José Manuel Leal, Presidente da Junta de Freguesia de São Pedro

É preciso “deixar de bater nas costas, dizer que estamos solidários e passar à actuação”

Pedia que começasse por traçar um retrato geral da situação social vivida na freguesia? A toxicodependência tem vindo a crescer?
Aqui na freguesia e não só. O problema que existe na freguesia de São Pedro não é de agora, mas agudizou-se nos últimos tempos. É um problema de segurança e é preciso não confundir os indigentes e os sem abrigo com a criminalidade; são coisas distintas e é necessário ter algum cuidado nessa abordagem. Mas este é um problema da cidade de Ponta Delgada e que já se repercute nos arredores, no concelho e na própria ilha em geral.

São Pedro sempre sentiu este problema?
Sim, mas agora o que se está a passar é que esse consumo aumentou nos últimos tempos. Mas, pior do que isso e para além desse consumo se ter vulgarizado, apareceram em cena as drogas sintéticas que, ao contrário das outras, são mais difíceis de ter um enquadramento jurídico punível. A droga sintética é um composto A+B+C a que se dá a volta acrescentando D fazendo com que passe a ser legal. Tudo isto faz com que quem trafica este tipo de estupefacientes esteja sempre um passo à frente do legislador, de quem fiscaliza ou de quem age contra esse tipo de situações. Tenho que ser sincero e admitir que temos imensa gente a traficar e a consumir esse tipo de drogas que, segundo me dizem, é pior do que as outras, porque ‘desequilibra’ mais as pessoas. É uma droga mais difícil de apanhar, é traficada à vontade na rua e existem casas nesta freguesia onde o tráfico é feito às claras. Claro que isso cria insegurança em torno das casas vizinhas e existem desacatos constantemente entre os grupos que traficam e entre os consumidores.

Esse aumento de consumos tem claras implicações ao nível da segurança?
Existem casas que estão assinaladas e que são autênticos centros de comércio desse tipo de droga. Toda a gente sabe quais são e se sair agora consigo posso dizer-lhe onde estão. Têm inclusivamente seguranças à porta e toda a gente sabe também que esses seguranças, se não estão armados, sabem onde estão essas armas. Já assisti a cenas de ameaças com armas e eu sei porque trabalho aqui na Junta e sou um espectador privilegiado de algumas dessas casas. Quando vejo um indivíduo sair de um carro com um objecto apontando para outros e toda a gente aos gritos e a fugir para baixo dos carros ou a saltar balcões de casas, não é certamente por ele ter uma barra de chocolate na mão. Isso existe e eu próprio já tive de me deslocar aqui para o lado da janela porque se algum desses indivíduos tiver ‘o dedo leve’ a bala não escolhe o alvo. Andamos neste clima e este é um problema que não sucede apenas nas Laranjeiras, que sempre foi um bairro instável nesse sentido, mas que assistiu a uma grande melhoria. Eu próprio, já como Presidente de Junta bem como outros antes de mim, tive o prazer de ser uma dessas pessoas que trabalhou para essa melhoria e inclusive muitos daqueles que eram os antigos traficantes até se empenharam depois em acções na freguesia; levantaram, por exemplo, o Império do Espírito Santo e começamos a conviver e a ter mais paz. Não digo que o tráfico tenha acabado, mas havia mais tranquilidade. Agora com a pandemia, com o desemprego, com a crise social e económica e com a aparecimento das drogas sintéticas, a coisa descambou (…) Há aí casas abandonadas onde eles fazem sexo, injectam droga e ‘metem-se’ com as famílias. Houve até uma casa que a Câmara Municipal fechou recentemente a nosso pedido na Rua da Mãe de Deus onde, as crianças que vinham da Escola Roberto Ivens, as pessoas que vinham de uma Clínica ao lado e da Universidade, viam-nos ali de seringa.

Quantas casas já foram
emparedadas na freguesia?
Posso dizer que nos últimos dois anos, mesmo em plena crise, foram mais de uma dúzia de casas.

E ainda há algumas
para fechar?
Ainda esta semana vamos fechar mais uma. Estou à espera que o dono se pronuncie porque temos sempre esse cuidado de falar com o proprietário, respeitando a propriedade privada. Falamos depois com a Polícia para ir ao local averiguar se a casa tem alguma pessoa ou algum animal no seu interior.  

Qual a sua opinião relativamente ao papel da Polícia?
A Polícia não tem recursos humanos e materiais para tudo e ainda recentemente ouvi o Presidente da Câmara de Lisboa queixar-se também nesse sentido. É preciso dotar a Polícia de mais recursos, mas também é preciso dar mais autoridade à Polícia. Não sou a favor do autoritarismo, mas considero que também estamos aqui a cair num laxismo. Autoritarismo é uma coisa, autoridade é outra e também reconheço que, para além de terem falta de recursos, de ordenados que não são propriamente compensadores, além desse desânimo, ainda têm o duplo desânimo de virem aqui prender as pessoas para depois no dia seguinte, por qualquer questão jurídica, serem soltos.

Também vamos começando a ter pouco espaço na prisão para tanta gente…
No encerramento das Festas de São Pedro o Monsenhor Weber dizia que ia à Prisão nos anos 80 e encontrava 50 presos. Hoje em dia são 300 ou 400 presos. Há qualquer coisa que não está bem, mas esses indivíduos também não podem andar aqui, serem detidos pela Polícia e no dia seguinte estarem já cá fora. Isso cria um sentimento de impunidade e um acréscimo de insegurança aos moradores. Quando a Polícia está ausente por falta de recursos humanos e materiais ou chega tarde e quando os próprios moradores vêm os prevaricadores soltos, claro que há um sentimento de revolta e de injustiça. Esta não é uma questão politico-ideológica é uma questão social. Há um sentimento de revolta, de injustiça e eu tenho queixas de todos estes condomínios por aqui a baixo. Estamos a falar de vários responsáveis de condomínios que representam um número grande de moradores e que dizem que os filhos não podem vir à janela porque presenciam pessoas a fazer sexo ou a injectar-se.

Admite a possibilidade de ser criado um grupo de vigilantes aqui na Freguesia?
Há pessoas que disseram que se nada for feito que já têm vizinhos dispostos a reunir-se e dispostos a tudo. Quem está disposto a tudo… cada um tire a sua ilacção. Claro que isso me preocupa porque considero que a justiça não deve cair na rua. Há organismos e instituições que devem exercer a justiça já que a segurança e a força são monopólio da Polícia e das Forças Armadas, não de grupos de cidadãos criados ad-hoc. No Brasil e em outro locais isso acontece, mas acho que ainda não precisamos de chegar a esse ponto. Se não forem tomadas atitudes práticas e senão deixarmos o discurso académico, teórico e politicamente correcto para ‘inglês ver’, não vamos a lado nenhum.

Uma dessas medidas é a criação de um novo Grupo na freguesia?
À semelhança daquele que a Câmara tem e que ainda não foi reactivado. O senhor Presidente já disse várias vezes que o faria, mas ainda não o colocou em prática, talvez por razões de agenda porque a verdade é que também não estamos a falar de um concelho pequeno. A Junta de Freguesia tenciona, muito em breve, reunir-se com uma série de entidades na freguesia para abordar esse assunto. Digamos que este será uma espécie de conselho de abordagem das questões de segurança da freguesia e que, para além da Junta, terá alguém das várias polícias. Há também outra realidade que não gera tanta insegurança que é a questão da prostituição, cada vez com pessoas mais novas. Portanto, esse Grupo será composto pela PSP, PJ, Acção Social e moradores de várias áreas para os poder auscultar e perceber como se podem resolver as questões. Haverá uma agenda envolvida e instituições que lidam com esses problemas e que vamos convidar, como por exemplo a ARRISCA que também tem valências aqui em São Pedro.

Quando será criado?
Ainda tenho que falar com essas instituições, mas vamos reunir, sentarmo-nos à mesa e abordar a questão da freguesia de São Pedro de uma forma particular. Depois, é preciso perceber que este não é um problema exclusivo de São Pedro, as outras freguesias também se deparam com ele e este é um problema da cidade, do concelho e da ilha. Mas voltando a São Pedro, que é a minha jurisdição, em sintonia com a Câmara Municipal, com as outras freguesias e com o Governo Regional, que não se pode dissociar disto, necessitamos aqui de uma abordagem mais generalizada porque não adianta fechar uma casa em São Pedro para eles depois irem para a Matriz.

Não se corre o risco de haver uma certa dispersão com a criação destas entidades nas freguesias?
Este Grupo tem um carácter consultivo e gostava de ouvir os moradores sobre esta questão da segurança e penso que, para além da Assembleia de Freguesia, que é um órgão por excelência para se ouvir a população, se deve ir mais além. O problema do Bairro das Laranjeiras não é o mesmo da Levada, que também não é o mesmo da Mãe de Deus e nesse sentido, um Presidente de Junta mais informado, sensibilizado e aconselhado dará o devido seguimento a nível municipal e regional, concertando posições, sempre que possível, com os restantes presidentes de junta.

Irá avançar já em Setembro?
Em Setembro ou Outubro. Não lhe posso dar data uma data concreta mas tenciono criar um Grupo Consultivo que depois se transforme em algo mais actuante.

A intenção é que esse Grupo possa vir ter a mais força junto da Câmara Municipal?
Sim, esse Grupo de Trabalho vem dar mais força.

Como Presidente de Junta, sente-se um pouco abandonado?
Já estive com os meus outros quatro colegas Presidentes de Junta da cidade com o Governo, com a Câmara Municipal e abandonado talvez não seja a palavra certa, mas penso que temos de passar das palavras à prática. Deixar de bater nas costas, dizer que estamos solidários e passar à actuação. A coisa está a chegar, sei do que falo e sei que os meus colegas sentem isso, a um limite. O que se passa aqui nas Laranjeiras, na Pranchinha ou na Calheta, passa-se também na Arquinha, na Rua de Lisboa, no Lajedo ou em Santa Clara. Estamos a chegar a um ponto em que os moradores se estão a revoltar em todo o lado. Cada um fala por si, mas existe um mau estar da população. Somos nós, tal como os meus colegas, que estamos aqui na linha da frente e por isso não percebemos como existem pessoas a dizer que está tudo bem. Não é essa a percepção da população, da maior parte dos autarcas da cidade e penso que a maior parte das pessoas percebe que não é isso que está a acontecer. Basta dar uma volta pela cidade para perceber que não é assim.

Qual é o limite para a paciência das pessoas?
Sinto que estamos em contra-relógio, o cronómetro não para e as pessoas estão a ficar impacientes. Penso que o bom senso e a razoabilidade ainda imperam, mas já se começa a falar e quando assim é, está na altura de atacarmos o problema porque caso contrário poderá haver uma escalada.     

A freguesia de São Pedro até já teve um Grupo de Vigilantes nos anos 90. Há o risco concreto de isso voltar a acontecer?
Penso que ainda não porque as pessoas ainda mantêm alguma esperança. Deixe-me também referir que temos de perceber que estes indivíduos são seres humanos que têm de ser tratados e bem enquadrados, agora, quem tem responsabilidades não pode fechar-se no seu gabinete e dizer que não é nada consigo.
Há a necessidade de sairem mais...
Acho que há muitas instituições que precisam de vir mais para o terreno. Para terminar, é preciso reconhecer que existe um problema de insegurança que é visto e sentido pela população. É preciso assumir isto de uma vez por todas e não deitar área para os olhos das pessoas porque elas convivem com este problema. Depois, é preciso ter a coragem de abordá-lo passando das palavras aos actos, vindo para a rua e tendo uma actuação de integração destes indivíduos, sejam indigentes, traficantes ou consumidores. É difícil, não há fórmulas mágicas agora é preciso rever certas regras e procedimentos, dando mais autoridade e recursos a quem precisa. Respeito muito as liberdades e garantias desses indivíduos, mas temos igualmente de perceber que as liberdades e garantias da restante sociedade também está colocada em causa.

Luís Lobão *

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Autor: CA

Categorias: Regional

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