Em regra, o mês de Agosto, o típico mês de férias na meia metade da Terra onde habitámos, não corresponde a um período de descanso para o departamento governamental ao qual incumbe em termos orgânicos a preparação do documento mais relevante para o funcionamento da Administração Pública, assim como para o Parlamento que no penúltimo mês do ano o aprecia e vota no propósito lógico e jurídico que entre em vigor no primeiro dia do ano seguinte.
Os parlamentos não nasceram por geração espontânea, mas duma razão democrática e pragmática: o necessário controlo e acompanhamento por representantes eleitos pela Nação da posse e uso de recursos patrimoniais e nacionais.
É neste período do ano que os diversos departamentos governamentais elaboram os respetivos projetos de orçamento que as finanças reúnem, confrontam, integram, harmonizam e consolidam num documento coerente, consistente, exequível e fiscalizável. A este propósito, felizmente que no caso dos Açores foi abolida tanto a prática das “cativações orçamentais” como dos “rateios” que permitem ao governo alterar o orçamento aprovado sem autorização parlamentar.
A grande fonte de financiamento das despesas públicas são os impostos.Ao seu produto se somam outras transferências financeiras líquidas disponibilizadas por outros poderes soberanos, como no caso dos Açores, por exemplo, o conhecido Posei da União Europeia ou as transferências do Estado português. Complementao universo da receita orçamental com expressão digna de muita ponderação e quantas vezes de muita preocupação, a contratação de dívida pelo Governo Regional, que é o objetivo deste trabalho.
Em conformidade com a apreciação efetuada pelo Tribunal de Contas sobre a Conta da Região, relativa ano de 2020 - não conheço a Conta do ano de 2021 – a dívida do sector público administrativo regional atingia o valor de 2 490 M€ e adívida financeira 2 215 M€.
A contração de dívida excedia, naquele ano, o limite legal anual em 156 M€.O aumento do endividamento líquido também tinha ultrapassado o fixado pelo limite legal anual em 17 M€. De modo nenhum negligenciável era o endividamento das entidades públicas regionais fora do perímetro orçamental que ascendia a l 015 M€, dos quais 797 M€ correspondiam a financiamentos contratados. As necessidades de financiamento até 2023 computavam-se, então em l 213 M€ dos quais 815 M€ se destinam a amortização do stock de dívida.Outros encargos assumidos com PPP e contratos de cooperação com autarquias locais: 624 M€.
Não é necessário grandes conhecimentos nem exaustiva exegese para concluir que são valores pesados e condicionantes, que o ano de 2021 terá agravado. Não será uma estultícia admitir que o ano de 2023 não será no âmbito da gestão das finanças públicas regionais um ano de tranquilidade e de contentamento. O orçamento da Região Autónoma deve ser preparado com rigor e segundo uma compreensão realista do futuro económico e financeiro que espera os Açores, Portugal e a Europa, de acordo com a margem que existe entre o seu PIB e o nível da dívida.
Os bancos centrais europeus e do resto do Mundo, nos últimos dias, têm avisado, em uníssono, que já no último trimestre do corrente ano começaremos a lidar com uma recessão económica, caraterizada por elevada inflação, perda de rendimentos das famílias e redução significativa da produção nacional. E ainda não se sabe como se comportará a China, escrevo eu.
Pelos números que se conhecem e que mais atrás sintetizei, a Região Autónoma terá que elaborar o programa financeiro anual, mas também a sua projeção para o anos seguintes e negociar a gestão da sua dívida “à margem da lei das finanças regionais” cujas algumas das suas disposições devem ser suspensas por consagrarem balizas limitativas, ditas de convergência, mas definidas em rigoroso paralelismo com a evolução da economia nacional e não da economia regional, o que é um verdadeiro paradoxo. A União Europeia suspendeu em relação aos Estados Membros a aplicação os critérios de equilíbrio orçamental, em tempo de impossibilidade real do seu cumprimento; algo semelhante tem de ser adotado em relação à lei das finanças regionais porque a Região poderá não suportar hoje uma situação de crescimento nulo do seu endividamento.
Por: Álvaro Dâmaso *