Francisco Ledo, produtor agrícola na freguesia das Calhetas

“A autosuficiência alimentar na horticultura dos Açores é possível”

Mesmo à entrada da freguesia das Calhetas, no concelho da Ribeira Grande, somos recebidos por Francisco Ledo e pela sua inseparável cadela Maia. Este produtor agrícola de 34 anos iniciou esta exploração apenas no ano passado e conta presentemente com 8 estufas montadas embora avance que o objectivo final passe “por chegar às 21 estufas”.    
Francisco Ledo concluiu recentemente um Mestrado em Agronomia e apesar de ter uma licenciatura em produção animal, admite que a vertente agrónoma “tem sido mais interessante”. O produtor agrícola conta-nos um pouco da história por detrás desta exploração. 
“Estas estufas estavam instaladas num prédio do meu pai (Manuel Ledo) que foi vendido e quem comprou o terreno não estava interessado nas estufas (…) sempre em modo de produção biológica e tudo em área coberta embora, neste momento, aproveitemos, o ar livre para fazer algumas culturas como batata, batata-doce, cebolas e agora as abóboras e o milho”, refere. 
A opção pela produção em estufas é justificada, desde logo, pela proximidade ao mar.
“Estou aqui a 50 metros do mar e de inverno, o mar queima-nos as culturas todas ao ar livre. Mesmo no Verão, de quando a quando, vem uma tempestade e se não for em estufa, é muito difícil produzir hortícolas nesta zona”, explica. 
Dedicando-se em part-time a esta actividade, Francisco Ledo tem como sua grande aposta as courgettes, o feijão-verde, o pepino e 3 variedades de tomate cherry (o redondo, o alongado vermelho e o alongado amarelo). 
“Produzimos por semana cerca de 200 e tal kgs de cherry e o pepino anda à volta dos 100 ou 150 kgs. É uma exploração pequena e como é em part-time os valores ainda não são muito grandes”, avança antes de realçar a necessidade de, na agricultura biológica, “termos de trabalhar muito nos eco-sistemas e não na monocultura (…) No biológico tentamos sempre ter mais do que uma cultura no interior da estufa para as pragas nunca se desequilibrarem”. Ainda a propósito das pragas, o produtor explica como as está a tentar controlar. 
“Junto às bordaduras, é um sistema que vamos criando gradualmente, começam a aparecer as hortelãs, tabaco, erva-príncipe, ou seja, muitas aromáticas que nos ajudam a fixar os auxiliares para combater essas pragas. Como esta é uma exploração recente ainda não consigo ter o ecossistema resiliente o suficiente para não ter muitas pragas”, afirma antes de continuar a sua explicação. 
“O produtor convencional ao aplicar os insecticidas mata o bom e o mau. Quando não existe população de insectos nas plantas, o que se desenvolve mais depressa é o mau. No biológico tentamos ter um equilíbrio, vamos ter pragas na mesma, mas vou ter os auxiliares que a combatem”, realça. 
Relativamente aos mercados onde coloca os seus produtos, Francisco Ledo especifica que vende “alfaces para a 4ª gama, ou seja, para a Gelvalados. O tomate que produzimos é feito por encomenda também para a Gelvalados e grande parte da produção é absorvida pelo Mercado da Graça e por uma frutaria na Ribeira Grande”. Para além disso, coloca também os seus hortícolas “na Cresaçor que por sua vez embala e vende para as grandes superfícies. Vendo também para a Bio Kairos na Avenida D.João III, em Ponta Delgada”. 
Ainda numa fase inicial deste projecto, o produtor refere que “a meta é conseguir tirar o meu ordenado deste trabalho”, embora admita que isso irá depender da forma “como o negócio se desenvolver”. 
“É uma grande segurança trabalhar por conta de outrem e quando se trabalha por conta própria o stress é outro. Tenho que ter os pés bem assentes na terra e até tenho o exemplo do meu pai que sempre foi produtor agrícola e professor em simultâneo”, destaca. 
Numa outra vertente, Francisco Ledo adianta que, neste momento, não se pode queixar de falta de mão de obra. 
“Tenho o meu pai a trabalhar comigo como reformado e, quando estou mais aflito, tenho também um senhor que me vem dar uma ajuda, em part-time, ao final do dia. Tenho conseguido equilibrar e claro, é preciso trabalhar de sol a sol”, garante. 
Referindo-se ainda ao problema da mão de obra, um dos principais problemas do sector para muitos dos produtores agrícolas com quem o Correio dos Açores tem contactado, Francisco Ledo admite que isso também poderá estar relacionado com a falta de “atractividade” tendo em conta os ordenados praticados. Por outro lado, diz igualmente que “o trabalhador tem de se empenhar e é preciso que perceba que tem de trabalhar para assegurar o seu ordenado, mas também para que sobre algum dinheiro para o patrão. Às vezes as pessoas esquecem-se que o patrão também precisa de comer”. 
Quando questionado acerca dos principais problemas com que se depara, Francisco Ledo ‘aponta baterias’ para as embalagens.
“Quando se quer vender em grandes superfícies tem de ser embalado e, com o fim à vista das embalagens de plástico, têm de ser criadas soluções porque as existentes actualmente são muito caras. Para se ter uma noção, um saco biodegradável para um molhe de salsa custa 30 cêntimos e se vou vender a uma grande superfície para depois chegar ao consumidor final a 1 euro e 49 cêntimos. Tenho que tirar a minha margem e, tirando também a da grande superfície, o lucro resulta em quase nada”, explica. Perante isto, considera que “tem de haver, ou das grandes superfícies ou do Governo, uma forma de comercializar esses produtos sem que sejam necessárias essas embalagens”. 
Lançando um olhar mais geral sobre o sector agrícola, Francisco Ledo considera que o Governo Regional poderia “ajudar, dando uma formação mais prática e não tão teórica. Incentivar os agricultores a viajar porque é importante conhecer outras realidades. Podemos pensar que trabalhamos bem, mas se formos a outro sítio porventura vamos ver coisas diferentes e é assim é que se evolui”. 
Este produtor não tem dúvidas de que “a autosufeciência é possível. É uma questão de juntar esforços”. Para que tal seja possível, entende que terão de ser criadas “condições de armazenagem na batata, na cebola ou na cenoura, por exemplo, e tem de haver um equilíbrio entre a oferta e a procura”. 
“A horticultura que temos é para o abastecimento da nossa ilha e não podemos ter a ilusão de que vamos exportar. Temos o leite, a carne e poderemos talvez criar um ou dois produtos fortes que possam absorver as áreas de pastagem que, provavelmente, irão diminuir”, afirma. 
Francisco Ledo acredita ainda que não é benéfico para o sector a dicotomia entre agricultores biológicos e convencionais. 
“Na agricultura biológica não podemos encarar os outros produtores como inimigos. Pensa-se muitas vezes que o biológico é que é bom, mas os outros também são bons e produzem em quantidade e qualidade. Já são certificados, produzem com qualidade e são acompanhados por técnicos”, salienta.  
                                               Luís Lobão
 

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Autor: CA

Categorias: Regional

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