23 de agosto de 2022

Do novo normal à normalização do mal


Existe solidariedade entre os países membros da União Europeia?
Não existiu quando da crise das dívidas soberanas.
Os países do norte ditos de frugais, liderados pela Holanda e Alemanha, impuseram doses massivas de austeridade draconiana aos países do sul, como Grécia e Portugal.
Lançaram o anátema de viverem acima das suas possibilidades financeiras. 
Preferiam “copos e mulheres”, afirmava jocosamente o ministro holandês das finanças, o socialista Dijsselbloem.
São os mesmos que agora vêm exigindo essa mesma solidariedade na crise energética derivada das consequências da guerra da Ucrânia, dada a enorme dependência do gás fornecido pela Rússia.
Durante décadas viveram acima das suas possibilidades enérgicas, comprando gás russo a metade do preço dos seus parceiros como Portugal ou Espanha, que se abasteciam noutros mercados.
Significando que alguns países da Europa central com destaque para a Alemanha, passaram a depender do regime autocrático de Putin, do qual pretendem agora a libertação, no que ao fornecimento de energia respeita.
Será que os valores da democracia sobre a autocracia têm prevalecido?
Quando se tem assistido a negociações da União Europeia com países como o Azerbaijão. 
Trata-se dum país que ocupa uma posição pior do que a Rússia nos índices internacionais de liberdade.
Ou quando o Presidente francês Macron tem vindo a estabelecer parcerias sobre energia com os Emirados Árabes Unidos, que ocupam as últimas posições no índice que avalia o grau de liberdade, democracia e direitos humanos. 
Haverá autocratas bons e maus?
…Ou quando a “real politik” se sobrepõe aos valores e à ética democráticas.
Ou quando a geoestratégia prevalece sobre tudo o mais.
De que, nas últimas décadas, o antigo secretário de estado americano Henry Kissinger, foi um dos mais destacados protagonistas. 
Ou para citar Orwell na célebre obra “ A Revolução dos Bichos”:
 “ Todos os animais são iguais mas há uns mais iguais do que outros”.
Ou não será que a normalização do mal também não passa por esta circunstância?
Tem-se vindo a assistir a inflamadas discórdias, sobre se sim ou não se deve ignorar toda a verborreia populista, quando afrontam o Estado de Direito Democrático e a Constituição que o enforma, com palavras de ódio, xenófobas, divisionistas e racistas.
Há os que defendem que responder “à letra”, apenas se está a contribuir para dar palco e publicidade ao ideário extremista e fascista.
Os que se situam no campo oposto, acham que não, e que é dever de qualquer democrata ir à luta antes que seja tarde de mais e a normalização do mal se concretize.
E fazem por lembrar Niemöller, contemporâneo do crescimento do nazismo.
Que enquanto perseguiam judeus, levavam comunistas e social-democratas, castigavam sindicalistas e prendiam católicos, não falou, nada disse e decidiu calar-se.
Então um dia vieram buscá-lo. Nessa altura já não restava nenhuma voz que em seu nome se fizesse ouvir.
Responder ou ignorar? Eis a questão.
Os populistas jogam nestas indecisões e dúvidas dos democratas.
Foi o silêncio nos anos trinta do século XX que levou à ascensão dos fascismos e ao apocalipse que se seguiu.
Tiraram-se lições?
Que a consciência de cada um, responda!
Os acontecimentos dramáticos recentes com a bárbara invasão da Ucrânia pela tropa de Putin, um populista de extrema – direita, são um exemplo acabado do atrás referido.
Já em 2014 com a invasão da Crimeia, Putin tinha dado sinais das suas intenções expansionistas.
Apenas passaram escassos seis meses desde a invasão da Ucrânia.
E já se começa a constatar uma certa normalização, cansaço e indiferença perante os horrores da guerra.
As consequências já se fazem sentir nos bolsos dos cidadãos, principalmente dos mais desfavorecidos. É a inflação e a vertiginosa subida dos preços. A escalada dos juros e a prestação da casa a fazer-se sentir.
Alguma comunicação social dá uma ajuda. 
Os oportunistas da extrema - direita, dissimulados apoiantes de Putin, espreitam a oportunidade de consolidarem poder ou subir nas sondagens.
Na Europa o húngaro Órban, defensor da supremacia da raça magiar, lidera a ignomínia.
Na América e no Brasil, Trump e Bolsonaro, fazem a sua parte.
O que se está a verificar em Itália com a demissão do governo de Mario Draghi, um senhor da política europeia, é deveras preocupante e não augura nada de bom para o futuro do projecto europeu.
Nunca os extremistas de direita como Salvini, não só um fervoroso admirador do fascismo de Mussolini como um leal apoiante de Putin, estiveram tão perto do poder absoluto.
É a contínua normalização do mal, em vez do tão esperado novo normal, pós pandemia, porque tanto se ansiava.
Resta o direito à indignação num mundo cada vez mais imprevisível, contraditório e desigual.
Para muitos que ponham toda a força na esperança e na confiança, a dúvida e a angústia passaram a ser companhias.
António Benjamim

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Categorias: Opinião

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