Padre José Paulo Machado em véspera de festa e de homenagem à padroeira da Fajã de Baixo

“Precisávamos de um novo Bispo que trouxesse práticas renovadoras aos actuais métodos de evangelização açorianos, igualíssimos ao que eram há cem anos atrás”

Correio dos Açores - Qual o programa das Festas de Nossa Senhora dos Anjos para este ano?
Padre José Paulo (Paróquia da Fajã de Baixo) - O programa delineado pela Comissão de Festas, do corrente ano, teve necessariamente em conta as dificuldades de ordem financeira da paróquia e, naturalmente, das famílias fajanenses. A vida está cada vez mais difícil para muitos agregados familiares.
Ninguém consegue não sentir o súbito aumento do custo de vida. Pergunto-me como é possível viver com tão pouco, com orçamentos tão apertados, face a uma inflação que anda nos 9%. Ponho-me, muitas vezes, a matutar na ginástica que as famílias têm de fazer para esticar o dinheiro até ao final do mês. Fazer vista grossa a isto, não está na natureza das festas paroquiais, aliás seria um contratestemunho da nossa parte.  O acordado com a Comissão de Festas teve em conta este dado: não entrar em despesismos festivaleiros desnecessários, por respeito à pobreza galopante que grassa em muitas famílias. Festivais já existem q.b., aliás, pagos por todos nós, mesmo que paguemos o bilhete para estarmos lá sentados.
Tanto mais que os apoios que recebemos são irrisórios, ressalve-se a Junta de Freguesia de Fajã de Baixo que dentro do seu apertado orçamento, se mostrou sensível às nossas solicitações. Chegamos à fria conclusão de que as festas paroquiais, são um não assunto para as entidades governamentais. Ou porque não têm enquadramento, ou porque é necessário preencher plataformas digitais inacessíveis à maior parte das Comissões. Veja-se que nem recebidos fomos (não interessa por quem), depois de muitos pedidos de audiência, tendo em vista a apresentação das nossas dificuldades. Como é que podíamos apresentar um programa dotado de “estrelas”?
Valeu-nos a grande generosidade da paróquia de Fajã de Baixo, sempre sensível às festas da sua padroeira.

Qual o ponto alto das festas?
Mais do que identificar o acontecimento A, B ou C, julgo que o ponto alto das festas reside na capacidade extraordinária que estas têm de congregar as famílias de forma intergeracional. Nenhum festival consegue esse feito. É um património paroquial! É apanágio das freguesias convidarem parentes que vivem no Norte ou no Sul da ilha para estes dias, sobretudo para o almoço festivo que precede a procissão. Que outras festividades têm isso? Trata-se de um património que devia ser apoiado, tanto mais que todos estamos cientes da fragilidade das relações interpessoais e intrafamiliares que grassam hoje, mesmo em quem nos é mais chegado. À excepção do Natal, da Páscoa que outras festas conseguem juntar, unir a família? Referimo-nos, claro está, aos momentos do calendário festivo anual. Trata-se de um património de um valor incalculável. Os momentos que são promotores de encontro fraterno, no pós-isolamento pandémico, valem ouro.

Volvida a pandemia, regressam os encontros religiosos, as procissões… Qual a sua  importância para as comunidades locais?
Já que falamos da Fajã de Baixo, apraz-me dizer que a grande fajanense Natália Correia entendia que a forma mais pura de fazer política tinha o nome de municipalismo. Segundo a pensadora, a poetisa, a política, as festas religiosas paroquiais, as festas do Espírito Santo, inserem-se naquilo que ela considerava ser o fim do verdadeiro agir político: a proximidade. Não há verdadeira política, na sua verdadeira acepção semântica, sem proximidade. E o municipalismo, mais do que outras formas de serviço político, consegue esse desiderato. Trabalhar pelo bem da polis (da cidade) envolve necessariamente proximidade.
Portanto, as festas paroquiais são máquinas de gerar fraternidade, ou se quisermos, de proximidade. Natália Correia tinha razão. Podíamos dizer, parafraseando Natália, que as festas contribuem para cimentar o municipalismo e solidificar a proximidade entre os cidadãos, atendendo a que elas fortificam os laços sociais que estruturam as comunidades locais. Não escandalizará ninguém, se dissermos que as festas paroquiais poderão ser consideradas um importante auxílio para o bom funcionamento do municipalismo.

É tempo de as crianças fazerem as suas comunhões, profissões de fé... Como está a catequese?
As comunhões são momentos teofânicos na vida das famílias. Esteja-se próximo ou não das coisas da Igreja, seja-se ou não praticante, só encontro esta palavra para definir o sentimento parental, no respeitante às comunhões: teofania. Teofania é uma palavra grega que significa manifestação de Deus. As comunhões proporcionam verdadeiras manifestações de Deus nos lares católicos, que olham para os seus filhos (as) como sacramentos, mediações autênticas do Deus vivo.
É óbvio que a catequese tem um grande papel na consecução destes momentos. Tenho a sorte de poder contar com catequistas muito qualificados e com uma coordenação catequética de grande nível.

Nestas alturas, é tempo também dos encontros dos emigrantes. Que palavra tem para os homens e mulheres da diáspora?
Não há forma de amor que se prolongue mais no tempo do que a saudade.  Vejam-se os epitáfios que existem nos cemitérios. Os emigrantes são mestres da saudade. Resistir vida fora ao magnetismo telúrico do seu berço Natal e ter de romper com isso, é algo indecifrável.
Os emigrantes são heróis que conquistaram espaço em culturas diferentes. Hoje a barreira da língua já não é barreira nas novas gerações, mas, imagine-se, há quarenta ou tinta anos atrás. Deve ter sido algo incrível.
Contamos que as festas paroquiais são momentos identitários fortíssimos para os nossos irmãos da “outra margem do grande Rio Atlântico”, parafraseando o professor Onésimo Teotónio de Almeida.

Num tempo em que estamos em permanente mudança e as comunidades enfrentam grandes problemas sociais como a pobreza, drogas, alcoolismo, entre outros. Que papel tem a igreja local junto destas populações mais fragilizadas?
A paróquia tem, através do seu Centro Social Paroquial, de lidar quotidianamente com a melhor radiografia social do mundo micaelense – histórias duríssimas que não são faladas, nem conhecidas.
O nosso Centro Social Paroquial possui três casas de acolhimento residencial, onde estão crianças e jovens, cujas famílias, devido à sua disfunção, não puderam ter à sua guarda os filhos que geraram. Acho que não é preciso dizer muito mais, sob o ponto de vista social.
Apenas queríamos alertar para a questão das toxicodependências. É urgente uma casa de acolhimento comunitário terapêutico. Ainda não se percebeu o porquê da já famosa casa da freguesia do Livramento permanecer fechada. Para este flagelo não se deveria olhar a gastos. Acho que ainda não tomamos consciência da gravidade do problema galopante das drogas sintéticas.

Os jovens são participativos?
A participação dos jovens, ao nível paroquial, é o calcanhar de Aquiles de qualquer paróquia. Contudo, o problema está a montante: na família e também na Igreja. Se a família não é praticante como é que o jovem há de ser praticante?
Quanto à Igreja, é preciso também contar com a natural embirração que hoje a instituição eclesial pode suscitar nos jovens, escandalizados, devido ao contratestemunho da Igreja em muitas áreas. Mas, não podemos ficar paralisados diante dos pecados da Igreja.
Daí que queremos insistir, nestes tempos pós-pandémicos, em algo que vimos a debater há muito tempo: é fundamental dinâmicas de primeiro anúncio. Há que puxar pelos galões da apostolicidade da Igreja. Se nunca falaram ao jovem de Jesus Cristo, se não existem hábitos de oração doméstica, como é que alguém pode ter a necessidade de vir à Igreja para se encontrar com Cristo?
Veja-se: estamos muito atrasados em relação ao continente onde existem Missões Universitárias, efectuadas por universitários, que vão porta-a-porta por aldeias e cidades, falar aos jovens de Jesus Cristo. A dinâmica da missão consiste nisto: são os jovens que evangelizam os outros jovens, são eles os transmissores do primeiro anúncio.
Esta realidade das Missões Universitárias é algo que só existe em Portugal. Os Açores são a excepção no território nacional, pois por cá estas dinâmicas de primeiro anúncio nunca foram trabalhadas. Por exemplo, os campos de férias para jovens são outra realidade que está por fazer na diocese açoriana. Os campos de férias são excelentes momentos de primeiro anúncio. O único campo de férias existente nos Açores acontece em Rabo de Peixe e é efectuado por padres jesuítas que vêm do continente, pasme-se. É um grande investimento que a Companhia de Jesus aqui faz anualmente.
A diocese enquanto estiver entretida com as papeladas sinodais, vai continuar a anos de distância destas dinâmicas de primeiro anúncio, existentes pelo país fora.
Precisávamos de um novo bispo que trouxesse práticas renovadoras aos actuais métodos de evangelização açorianos, igualíssimos ao que eram há cem anos atrás.

Carlota Pimentel


                

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Autor: CA

Categorias: Regional

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