António Soares, natural de São Brás, concelho da Praia da Vitória, é um dos dez produtores de leite terceirenses que aceitou o desafio lançado pela UNICOL paraw transitar a sua pastagem para o “Modo de Produção Biológico” (MPB), iniciando o modo de conversão há cinco anos e tornando-se oficialmente produtor de leite biológico há dois anos e meio.
Neste momento, conforme conta nesta entrevista, existem mais 11 produtores terceirenses que iniciaram o período de conversão, com uma duração de dois anos, para que possam também produzir leite biológico nos Açores, produto este direccionado para um nicho de mercado que privilegia o consumo de produtos mais saudáveis. Em relação ao leite proveniente de uma pastagem intensiva, António Soares conta que cada litro de leite biológico vale mais 12 cêntimos quando chega à indústria, havendo ainda margem para que este leite seja valorizado a partir de outros produtos com maior valor acrescentado.
Embora considere que tenha tido uma redução de 25% na sua produção total por cada ano dedicado ao Modo de Produção Biológico, o produtor açoriano – que há 32 anos decidiu seguir as pisadas do pai nesta profissão – considera que esta quebra na receita acabou por ser “altamente vantajosa” devido à redução drástica no investimento feito com alimentação para o gado, o que permitiu que a rentabilidade da exploração tenha “subido substancialmente”. Devido à avultada existência de flores de trevo nestas pastagens, os produtores colaboram também com um projecto dedicado à apicultura biológica.
Correio dos Açores: É hoje um dos 10 produtores dedicados à produção de leite biológico na ilha Terceira. O desafio foi lançado pela UNICOL em que moldes e o que o levou a aceitar?
António Soares (Produtor de leite biológico): Pertenci ao grupo pioneiro que se dedicou a este “Modo de Produção”. Inicialmente éramos oito, mas actualmente já somos dez produtores todos cooperantes da UNICOL. Existem neste momento mais 11 no período de conversão que tem uma duração de dois anos. A UNICOL, apercebendo-se de que havia um nicho de mercado para este leite, lançou-nos o desafio. Depois de ponderar os prós e os contras, decidi que teria muito mais vantagens do que desvantagens. Das minhas leituras, apercebi-me que a futura Política Agrícola da União Europeia ia, indubitavelmente, nesse sentido.
Nós, portugueses, temos sempre a tendência para adiar as soluções e, por vezes, só as tomamos quando somos pressionados, mas é preferível ir fazendo uma aproximação àquilo que será a produção de leite no futuro, sem grandes sobressaltos. Quero dizer com isto que as explorações actuais, mais intensivas, deveriam a pouco e pouco ir alterando o seu maneio, aproximando-o daquilo que a UE pretende para que, na altura não haja sobressaltos como aqueles sobreviveram após a abolição das quotas leiteiras e que ainda hoje se fazem sentir.
O que define uma produção leiteira biológica?
Existem várias regras a seguir que estão devidamente legisladas. A observação destas regras cumpre ao produtor, mas supervisionadas por uma entidade certicadora.
De uma maneira simples, posso-lhe descrever algumas regras: Não são permitidas fertilizações azotadas com adubos de síntese que, como se sabe, podem contaminar aquíferos, ribeiras, e até o próprio mar, com nitratos. Ingeridos em certas quantidades podem sem cancerígenos. Por isso, no MPB a constituição florística das pastagens é um elemento fundamental. Temos que ter muitas leguminosas (trevos) porque, estas estabelecem uma simbiose com uma bactéria (Rhizobium), que retira o Azoto atmosférico que está no ar entre as partículas do solo, fornecendo-o às leguminosas e ainda fica no solo o suficiente para o crescimento das gramíneas (azevéns).
Em acréscimo, as fertilizações com Fósforo e Potássio só são permitidas com fertilizantes homologados para este “Modo de Produção”; o encabeçamento máximo permitido é de 2 CN/ha (cabeças normais por hectare; os alimentos concentrados (“rações”) têm que ser produzidos com matérias-primas também elas produzidas biologicamente; cada animal só pode ser tratado com antibiótico três vezes por ano e os intervalos de segurança são a dobrar comparativamente à produção convencional; produtores biológicos podem comercializar animais entre si, mas, comprando a outros produtores, só se pode adquirir o correspondente a 10% do efectivo da exploração biológica (animais até aos seis meses antes do primeiro parto).
Também não são permitidos fitofármacos, nem é permitido o uso de leite de substituição para a cria dos vitelos. Eles têm que beber leite de vaca da própria exploração e os animais têm que ter sempre acesso à pastagem. Como se pode constatar é uma produção com regras, visando a obtenção de um produto mais saudável, mais amiga do ambiente e mais respeitadora do bem-estar animal.
No modo de produção biológico, com que frequência é substituído o efectivo leiteiro?
Todos os anos crio vitelas para reposição do efectivo. As vacas mais velhas, que estejam a decrescer muito na produção, vacas a produzir leite com elevado número de células somáticas, vacas com pior desempenho na fertilidade, etc., têm que ser substituídas. A taxa de substituição ronda os 20%.
(...) Para dar as melhores condições para o crescimento da erva. Para obter uma maior conversão de erva em leite, obter leite mais rico em sólidos e melhorar a fertilidade da manada tenho efectuado alguns cruzamentos entre a raça vermelha sueca e a Jersey.
Nota que neste modo de produção existe algum decréscimo na produção?
Da passagem da produção convencional para a biológica há sempre um decréscimo de produção. Isto deve-se, essencialmente, à acentuada redução no fornecimento de alimentos concentrados (“rações”). Que eu saiba, não existem no país matérias-primas biológicas para o seu fabrico. Tenho que importar do estrangeiro os alimentos concentrados pelo que, são bastante mais dispendiosos. Daí a grande redução na quantidade fornecida às vacas. A redução que tive na produção total/ano foi de cerca de 25%, mas essa quebra de receita foi-me altamente vantajosa porque os encargos com a alimentação desceram drasticamente. Daí a rentabilidade da exploração ter subido substancialmente.
Fornece às suas vacas em produção apenas 1,5 Kg/dia de “ração”?
Sim é verdade, pela razão que já expliquei. A “ração” biológica é muito mais dispendiosa. Tento compensar o decréscimo de produção com erva e/ou silagem de muito alta qualidade em termos de digestibilidade e conservação. No fundo, posso dizer que no “poupar é que está o ganho”. Sei que este modo de pensar não interessa a muita gente, mas a mim o que me interessa, é obter a maior rentabilidade da minha exploração.
De que forma as suas pastagens são diferentes em relação às pastagens de produção intensiva?
Normalmente, as pastagens de produção intensiva são estremes em gramíneas. Ou seja, as pastagens têm na sua constituição uma só gramínea que só produz com grandes quantidades de Azoto (encargos com fertilizantes azotados). Ora, os meus trevos fazem esse trabalho e eliminei esse grande encargo, sendo que os adubos azotados são responsáveis pela libertação de óxido nitroso que tem efeitos de estufa muito superiores ao Dióxido de Carbono. Assim, além de não ter esse encargo com os adubos azotados ainda presto um serviço ambiental à sociedade.
Em relação ao bem-estar animal, felizmente, como não se força muito a produção, este modo de produzir permite ter animais mais saudáveis. Não tenho problemas de fertilidade e as mamites são raras. Trata-se pois, também, de encargos muito reduzidos em medicamentos e assistência veterinária.
Sempre procurou ter o modelo de produção mais aproximado do biológico?
Não, quando havia quotas leiteiras, o leite era bem pago relativamente ao preço dos factores de produção e a produção de sólidos do leite não era tão valorizada, fazia o que todos faziam. Quanto mais leite, melhor. Só que, com a abolição das quotas (aumento da produção de leite na Europa), o embargo da Rússia aos produtos lácteos europeus, ao aumento sistemático do preço dos factores de produção e à quase estagnação do preço do leite pago aos produtores, cedo me apercebi que teria que mudar o maneio da minha exploração de forma a ter rentabilidade suficiente para poder viver mais folgadamente.
Considera que o aumento global do custo de vida irá colocar entraves à continuação da produção biológica?
Acredito que a inflação desenfreada a que estamos a assistir não se irá transformar numa inflação estrutural. A inflação não acompanhada na mesma medida pelos aumentos salariais levam, inevitavelmente, à diminuição do poder de compra. Mas, será que uma diferença de alguns cêntimos num litro de leite UHT será suficiente para as pessoas que normalmente bebem leite biológico deixarem de o fazer? Vão deixar de dar às crianças leite mais saudável? Não acredito.
Em relação à valorização do produto, de que forma se encontra valorizado o preço pago pela indústria por cada litro de leite biológico?
Para um produtor é sempre bom que o fruto do seu trabalho seja o mais valorizado possível. O diferencial actual é de 12 cêntimos. Não me queixo, mas se a indústria vier a valorizar este leite com outros produtos com maior valor acrescentado, acredito que fará reflectir essas mais-valias no pagamento que efectua aos produtores biológicos.
Tendo como objectivo passar a produzir leite de forma biológica, por onde podem começar os agricultores acostumados aos modelos de produção intensiva?
Primeiro, há que fazer contas. A exploração está a ter um bom resultado económico ou não? O que está mal? É o maneio animal? É o encabeçamento excessivo? É o excesso de alimentos concentrados para fazer face à falta de pastagens e/ou forragens? É falta de fertilidade da manada? É uma deficiente observação de cios? Depois de detectar o(s) problema(s), há que rectificar o que for necessário. Se o resultado económico da exploração melhorar o suficiente, o produtor poderá continuar nesse modo de produção.
Se mesmo assim, rectificando o que tiver que ser rectificado, se vir que atendendo ao preço do leite pago ao produtor e os custos dos factores de produção tornam inviável um resultado de exploração minimamente aceitável, resta haver flexibilidade mental e talvez alguma coragem para encarar um novo modo de produção. Se for este mesmo o caminho, o produtor deverá informar-se da legislação, visitar algumas explorações em MPB e se possível, procurar aconselhamento técnico. Não deverão, no entanto, começar este Modo de Produção enquanto não enriquecerem as suas pastagens em leguminosas (trevos).
Considera que este tipo de produção é um aproximar em relação à forma de produzir de antigamente?
A forma normal e natural de alimentação de um herbívoro como é o caso dos ruminantes, é o pastoreio. A intensificação da produção em estabulação deu-se muito à volta das grandes cidades dos Estados Unidos da América com animais estabulados 365 dias do ano. Ora, muitos quiseram copiar um sistema que não se adapta aos Açores, com estabulações e com vacas enormes da raça Holstein-Frísia. Além de não haver pastoreio ou este ser muito limitado, não é o modo de alimentação natural dos ruminantes, principalmente nos Açores em que os Invernos são amenos não havendo necessidade de os estabular no Inverno, como é o caso dos países mais a norte.
Vacas destas, de elevado potencial produtivo, por muito boas pastagens e forragens que comam, nunca serão suficientes para a exteriorização do seu potencial produtivo. Por isso, as enormes quantias de divisas que saem todos os meses da Região podendo cá ficar para melhorar a nossa balança comercial. Respondendo mais directamente, o MPB não é um retrocesso, mas sim, uma evolução da Humanidade.
Joana Medeiros *