Que balanço faz deste primeiro semestre de 2022?
Os resultados da actividade do Tribunal Judicial da Comarca Açores no primeiro semestre de 2022 são animadores, mantendo-se em linha com a evolução há muito tomada de diminuição das pendências, sucedendo que neste primeiro semestre a pendência processual diminuiu em pouco mais de 9% relativamente àquela que se verificava no termo do ano 2021. Ao nível de medidas de gestão, a situação a carecer de maiores cuidados respeitou ao Juízo Local Genérico de São Roque do Pico, que ficou privado de magistrado titular desde Fevereiro. Todavia, logrou-se fazer face ao problema mediante a acumulação do respectivo serviço por banda de juízes titulares de Juízos sedeados noutras ilhas. Com isso, no fim do semestre a variação da pendência do referido Juízo foi praticamente neutra em relação ao semestre homólogo do ano antecedente. Evitou-se, pois, que a ausência de magistrado se projectasse em termos negativos no serviço do mencionado Juízo. O que naturalmente deve ser creditado aos juízes que se prontificaram, nas difíceis condições arquipelágicas, a suportar o referido acréscimo de trabalho.
O número de processos é superior ao período homólogo do ano anterior?
Importa distinguir, por um lado, o número absoluto de processos pendentes no termo do primeiro semestre de 2021 e no termo do primeiro semestre de 2022; e por outro, a evolução percentual de diminuição em ambos os períodos, que se mede por relação com os períodos homólogos antecedentes. Quanto ao primeiro aspecto, o número de processos pendentes no fim do primeiro semestre de 2022 foi inferior ao número deles no fim do primeiro semestre de 2021. Concretamente, ali pendiam, em termos de pendência oficial, 6.843 processos, e aqui, 7.200. Quanto ao segundo aspecto, a taxa de diminuição de pendência no fim de ambos os semestres foi praticamente a mesma, em ambos os casos, montando a pouco mais de 9%.
A grande maioria destes processos são de que natureza?
A larga maioria de processos pendentes no Tribunal Judicial da Comarca Açores, como de resto na generalidade dos tribunais de Comarca, são processos cíveis, com prevalência para aqueles que se encontram na fase executiva, quer dizer, aqueles em que já foi prolatada decisão final e nos quais do que se trata é de executá-la coercivamente. No fim do primeiro semestre de 2022, dos 6.843 processos pendentes, 5.524 eram de natureza cível e, destes, 3.692 eram execuções cíveis. Boa parte da tramitação destes processos executivos não respeita ao tribunal, mas a agentes de execução.
Tem-se assistido a um aumento de novos processos crimes violentos?
Compreensivelmente, as aplicações de monitorização estatística ao dispor dos órgãos de gestão não se dirigem a aquilatar da natureza e tipos de crimes que ocorrem, já que a tarefa daqueles órgãos é a de alocar e gerir meios materiais e humanos. De modo que o que sabemos acerca do fenómeno sobre o qual me inquire, resulta essencialmente do Relatório Anual de Segurança Interna (o último conhecido é o de 2021). Sendo um muito útil repositório de informação sobre o fenómeno criminal do país deve, todavia, ser lido com olho analítico. Logo pela razão de que o que ele cura é de criminalidade participada às autoridades. E sabemos, por um lado, que nem toda a criminalidade que efectivamente ocorre é participada e, por outro, que nem toda aquela que é participada dá azo a uma acusação e, menos ainda, a uma condenação, o que sucede por razões que qualquer pessoa modicamente atenta logo intui, nomeadamente porque o crivo da prova vai sendo cada vez mais adstringente conforme se avança pelas várias fases do arco processual. Dito isto, o mencionado Relatório diz-nos que a criminalidade “violenta e grave” participada diminuiu na generalidade do país em quase 7%, mas aumentou em alguns distritos ou regiões autónomas, incluindo a Região Autónoma dos Açores, que entre aquelas sofreu, em 2021, o quarto maior incremento (14,6%), logo a seguir a Viana do Castelo, Bragança e Santarém.
O aumento de casos devido ao consumo de drogas sintéticas é preocupante?
Naturalmente que se trata de um fenómeno preocupante e que, como se sabe, afecta com especial contumácia e severidade as regiões autónomas dos Açores e da Madeira. São drogas que dão azo a comportamentos em extremo disruptivos, são altamente deletérias para a saúde de quem as consome e, por decorrência, constituem, devem constituir, preocupação de legisladores, aplicadores do direito, polícias e profissionais de saúde. Dificilmente se poderá dar luta cabal ao problema sem uma visão integrada do mesmo.
Quais são as carências da Comarca relativamente ao número de funcionários? As infraestruturas ainda satisfazem?
Todos as 23 comarcas do país se confrontam com o problema da cada vez mais sensível carência de oficiais de justiça. O grau dessa carência, medido em percentagem do número de oficiais de justiça que seria adequado e resulta do quadro legal, varia de comarca para comarca, atingindo níveis já deveras preocupantes em algumas. Nos Açores o défice de oficiais de justiça cifra-se em mais de 11% por referência a um quadro de cerca de 200 desess profissionais, o que coloca a Comarca, nesse plano, no meio da tabela no panorama comarcão nacional. Mas, como tudo o que respeita a um contexto arquipelágico, ver as coisas apenas pela perspectiva fria dos números não nos diz tudo. Precisamente por se tratar de uma comarca com uma feição arquipelágica singular torna-se mais difícil lidar com aquele défice, nomeadamente todos compreendendo sem esforço o desafio que ele coloca ao nível da mobilidade interna, intra-comarcã. Não é a mesma coisa mobilizar um oficial de justiça num contexto de continuidade geográfica do que num contexto de descontinuidade como é aquele que inere a uma realidade insular. Quanto às infraestruturas, o problema delas é menos o de não serem satisfatórias (muito embora algumas o não sejam, com proeminência para a ainda sensível falta de acessos próprios para pessoas com mobilidade reduzida), do que o não serem alvo da necessária, e em alguns casos verdadeiramente urgente, manutenção (é o caso das infiltrações de águas pluviais nos palácios da Justiça de Santa Cruz das Flores e de Ribeira Grande). Esses problemas, e um ror de outros porventura menos relevantes, têm sido sistematicamente acusados às entidades competentes com vista a serem cabalmente dissolvidos.
Quais são as dificuldades da Justiça nas ilhas mais pequenas dos Açores?
Não será nenhuma novidade, e menos um exagero, afirmar que o arquipélago dos Açores, constituindo-se em ultraperiferia, também contém, ele mesmo, “periferias”, que são precisamente as ilhas mais pequenas e por decorrência com menos recursos materiais e humanos. Nelas colocam-se, entre outros, problemas de escala, sendo evidente que a flexibilidade de medidas de gestão relativas a recursos humanos diminuiu na proporção em que diminuiu o universo de recursos humanos, o que só se agrava com a acima apontada falta crónica de oficiais de justiça, colocando os serviços em constante tensão. Depois, é sensivelmente mais difícil adjudicar obras necessárias a corrigir deficiências dos edifícios, sendo o tecido empresarial e a mão-de-obra mais minguados e os preços mais elevados. Enfim, as referidas ilhas são em geral menos atractivas a respeito da fixação de oficiais de justiça. Esta realidade deveria merecer um especial olhar: por um lado, um que atendesse às especificidades do “mercado”, de modo que o valor que o Estado está disposto a pagar por uma obra em zonas superlativamente periféricas não seja visto como independendo dessa condição; por outro, um que equacionasse estímulos, materiais ou imateriais, ou ambos, à fixação de profissionais. No fundo, é um problema geral do país, um fado nosso, o da marcada assimetria na ocupação do território, que surge como causa e como efeito de assimetrias de desenvolvimento que se vão perpetuando em círculo vicioso. Só que nas ilhas, e por serem ilhas, isto sente-se e tem capilaridades que noutros lados talvez não se intuam com tanta nitidez.