Mário Roberto defende que a governação açoriana devia esforçar-se mais e privilegiar as artes e a cultura em geral

Correio dos Açores - Quando surgiu a sua paixão pela arte e como as diferentes áreas da arte vão surgindo na sua vida?
Mário Roberto (Artista) - Surgiu na escola primária quando copiava, desenho à vista, umas ilustrações de livros escolares, mais concretamente da História de Portugal. Comecei a copiar, literalmente, estas imagens e os meus colegas admiravam-se como o tinha conseguido fazer. Tinha 10 anos. Os meus pais eram professores, pelo que tive aulas com eles desde que tenho memória. Aliás, aprendi a ler ainda antes de ir para a escola. Todavia, curiosamente, comecei a fazer estes desenhos na quarta classe, quando tinha outra professora. Ao mesmo tempo, gostava de escrever. Ambas as vocações apareceram pela mesma altura. Era bom na redacção de texto, mas não gostava de gramática, nem de decorar regras gramaticais. Como lia bastante a questão gramatical veio por si, apesar de nunca ter sido bom aluno em gramática. Desde a infância até à adolescência, os presentes dos meus pais, avós e da família, em geral, eram basicamente livros. Na altura, quando tinha alguma dúvida, consultava o dicionário e outras fontes. Hoje em dia, consulta-se a internet. Procurava desenvencilhar-me e aprender por mim. Não se aprende apenas na escola, aprende-se ao longo de toda a vida. 
Houve uma altura em que eu desenhava e pintava, maioritariamente, a aguarelas. Em 1992, comecei a pintar a acrílico e a fazer exposições.  

É actor, escritor, caricaturista, tendo sido inclusive jornalista… 
O meu percurso profissional fez-se de várias profissões: trabalhei num armazém de revenda como vendedor, exerci a profissão de jornalista durante 15 anos, fiz caricaturas na rua, entre outras. Simultaneamente, pintava, desenhava, escrevia, fazia pequenos filmes, enquanto trabalhava em outras áreas de subsistência. Ao longo da minha vida, as artes sempre me ajudaram a subsistir.

Por que razão abandonou o jornalismo?
Abandonei o jornalismo, numa altura em que estava ligado a um projecto de restauração que acabou por não resultar. A partir de uma determinada altura da minha vida, a minha principal fonte de subsistência passou a ser a arte. A partir de 2015, dediquei-me a tempo inteiro às artes, altura em que abri, com o Vítor Marques, a Miolo, uma micro-galeria, na Rua Pedro Homem, em Ponta Delgada. Este espaço ainda está aberto, mas tem os dias contados, pois a nossa senhoria precisa do espaço. Vamos seguir caminhos diferentes e cada um de nós vai ter o seu próprio espaço. 

Actualmente, consegue subsistir apenas da sua arte?
Não totalmente. Só pela arte não conseguia subsistir. Dentro da arte, vou desenvolvendo alguns trabalhos, desde desenhar, imprimir, pintar. Pontualmente, sou actor e ganho algum dinheiro com isso. Além de que também recebo pelos livros que tenho publicados. Tudo isso são trabalhos artísticos que gosto de fazer, mas não sou nem serei milionário à conta disso. Já é muito bom tentar subsistir. 

Uma vez que é tão versátil, como ocupa o seu dia? Como se organiza?
Eu não sou muito organizado. Normalmente, venho para a Miolo e sento-me em frente ao computador à procura de algo que possa ser interessante, que me estimule a fazer outras coisas; outras vezes, tenho ideias concretas e tento pô-las em prática. Sou muito irregular, em tudo. Não sou uma pessoa que tenha o seu dia-a-dia planeado, de forma organizada, aliás sou desorganizado. Às vezes, tenho que ser chamado à razão pelos outros, ou eu próprio tenho que fazê-lo, pois disperso-me muito. Contudo, organizo-me dentro da minha desorganização. 

Onde vai buscar as fontes de referência para o seu trabalho? 
A inspiração é um cliché. Picasso dizia algo como: 99% de transpiração e 1% de inspiração, além de que dizia que a inspiração é muito boa quando nos apanha a trabalhar. Ou seja, se trabalharmos, provavelmente, vão sempre acontecendo coisas. Porém, se não trabalharmos, não vem a famigerada inspiração, ou seja, não existe, o que existe é trabalho.
  
Onde se inspira para ter sempre um ar crítico e de comédia?
Gosto de comédia e de fazer rir as pessoas. Se puder arrancar um sorriso, melhor. Gosto muito de escrever coisas humorísticas. O humor está sempre presente no meu trabalho, de alguma forma. Faço isso em meu proveito próprio também, no sentido em que rir ou fazer rir é bom para o nosso organismo, para o nosso equilíbrio mental, o que nos ajuda. A própria arte propicia isso. Tal como toda a gente, tenho os meus desequilíbrios, as minhas ansiedades, e a arte e o humor ajudam-me a atingir um certo equilíbrio. De resto, o meu trabalho vem do lado observacional, na medida em que tudo o que nos rodeia pode ser motivo para se fazer arte. O que nos repugna pode, igualmente, ser um pretexto para fazer arte. As influências são muitas, desde a música, a trabalhos pictóricos, a uma pessoa que se conhece na rua. Enfim, tudo pode servir de pretexto para pintar, escrever. A inspiração surge espontaneamente e fica guardada no meu subconsciente. Provavelmente, passados meses, é que utilizo o que absorvi em determinado momento e apercebo-me que tinha ficado guardado no meu subconsciente. Aliás, julgo que qualquer trabalho que desenvolva está trancado no meu subconsciente, sem eu saber.  

Que dificuldades enfrenta um artista nos Açores?
Creio que são as dificuldades que qualquer artista enfrenta, em geral. Há aqueles que conseguiram ser consagrados, ver o seu trabalho reconhecido, sobretudo no estrangeiro, e têm outras possibilidades. Por vezes, é uma questão de sorte. Sei que há milhares de artistas muito bons, no mundo inteiro, mas por diversos motivos não alcançaram o estrelato nem atingiram um ponto em que o dinheiro flui. Aliás, são muito poucos os artistas que conseguem isso. De facto, numa Região pequena como os Açores isso torna-se ainda mais difícil. É uma Região pobre, inserida num país pobre, o que faz com que seja mais custoso. Considero que o factor sorte tem de estar presente. Conheço artistas fenomenais que por falta de sorte, que não assiste a toda a gente, não conseguem vingar no mundo artístico. Na Miolo, vou vendendo algumas coisas, todavia noto que é um mercado bastante difícil. É um nicho de mercado, em que a maioria das pessoas prefere uma boa cerveja a uma obra de arte.

Considera que é uma questão de mentalidades?
A formação e educação para a arte tem que vir da escola. Ou melhor, a educação para as artes tem que vir do berço. Tem que se começar, desde muito cedo, a gostar desta área e a ser incentivado para tal. A maior parte das pessoas não o foi, por diversas razões, e eu aceito isso. Não se pode dizer às pessoas que vão passar a gostar de arte, de um momento para o outro. Isso não é um clique, tem que haver uma continuidade. Para já, tem que haver vontade política. É triste o facto de um espaço privado, denominado Academia das Expressões, não ter tido apoio do governo para subsistir e teve que encerrar. O poder político não parece estar para aí virado, mas devia estar, pois a cultura é essencial para a base de uma sociedade e as artes fazem parte disso. Se o Governo prefere, por exemplo, subsidiar as touradas, é óbvio que vai faltar dinheiro para outras coisas. Há mecanismos governamentais que, efectivamente, apoiam as artes e a cultura, porém não é suficiente. Por outro lado, compreendo que não seja possível exigir muito mais, uma vez que o dinheiro não abunda. No meu entendimento, o problema é gastar dinheiro com coisas absurdas, em detrimento de investir em outras prioritárias. É tudo uma questão de prioridade.  

A pandemia afectou-o?
Durante a pandemia, fui produzindo e vendendo pela internet, que é uma forma de expandir o meu trabalho. A pandemia não me afectou muito, porque o meu tipo de trabalho não implica um público, isto é, não preciso de fazer espectáculos para mostrar o meu labor.

Porque decidiu acabar com as exposições?
Comecei a fazer exposições, em 1992, e fiz muitas na ilha. Na Miolo estou sempre a expor, visto que o meu trabalho está todo nas mesas, nas paredes, por isso não sinto necessidade de fazer exposições. A última exposição que fiz de pintura foi em 2003, salvo erro. Não foi propositado. As coisas vão acontecendo. Quando abrimos este espaço, coloquei o meu trabalho todo aqui à venda. As pessoas fazem exposições para mostrar o seu trabalho e para vender. Ora, eu não sinto esta necessidade, porque tenho a Miolo, um espaço onde tenho os meus trabalhos expostos.  

Em termos de futuro, que projectos em carteira? 
Vou aproveitando o que vier. Não sou de fazer grandes planos a longo prazo. Para já, tenho que arranjar outro espaço, ainda não sei bem onde nem quando. Além disso, estava a pensar escrever um conjunto de contos, ligados entre si, de modo a fazer uma espécie de romance. Gostaria de fazer uma curta-metragem também. Não sei se concretizarei ou não, mas tenho vontade de fazer coisas nestas áreas. Nunca prevejo o que vai acontecer. Tudo vai surgindo de forma espontânea e eu escolho aproveitar ou não. 

Há algo mais que queira acrescentar?
Gostaria que o poder político apostasse fortemente nas artes, até na formação, pois não temos uma Companhia de Teatro, por exemplo. Entendo que há coisas que se fazem, nomeadamente o evento Música no Colégio, que aprecio bastante, mas creio que era necessário apostar mais fortemente nas artes. Considero que cada um de nós tem de fazer um esforço nesse sentido, dentro do possível. Compreendo que seja complicado, que haja muitos constrangimentos económicos, mas não se deve esbanjar dinheiro com coisas desnecessárias. Por exemplo, era escusado construir um Miradouro na Lagoa do Fogo, assim como uma incineradora. Deviam esforçar-se mais em privilegiar as artes e a cultura em geral.   

                                  Carlota Pimentel
 

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Autor: CA

Categorias: Regional

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