1. Sinto sempre um inolvidável prazer quando escrevo sobre a minha terra natal, sobre a sua boa gente, a sua história dorida aqui ou na emigração, a sua fé no Divino Espírito Santo e no Senhor Santo Cristo dos Milagres, a sua herança familiar e cultural e da terra que lhes viu nascer. Aqui do Espigão, vejo o mundo inteiro: a vegetação multicolor povoada por pássaros que cantam até à noite, que esvoaçam tão velozes como os aviões que por aqui passam nos céus picados de nuvens e neblina, na rota para a Europa e para as Américas, onde estão muitos açorianos a labutar pela vida; vejo o mar profundo azul por entre o arvoredo verde, o Atlântico que também faz parte da história deste povo que o sulcou em tempos bem mais difíceis, carregando nos ombros as incertezas do futuro e o peso dos sonhos de uma vida mais feliz para toda a família; vejo o casario onde nasceram tantas famílias que ainda aqui labutam e de outras que escolheram diferentes rumos na ilha ou nos países acolhedores dos Estados Unidos, do Canadá, do Brasil e da Bermuda, fora os pequenos núcleos espalhados pelo mundo inteiro; vejo o céu quase azul a espelhar-se nos campos hoje quase todos transformados em pastagem com algum milho para forragem, onde outrora crescia viçosa a seara de trigo em abundância e de campos de milho de maçaroca refulgente, que esta crise provocada pela Rússia ainda relembra necessidades que podem voltar ao presente ! Que bom estar aqui nesta terra de gente genuína, firme e inteligente, que relançou para a vida tantos nomes que enriquecem a sua história, o seu património e os seus pergaminhos.
2. Nesta geografia predomina a MONTANHA, do Salto do Cavalo ao Pico Bartolomeu entremeiam-se os picos, os montes e as serras, os Graminhais para o lado poente e a sumptuosa Serra da Tronqueira, para nascente , arvorando-se quase a meio o Pico da Vara com os seus 1103 metros de altitude. Por entre montes e vales situam-se as tão pitorescas ribeiras que a natureza permitiu que servissem de fronteira entre localidades. Algumas têm nomes bem genuínos e criativos: Ribeira Despe--te-que-suas, em Algarvia, Ribeira da Mulher, Ribeira das Coelhas, Ribeira d’Água, Ribeira Tosquiada, Ribeira do Guilherme ou dos Moinhos, antes de chegar à Vila, Ribeira dos Caldeirões, Ribeira do Lenho, de entre outras.
Nestes vales e ribeiras, nas vertentes das montanhas, a floresta garbosa e viçosa de criptoméria, nos desfiladeiros que desembocam em grotas profundas, a natureza brota em abundância de nascentes, quedas de água e plantas exóticas e endémicas, com um ambiente multicolor e multiforme de beleza estonteante que permite passeios organizados inesquecíveis num magnífico cenário que urge inventariar para deleite de todos os que gostam da natureza pura e virgem! Esta, é portanto, uma das maiores riquezas que o NORDESTE pode oferecer a quem o visita.
3. O MAR, neste concelho, fica perto e fica longe, e foi sempre para os residentes um ponto de encontro e uma aventura, para a pesca com caniço e para a apanha das apreciadas lapas e búzios e para um gostoso e retemperador banho nas águas límpidas do Atlântico. O mar faz parte integrante da natureza e, por isso, não podemos viver sem ele e de tudo o que ele nos dá. Só que o mar no Nordeste é quase inacessível devido à costa alta e escarpada, daí a enorme dificuldade de acessos às suas ondas refrescantes; exceptuam-se o porto da Achada e a Fajã do Araújo, que aguardam oportunidade de investimento. O concelho viveu longos anos sem poder usufruir de banhos de água salgada e só a meados do século passado, por iniciativa do então presidente da Câmara, José de Sousa Cavaco, de saudosa memória, foi aberto o acesso à Boca da Ribeira, na foz da Ribeira do Guilherme, construído um enrocamento contra a fúria do mar naquela zona da ilha e uma piscina para gáudio dos nordestenses. Uma estrutura que se foi aguentando e que foi sendo melhorada, até que nas cheias de Setembro de 1986 a fúria das águas vindas da Tronqueira, que se misturaram com as revoltosas do mar, destruíram moinhos e pontes, destruíram e aterraram toda a zona balnear, desaparecendo por completo três apartamentos que a Edilidade havia construído com sacrifício, que os dinheiros na altura eram escassos! Tive a dita de enfrentar esta tragédia (morreu um camionista na ponte de Santo António da estrada regional, que caiu nessa mesma altura) e, à frente da Câmara, arregaçamos as mangas e pusemos mãos à obra de reconstrução dos elevados prejuízos em quase todo o concelho (só no Nordeste caíram duas pontes da ER) com a indispensável e preciosa ajuda do Governo dos Açores. O atual acesso é mau e a piscina é sempre provisória porque o mar é agreste e requer uma proteção fortificada e com os meios técnicos e de engenharia indispensáveis à sua manutenção. As promessas políticas têm sido feitas pelos diversos governos, mas agora há forte esperança na palavra do presidente Bolieiro de se construir um acesso e uma zona balnear moderna e de qualidade, a que muito se tem empenhado a Câmara atual sob a batuta de António Miguel Soares.
4. Restam duas realidades indissociáveis e sem as quais não se consegue avançar com qualidade e com determinação: o empreendedorismo e a criatividade dos empresários do concelho e outros investidores (com Autarquias e Governo de mão dada) e a requalificação das tradições do Nordeste, começando pelas religiosas, passando pela gastronomia, pelo artesanato local e pela animação cultural e musical, com boas esplanadas, boa restauração e bom acolhimento! Tudo no Nordeste tem sabor e é genuíno, faz-se como faziam os nossos avós e ainda se respeita o que foi herdado em memória dos nossos antepassados!
Espigão,
Verão de 2022
Eduardo Medeiros *