21 de agosto de 2022

Opinião - Crónica da Madeira

Poetas e escritores esquecidos nas gavetas

 Grande parte da juventude portuguesa desconhece os seus escritores.
Seria fácil sensibilizá-los para uma realidade esquecida no fundo das gavetas.
Os jovens têm de se orgulharem daqueles seus compatriotas que, com os seus talentos, enriqueceram o panorama literário português.
As histórias do presente e do futuro só se constroem com a história do passado.

Em Portugal, já me referi, por mais de uma vez, que muitos dos escritores e poetas portugueses (incluo os poetas e escritores açorianos e madeirenses) estão adormecidos dentro de gavetas. Deles não se falam. Os seus nomes não se exaltam pelo valioso contributo dado à cultura portuguesa. É como se nunca tivessem existido. Daí não admira a ignorância, chocante, de tantos jovens.
Evidentemente se eles tivessem motivados não seria difícil inteirarem-se de uma questão que muito enriqueceria a sua formação intelectual.
Quando lhes falo de Poetas e Escritores, mais recente: dos séculos XIX e XX, para meu espanto não sabem; não conhecem, tais como: Agustina Bessa-Luís, Sofia de Mello Breyner, Miguel Torga, Ferreira de Castro, Virgílio Ferreira, Fernando Namora, Fernanda de Castro, Matilde Rosa Araújo, Ana Hatherly, Pedro Tamen e tantos outros.

De quem é a culpa desta situação?
Penso que o Ministério da Educação deveria organizar programas de cultura geral, sensibilizando os jovens para tantas realidades fundamentais para uma vivência alicerçada no conhecimento que lhes possibilitassem a relevar, com orgulho, o nome dos seus escritores e poetas.
O presente e o futuro só se fazem evocando o passado, exaltando-o.
Os Escritores e os Poetas fazem parte da história, não podem ficar esquecidos.
Nem sequer menciono, nesta crónica, os nomes dos historiadores que com as suas pesquisas e estudos fazem a história. Aqui a ignorância é ainda mais grassa.
Há meses, propositadamente, perguntei, a seis jovens licenciados, se sabiam que Portugal tinha tido um Prémio Nobel da Medicina. Nunca ouviram falar “disso” nem do Professor Egas Moniz, vencedor do referido prémio!
Não sei como se passam estas questões no Açores, onde existe um número considerável de Poetas e Escritores. Espero que os açorianos tenham uma relação diferente. Acredito que se orgulham e exaltam os nomes dessa plêiade de Poetas e Escritores que tornaram espiritualmente mais rico os Açores.
Não os deixem adormecidos nas gavetas.
Na Madeira acontece como no país, em geral, está esquecido grande parte dos seus Escritores e Poetas, que tanto contribuíram para tornar mais rico o panorama literário madeirense. O curioso é que se ouve muitas vezes dizer que na Madeira não há Poetas nem Escritores, ignorando que os houve, durante todos os séculos. De resto não se compreenderia que assim não fosse.
É verdade que os programas curriculares estão sobrecarregados e por vezes não existe espaço para sensibilizar e motivar os alunos para estas áreas humanizantes. Porém, felizmente, que na Madeira existem programas especiais de leitura – “Baú de Leitura” – e o CRIAPoesia que reúne centenas de alunos. Dois programas inéditos, em Portugal. O CRIAPoesia, inclusivamente estende-se aos Açores, Canárias e Cabo Verde.
É importante dar a conhecer a obra de José Agostinho Baptista, um dos poetas de maior relevo da poesia contemporânea portuguesa; a de José António Gonçalves, infelizmente morreu cedo, cuja poesia pela força dos seus conteúdos e a beleza das palavras fascinam-nos; a de Vieira de Freitas; a de António Aragão; a de Irene Lucília; a de Margarida Falcão; a de Teresa Pereira; a de Brito Câmara; a de Câmara Leme (Carlos Cristóvão); a de Florival dos Passos; a de António de Castro; a de Cabral do Nascimento e de muitos outros metidos nas gavetas.
Naturalmente que as televisões, neste caso, desempenhariam um papel fulcral, organizando uma programação que incluísse a área cultural. Porém preferem o mediatismo com programas de reality show, novelas e os estafantes comentários de futebol. Assim acontece, dar ao povo o que o povo deseja. E, por conseguinte, não há lugar para a cultura.
Um povo sem cultura é um povo sem alma. Quanto mais for ele cultivado, mais informado, mais sensibilizado para as questões do espírito, mais participará na construção da sociedade onde se integra. Será menos ludibriado e demagogicamente enganado.
Em homenagem a uma querida amiga, que aos 18 anos vence um importante Prémio Nacional, uma madeirense, que faleceu há anos, Ângela Caires, ofereço-vos um dos seus inéditos:
Quero subir às palmeiras
em gesto de desafio
como se em vez de veleiro
pudesse ser um navio
como se o amor que dou
pudesse ser o primeiro
ou o lugar onde vou
se chamasse o mundo inteiro
Deixem-me ser estrangeira
uma asa em céu aberto
como se este grão de areia
pudesse ser o deserto
ou não fosse passageira
dum barco com rumo incerto
As razões que eu própria invento
são as armas que imagino
sou a verdade do pão
sou a magia do vinho
sou grito de raiva acesa
de quem recusa um destino
de quem recusa ser presa
às rodas do seu moinho
Este beco sem saída
há de tornar-se caminho
A terra que penso e amo
também se agita comigo
como se em cada estranho
pudesse ter um amigo
ou o país de onde venho
pudesse ser um abrigo
Esta guerra em que me empenho
de mãos abertas e nuas
não tem trincheiras cavadas
em nenhuma destas ruas
É uma guerra sem bandeira
que não perturba ninguém
como se esta paz caseira
fosse a guerra do avesso
Deixem-me ser estrangeira
Quero pagar o meu preço.

Lourenço Marques/ Fev. 1973

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Categorias: Opinião

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