seus clientes, representa sempre, também, acima de tudo, a concretização de um sonho pelos nossos clientes, que nós acarinhamos de forma muito especial, procurando apresentar sempre a melhor solução e com extrema rapidez de resposta.
Particularizo o Crédito ao Consumo. Há quem faça créditos para viajar. Quem faça créditos para ter carros de grande cilindrada, entre outros. Que abertura tem evidenciado o novobanco a este tipo de crédito?
Antes das crises vividas à volta do fim da primeira década deste século, assistiu-se, de facto, a intensos estímulos ao consumo que se vieram a revelar desajustados. Hoje, a regulamentação existente no que respeita ao Crédito ao Consumo, mas também no Crédito Habitação, relativamente a prazos máximos, preço e taxas de esforço já, por si só, veio introduzir elevada disciplina na concessão deste tipo de crédito. Não obstante, a nenhum banco deverá interessar conceder aos seus clientes facilidades de crédito que não estejam ajustadas à sua realidade e que podem acabar por se revelar problemas para ambos. Hoje, procuram-se, acima de tudo, e na banca em geral, acredito, soluções. Soluções que melhorem a qualidade de vida dos clientes e não que a comprometa, ainda que só mais à frente.
Enquanto economista, que análise faz à situação económica regional, passada a pandemia e, agora, com a invasão da Rússia?
Numa economia muito aberta, como aquela que se vive no mundo ocidental, a economia açoriana nunca deixará de sentir os ecos das dinâmicas da economia mundial, ainda que os seus efeitos sejam, muitas vezes, sentidos mais tardiamente. Hoje vivemos, simultaneamente, tendências bastante díspares. Por um lado, a subida da inflação e das taxas de juro, que nos condicionam o poder de compra; por outro lado, sectores económicos com muito boas perspectivas de crescimento, como é o caso do turismo ou mesmo da agroindústria; a par de uma situação de praticamente pleno emprego, onde o problema até passou a ser a falta de recursos humanos. Em simultâneo, dispomos de avultados fundos europeus, numa oportunidade que não se deverá repetir facilmente, e que temos a responsabilidade de utilizar da melhor forma para robustecer a nossa capacidade de gerar riqueza.
O aumento do custo de vida (subida de preços, inclusive em produtos alimentares) afecta, sobretudo, as famílias mais desfavorecidas, mesmo com o cabeça de casal a trabalhar. Em seu entender, que medidas podem ser tomadas para minimizar os impactos nestas famílias?
Para protecção das famílias mais desfavorecidas, num contexto de maior inflação, as medidas mais eficazes passarão sempre pelo apoio aos seus rendimentos, que sendo mais dirigidas a quem delas realmente necessita, minimizará os indesejados efeitos de maior estímulo ao consumo, que, por sua vez, pode acabar por poder ditar novamente maior inflação, se o problema base tiver origem na escassez dos bens.
Por outro lado, poder-se-á também actuar na formação do preço, quando tal for possível, de bens com maior impacto na evolução da inflação. Os combustíveis são um bom exemplo disso mesmo. No entanto, isto não pode ser desligado da necessidade premente, hoje maior ainda, não só pela evolução do preço do petróleo, mas também pela emergência climática vivida, de se apostar categoricamente nas energias renováveis.