Mergulhador açoriano César Bettencourt bate recorde nacional em imersão livre

De onde vem a sua ligação ao mar?
Sou ilhéu e sempre gostei do mar. Comecei primeiro com a caça submarina, aos 11 anos, e sempre me fascinou estar sem respirar, ir mais fundo e aguentar mais tempo.

O fundo do mar atraía-o porquê?
Fascinava-me e, aliás, para mim estar debaixo de água é uma meditação. Faz-me esquecer todos os outros pensamentos e fico apenas em contacto com o mar e comigo próprio. Isso faz-me sentir bem.

Quando começou a praticar apneia?
Comecei na caça submarina, mas sempre me fascinou a vertente da apneia pura, de desenvolver os métodos de apneia e de tentar conseguir um pouco mais. Tive a oportunidade de entrar numa prova indoor no Porto, em 2012, em que fui lá e bati o meu recorde nacional em apneia dinâmica sem barbatanas. Na altura eram 93 metros, passei esse recorde para 96 metros e 5 minutos depois um amigo meu passou para 107 metros. Tive o recorde apenas durante 5 minutos (risos) mas deixou-me aquela vontade de tentar evoluir um pouco mais.

Actualmente, existem quantas disciplinas de apneia?
Deixei o indoor porque na Graciosa não existem piscinas e apenas pratico mar. No mar existem agora quatro modalidades de peso constante, isto é, vou para baixo com um lastro (um chumbo) e tenho da subir da mesma forma, não podendo existir movimentação de pesos. As quatro modalidades são peso constante com bi-barbatanas; peso constante com monofin, uma barbatana que se assemelha à cauda de uma sereia; a imersão livre, a disciplina que pratico, que consiste em descer à profundidade a que nos propomos através de um cabo guia que puxamos com os braços na descida e na subida. A outra modalidade que também pratico é o peso constante sem barbatana, em que se nada sem tocar no cabo e sem o auxílio das barbatanas.

Que profundidade já atingiu nesta última modalidade?
Igualei o recorde nacional (50 metros) que pertence a um amigo, o João Costa. Aconteceu na última competição em que tinha participado, em 2019.

Falando da competição, pode descrever-nos um pouco como foi alcançar esta profundidade? Tinha a noção de que o recorde ia ser batido?
O recorde anterior, de 65 metros, alcançado em Tenerife (2019) já me pertencia. Pelo facto de ser recorde tem um acréscimo de pressão porque existe uma expectativa e as pessoas ficam a observar para perceber se o recorde será quebrado. A apneia é algo muito mental, é óbvio que é importantíssimo estar bem fisicamente, mas é muito mental e se eu, que vou fazer o mergulho, acredito convictamente consigo fazê-lo. Agora, se existem algumas dúvidas ou medo de falhar, algo que existe sempre, começa a criar-se uma insegurança que por vezes prejudica bastante nos mergulhos.

Conte-nos um pouco das sensações vividas durante este mergulho de 67 metros? Ouve algum momento crítico ou que tenha arriscado?
Sou conservador nesse aspecto e normalmente nunca faço em prova nada que não tenha já feito em treinos. Inclusivamente, este ano já tinha feito 70 metros nos treinos. Aliás, o meu objectivo pessoal nesta prova não passava por quebrar um recorde, mas sim por realizar competição e sentir-me calmo e confiante durante a prova.

Sentiu-se muito pressionado?
Quando a pressão é grande o mergulho deixa de ser tão prazeroso como devia e isso vai um pouco contra aquilo que acho que deve ser a apneia; algo de que nos dá prazer, onde nos sentimos bem e isso entra um pouco em choque com as competições. É uma forma de aprendizagem e quando entra o factor stress, ansiedade ou medo, o corpo começa a ter manifestações que por vezes não conheço bem e não sei como se vai comportar durante a performance. Às vezes criam-se algumas inseguranças que nos impedem de ir mais além.

Qual foi a duração do mergulho aos 67 metros de profundidade?
Demorou 2 minutos e 55 segundos. Curiosamente o de 66 metros demorou mais tempo porque isto tem muito a ver como nos sentimos durante o mergulho.

De quanto em quanto em tempo é necessário fazer a descompressão num mergulho a esta profundidade?
Tenho de compensar os ouvidos, ou seja, temos o tímpano e dentro dele temos ar e por fora temos água e, quando começo a descer, o ar que está dentro do tímpano começa a diminuir de volume, começa a ceder e o que tenho de fazer é equilibrar essa pressão mandando ar para o ouvido interno. Faço isso muitas vezes, não sei precisar quantas, e vou fazendo à medida que vou precisando. É feito quase de forma inata e isso tem de acontecer muito antes de se sentir algum desconforto de forma a evitar alguma lesão no tímpano. A pressão vai sendo cada vez maior e vai-se conseguindo compensar. Se isso não acontecer, não é possível descer.

Este é o maior perigo deste tipo de modalidade?
Não é um perigo porque se o ouvido tapar isso impossibilita-me de descer e tenho de abortar o mergulho. É preciso realçar que estas provas são super-seguras porque têm sistema de contra-pesos ou seguranças que acompanham nos últimos 25 metros da subida e, por isso, muito dificilmente ocorrerá um acidente. Mesmo nos treinos, se tiver um companheiro que me acompanhe nos últimos metros da subida, não irão acontecer problemas.

Quantas vezes treina?
Treino quando dá e não faço apenas treinos de mar. Tenho uma pré-época com treinos de manutenção e este ano até nem correu tão bem como queria porque tenho umas lesões nas virilhas que me impossibilitaram de realizar o cardio que era necessário para me manter em forma. Quando começa a época de mar, normalmente a partir de Maio, vou sempre que o mar permite mas nunca ultrapasso os três dias seguidos de treino. O quarto dia tem de ser obrigatoriamente de repouso.

Recebe algum tipo de apoio para participar nestas competições?
Neste momento não tenho qualquer tipo de apoio, também porque nunca pedi. Faço isto porque gosto e não quero que as pessoas pensem que estou a pedir apoios para viagens porque normalmente este tipo de competições, embora esta tenha sido nos Açores, até se realizam no estrangeiro em locais agradáveis para se passar umas férias. Não tenho essa necessidade, faço apneia porque gosto e penso que a pressão dos patrocinadores até iria dificultar a minha performance.

Completou ontem 39 anos de idade. Até quando pensa praticar esta modalidade?
A apneia tem uma particularidade porque à medida que se vai envelhecendo, o nosso metabolismo desacelera e isso contribui muito para a evolução na apneia. É uma modalidade com muita longevidade e, por exemplo, há atletas com 80 anos a alcançar 80 metros. Não pretendo competir para sempre porque isso implica mais dedicação do que o normal, mas quero fazer apneia até poder.   
                                  
Luís Lobão *

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Autor: CA

Categorias: Regional

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